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1. GALILEIA: uma trama dialógica com a tradição regionalista

1.2. GALILEIA: da tradição regionalista à prosa cosmopolita

No Brasil, segundo Afrânio Coutinho (1986), a prosa de ficção praticamente inexistiu durante o período colonial. Os prosadores românticos, a partir da década de 1840, viram-se imbuídos do mesmo espírito nacionalista que os poetas, mas acrescido da missão de criar as bases de uma tradição. Ainda que o processo de configuração do sistema literário de Candido e o interesse de uma produção literária autêntica tenham florescido tardiamente em solo brasileiro, causando falhas no desenvolvimento cultural e contribuindo para a inexistência de precursores, o Romantismo conseguiu avançar a passos largos na formação de uma tradição literária brasileira.

Para Antonio Candido (2002), na literatura brasileira, o regionalismo nasceu articulado ao ideal de independência nacional, pois a luta por liberdade política, econômica e social se estendeu ao campo cultural e literário, uma vez que os escritores desempenharam o papel de revelar o Brasil encoberto pelo domínio colonial. Na visão de Candido, o Romantismo desenvolveu uma produção literária de cunho nacionalista baseada na exibição de aspectos locais, regionais. Assim, o regionalismo romântico expressa o sentimento ufanista através da exaltação da terra e do homem tipicamente brasileiros, ainda que numa perspectiva de representação reduzida ou restrita do nosso país.

Quanto ao regionalismo no Romantismo, Candido (1997) afirma que o romance brasileiro tem origem regionalista e de costumes, desenvolvendo enredos e tipos humanos restritos as descrições das experiências de vida social urbanas e rurais. De acordo com Tezza (2010, p. 17), embora o romance do século XIX, na Europa, apresente características de um gênero predominantemente burguês e urbano, os românticos brasileiros o importaram de maneira adaptada às suas necessidades literárias, transformando-o em um ―veiculo‖ para exprimir ―a realidade segundo um ponto de vista diferente, comparativamente analítico e objetivo, de certa maneira mais adequado às necessidades expressionais do século XIX‖. (CANDIDO, 1997, p.109)

Desse modo, o objetivo dos autores regionalistas do século XIX consiste em representar um sertão contrário à cidade, em especial o Rio de Janeiro por ser considerada a única com aspectos efetivamente urbanos do Brasil nesta época. A figura do homem sertanejo aparece como um recurso para expressar o ideal nacionalista dos românticos, já que o indianismo enfraquecera nas décadas de 1860 e 1870. O homem do sertão, ao contrário do índio, ganha o status de representante fiel do homem brasileiro, por permanecer avesso às influencias europeias que predominavam no ambiente citadino. O sertanejo, então, passa a protagonizar os romances de Bernardo Guimarães, Taunay, Franklin Távora e José de Alencar, em substituição à imagem do índio materializada, por exemplo, no personagem central de O Guarani (1857), Peri, de José de Alencar. Seguindo a produção regionalista romântica, podemos destacar o romances O gaúcho (1870), de José de Alencar mostrando como pano de fundo a Revolução Farroupilha e Manoel Canho como domador de cavalos, com final trágico para ele e a amante que o traía; Inocência (1972), de Visconde de Taunay, romance ambientado no sertão do Mato Grosso, tendo como protagonista uma jovem de 18 anos, cujo nome intitula a obra, que vive sob o domínio de um regime patriarcal em que a honra familiar estava acima de tudo; A escrava Isaura (1975), de Bernardo Guimarães, que narra as desventuras de uma escrava branca de caráter nobre, vítima da obsessão de seu senhor, evidenciando os ideais abolicionistas da época; O sertanejo (1875) inspirado no ciclo do gado, conta a própria saga de Arnaldo, alter ego do autor José de Alencar, em cenário do interior cearense; e O cabeleira (1976), de Franklin de Távora, que conta a história de José Gomes e seu pai Joaquim Gomes, precursores do cangaço do Pernambuco. Ainda que o sertanejo, nessas obras, não seja corrompido pelos padrões europeus de produção como o índio, ele sugere uma idealização heroica, típica do Romantismo, que o afasta da realidade brasileira.

O regionalismo romântico não foi eficaz na tentativa de consolidar os conflitos humanos na figura do sertanejo, dando maior destaque para os aspectos exóticos e pitorescos desse personagem. Segundo Candido (2014), a artificialidade do regionalismo inicial não estava apenas na reprodução do linguajar da região ou na representação de seus hábitos, mas na dificuldade de perceber que o homem sertanejo também era humano, e não mais um elemento regional.

