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G UILLAUMIN E A ECONOMIA POLÍTICA : A EDIÇÃO MILITANTE

O papel dos editores, tais como Guillaumin e Alcan, foi fundamental na criação de um ambiente favorável à institucionalização das ciências sociais, à medida que apostaram em obras e autores ainda não reconhecidos ou consagrados, mesmo para o público restrito da universidade. A economia política se tornou, desde os anos 30, a especialidade de Guillaumin, que passou a editar Adam Smith, Jean-Baptiste Say e seus seguidores em razão de sua militância a favor dos princípios liberais. Diante de editoras poderosas, tais como a Hachette ou Ladrange, que publicavam, respectivamente, na área de história e de filosofia, a Guillaumin era uma editora pequena, o que correspondia à sua posição dominada no sistema educacional. Apesar de sua difusão ao longo do século, a disciplina só foi institucionalizada em 1877, no curso de direito, em razão da desconfiança do Império em relação a uma matéria considerada subversiva. Os economistas reivindicavam um saber científico, por oposição à filosofia e à história, mas também pretendiam obter hegemonia no âmbito das ciências sociais. Se, no campo político, as publicações nessa área travavam um combate militante à tradição protecionista e centralizadora da França, no campo propriamente intelectual elas se diferenciavam, de um lado, do conhecimento erudito ou enciclopédico da história e, de outro lado, da filosofia espiritualista.

11 Cf. CHARTIER, Roger – MARTIN, Jean-Henri (éds.), Histoire de l’édition française, op. cit., pp. 8-9. 12 Cf. PARINET, É., op. cit., pp. 199-205.

13 A obra L’Astronomie populaire, de Camille Flammarion, vendeu 125.000 exemplares entre 1880 e 1914.

A tensão, na área das disciplinas eruditas e profissionais, entre um pólo científico e outro moral promoveu disputas em torno da apropriação de termos, da classificação de saberes e do estabelecimento de programas. Para as matérias não institucionalizadas, o combate tinha que ser feito através de editoras, catálogos, coleções e revistas. Desde os anos 40, a Guillaumin publicava obras sob o título “economia social” com a intenção de defender a subordinação das questões morais ao saber científico; no outro pólo, as áreas de direito e de filosofia se apropriavam da mesma expressão em nome da moralidade social. A oposição entre moral e ciência ou entre indivíduo e sociedade acompanhará o campo intelectual francês ao longo do século XIX. Na literatura, por exemplo, ela será reapropriada pelos romancistas psicológicos, nos anos 80, com o intuito de defender a função social ou a “responsabilidade social” do escritor, função conservadora em relação à literatura autônoma14.

Ora, o campo das ciências sociais será recortado pela mesma oposição nos anos 90. O adjetivo “social” surgiu, nesse momento, sob a luta por sua apropriação e definição legítima, o que gerou a ambigüidade do conceito. Entre alguns herdeiros de Le Play e nos meios mais diletantes, o termo significava a subordinação do espírito científico a certos pressupostos filosóficos ou morais; entre os economistas, estatísticos e sociólogos universitários, ele significava a submissão do plano moral ao conhecimento científico. A estatística permitiu diferenciar dois pólos dentro da própria ciência econômica, um de vocação teórica e outro de ímpeto pragmático, difundidos, respectivamente, pelo Journal des Économistes e por L’Économiste Français15. Nesta última revista, ela se tornava cada vez mais um instrumento útil para administradores públicos e privados, voltado ao controle das finanças e à racionalização da burocracia em geral (comércio, indústria, impostos, renda etc.).

Guillaumin, órfão educado por um tio, comerciante de madeira que o obrigou a trabalhar desde cedo, foi para Paris e lá fundou uma livraria especializada em comércio e economia política. Com a morte de Guillaumin, em 1864, suas filhas, Pauline e Félicité, assumiram a empresa e continuaram a tradição liberal da editora. O fato da Guillaumin não publicar obras, por exemplo, de Charles Gide, opositor dos liberais e adepto da economia solidarista e, por outro lado, editar os leplaysianos próximos a Boutmy, mostra o quanto o critério ideológico interferia nos negócios. Uma militância que tinha raízes provavelmente nas próprias disposições da pequena burguesia liberal da qual Guillaumin provinha e que

14 LOUE, Thomas, “Les fils de Taine entre science et morale: à propos du ‘Disciple’ de Paul Bourget

(1889)”, Cahier d’Histoire. Revue d’Histoire Critique, no 65, 1996, p. 54. Cf. também SAPIRO, G., art. cit., p. 96. 15 O jornal L’Économiste Français era dirigido por Paul Leroy-Beaulieu, genro de Michel Chevalier, e seu

substituto no Collège de France, além de professor na École Libre des Sciences Politiques, cf. TESNIÈRE, V., Le

perdurou através de seu ingresso numa rede de instituições liberais, tais como a Société d’Économie Politique, a École Libre des Sciences Politiques e a Académie des Sciences Morales et Politiques.

A Guillaumin publicou tanto obras teóricas quanto títulos voltados aos interesses da grande burguesia dos negócios, cujos temas podem ser sintetizados pelas seguintes matérias: filosofia política, economia, política contemporânea, política internacional, colonização, finanças, história das civilizações, história política, comércio internacional e economia social (questões trabalhistas). Entre os autores publicados estão Adam Smith, Malthus, Jean-Baptiste Say e Bastiat e, entre os contemporâneos, Émile Levasseur, Frédéric Passy, Leroy-Beaulieu e Léon Say. Após a Exposição Universal de 1889 e a aproximação entre os liberais e os leplaystas, alguns adeptos de Le Play, como Émile Cheysson, começam a publicar pela Guillaumin.

Dada a longa história de publicações na área de economia política e a quantidade de instituições de combate ideológico, a tardia institucionalização da disciplina de economia política, bem como sua subordinação ao curso de direito, leva a concluir pelo poder da esfera política sobre o desenvolvimento da universidade francesa. Conforme afirmou Robert Nye, uma parte da explicação reside no poder dos magistrados na França, formados pela tradição intelectual e pela doutrina espiritualista, e que não viam com bons olhos o questionamento da responsabilidade moral do indivíduo pelas disciplinas científicas16. Esse quadro leva a concluir que o campo editorial na área das ciências sociais se manteve numa posição vanguardista e militante enquanto esteve excluído do sistema educacional e, por sua vez, passou a se profissionalizar à medida que as novas elites republicanas deram espaço institucional às “ciências morais”. Os problemas políticos enfrentados por Guillaumin não se repetiram com Alcan, quando novos grupos políticos e universitários passaram a reconhecer os benefícios das novas ciências sociais.