Os primeiros autores regionalistas, José de Alencar, Visconde de Taunay, Franklin de Távora e Bernardo Guimarães, escreveram suas obras a partir de uma

visão intelectualizada do sertão. Através do acesso a um elevado grau de instrução fora de seus lugares de origem, esses escritores retornavam na condição de homem civilizado em contraste com o homem bárbaro do sertão. Tal contraste impossibilitava a produção de uma narrativa que captasse as peculiaridades do sertanejo sem reduzi-lo a um personagem caricatural e artificial.

Os românticos – Bernardo, Alencar, Taunay, Távora – tomaram a região como quadro natural e social em que se passavam atos e sentimentos sobre os quais incidia a atenção do ficcionista. É notório que livros como O Sertanejo, O Garimpeiro, Inocência, Lourenço são construídos em torno de um problema humano, individual ou social, e que, a despeito de todo o pitoresco, os personagens existem independentemente das peculiaridades regionais. Mesmo a inabilidade técnica ou a visão elementar de um batedor de estradas, como Bernardo Guimarães, não abafam esta humanidade da narrativa. (CANDIDO, 1997, p. 192)

Embora as tramas devessem exprimir uma realidade mais próxima de uma identidade nacional, e não apenas local, essas narrativas não ignoravam a humanidade dos personagens, ainda que o dado humano não fosse analisado com a devida profundidade. Por isso, Candido admite que o regionalismo romântico trouxe a exploração do pitoresco, mas também, extraiu superficialmente a essência humana dos personagens locais, o que foi anulado pela geração regionalista seguinte:

Já o regionalismo post-romântico tende a anular o aspecto humano, em beneficio de um pitoresco que se estende também à fala e ao gesto, tratando o homem como peça da paisagem, envolvendo ambos no mesmo tom de exotismo. É uma verdadeira alienação do homem dentro da literatura, uma reificação da sua substância espiritual, até pô-la no mesmo pé que as árvores e os cavalos, para deleite do homem estético da cidade. Não é à toa que a ―literatura sertaneja‖, deu lugar a pior subliteratura de que há notícia em nossa história, invadindo a sensibilidade do leitor mediano como praga nefasta. (CANDIDO, 1997, p.192)

O ―regionalismo post-romântico‖ a que o autor faz referência corresponde ao período da Primeira República, época em que a urbanização estava em plena efervescência. Nesse contexto, a preocupação dos autores era destacar a diferença entre o homem sertanejo e o homem citadino, deixando claro a superioridade deste sobre aquele. Por isso, segundo Candido, a literatura regionalista desse período

caracteriza-se como ―subliteratura‖, uma vez que tem o predomínio da exclusão. De acordo com o crítico, tal período visto como subliteratura, abarcaria, portanto, obras de Inglês de Souza (O missionário – 1888), de Adolfo Caminha (A normalista – 1892), de Afrânio Peixoto (Maria Bonita – 1914) e o Monteiro Lobato para adultos (Urupês – 1918, Cidades Mortas – 1919 e Ideias de Jeca Tatu – 1919). O discurso rústico e o acentuado ―tom de exotismo‖ do homem rural afasta-se do discurso civilizado e modo de vida culto do homem urbano. No texto Literatura e

subdesenvolvimento, Candido (2000) explica melhor essa questão. O autor destaca

três momentos com relação à consciência de atraso na América Latina, em especial no Brasil: o primeiro, corresponde ao período do Romantismo, quando prevalece a ideia de ―país novo‖ e uma consciência amena do atraso; o segundo, situa-se entre o final do século XIX e o início da década de 1930 do século XX, em que a visão de subdesenvolvimento ganha proporções catastróficas; e a terceira consiste em uma perspectiva conflituosa e contraditória do atraso, ocorrida a partir dos anos 1940, 1950, período em que o Brasil vivenciava um crescimento urbano acelerado como consequência do progresso industrial que o país passava ao mesmo tempo em que apresentava regiões carentes de luz elétrica, água encanada e gás de cozinha.

O regionalista do segundo momento conduz sua trama a partir da visão e do discurso de um narrador intelectualizado em terceira pessoa que restringe o personagem ao linguajar e ao tom exótico e pitoresco da região explorada. É, por exemplo, o que podemos constatar no romance Inocência de Visconde, de Taunay, quando o narrador descreve o personagem Manecão, caricaturando-o como um ―capataz de tropa‖:

Era a personificação do capataz de tropa. Cabelos compridos e emaranhados, ar selváticos e sobranceiro tez queimada e vigorosa musculatura constituíam um tipo que atraia de pronto a atenção. Metidos os pés numa espécie de polainas de couro cru de veado, grandes chinelas de ferro, lenço vermelho atado ao pescoço, garruchas nos coldres da sela e chicote de cabo de osso em punho, tudo indicava o tropeiro no exercício da sua lida. (TAUNAY, 2006, p.220)

Manecão comporta aspectos que o identificam como integrante do espaço rural. O ―ar selvático‖ acentua ainda mais a imagem pitoresca dada ao homem sertanejo, diferente da imagem heroica e romantizada descrita pelo narrador em relação ao personagem Mayer:

Devia ser homem bastante alto e esguio [...] tinha rosto redondo, juvenil, olhos gázeos, esbugalhados, nariz pequeno e arrebitado, barbas compridas, escorrido bigode e cabelos muito louros. O seu traje era o comum em viagem: grandes botas, paletó de alpaca em extremo folgado, e chapéu-do-chile desabado. Trazia, entretanto, a tiracolo, umas quatro ou cinco caixinhas de lunetas ou quaisquer outros instrumentos especiais, e na mão segurava um pau fino e roliço, preso a uma sacola de fina gaze cor-de-rosa. (TAUNAY, 2006. p.88)

Mayer representa o homem urbano, civilizado, ao passo que Manecão representa o homem do campo, selvagem. Percebe-se uma certa feição do narrador quando se refere a Mayer, apresentando-o como homem bem quisto, bem aparentado. Como o contato com a cidade não faz parte da natureza de Manecão, suas feições aproximam-se de uma imagem cômica, caricatural, colocando o aspecto humano do personagem em segundo plano:

A humanização do personagem havia se perdido: a alienação desses regionalistas pode ter se dado também porque eles percebiam o desenvolvimento urbano e industrial do país e, ao mesmo tempo, tinham conhecimento do marasmo das regiões afastadas. Enquanto o campo estava estacionado, a cidade corria no ritmo do automóvel, o intelectual via sua fonte de relações e conhecimento aumentar, enquanto a vida rural não se alterava, o que distanciava ainda mais o homem da cidade do homem do campo. Os regionalistas desse segundo momento não percebiam que podiam contribuir com suas obras para alterar esse estado. Com o advento do Socialismo no Brasil, em especial com a criação do Partido Comunista, e com a nova geração de escritores enquadrados no romance de 30, conscientes dos problemas sociais, econômicos e políticos do país, o intelectual começa a perceber que as camadas regionais da sociedade precisam ser incluídas à modernidade e que o governo precisa executar políticas públicas para que isso seja alcançado. (GUADAGNIN, 2007, p.61)

Segundo Alfredo Bosi (1980), os escritores da década de 1930 testemunharam uma nova conjuntura social, política, econômica e cultural que influenciou a produção literária desta época. A literatura passa a ser, então, segundo Medeiros (2013, p.15), um instrumento de denúncia da miséria social que assolava os brasileiros, em especial, o homem sertanejo. É o que denuncia, por exemplo, Graciliano Ramos (2005), em ―A marcha para o campo‖:

Realmente o Brasil sofre duma espécie de macrocefalia. Enquanto a capital se desenvolve enormemente para cima e para os lados,

importando por avião e transatlântico os bens e os males da civilização, o campo definha, pacatamente rotineiro, longe da metrópole no espaço e no tempo. Faltam-lhe vias de comunicação – e certos lugares, verdadeiras ilhas no mundo atual, pouco diferem do que eram sob o domínio dos capitães-mores. Os hábitos daquela época transmitiram-se fielmente de pais a filhos, os processos de trabalho pouco ou nada variaram, a gente escassa, confinada em extensas áreas inexploradas [...]

A expressão ―macrocefalia‖ utilizada por Graciliano refere-se a um crescimento desordenado, ―para cima e para os lados‖, das cidades brasileiras, gerando um custo maior do que uma cidade planejada. Incapaz de acompanhar o próprio crescimento e garantir estrutura que sustente a aglomeração em massa e atenda as necessidades de sua população, a cidade se vê obrigada a importar ―os bens‖ de consumo. Porém, ―os males‖ são inevitáveis nesse processo de urbanização acelerado, uma vez que nem todos terão acesso ao bem estar importado pelo ―avião‖ ou ―transatlântico‖, causando graves problemas econômicos e sociais. O campo, ao contrário da cidade, representa uma sociedade primitiva e com desenvolvimento econômico atrasado. Conforme Medeiros (2013, p.15), ―A imobilização do campo o transforma numa ―ilha‖ deficiente na comunicação, levando a aproximação com a ideia de justaposição de épocas históricas, quando diz que o campo está separado da cidade no espaço, mas também no tempo.‖

A nova vertente da ficção nacional surge como recurso crítico da realidade brasileira, colocando o leitor diante da consciência de um país subdesenvolvido, principalmente em algumas regiões, como o Nordeste. A produção de 1930 herda do regionalismo romântico a intenção de retratar a relação entre o homem e o meio onde vive a partir de uma visão mais determinista. Retoma do Realismo, o interesse por traduzir as relações sociais, contudo, livre da perspectiva cientificista e do racionalismo inflexível que marcou a estética anterior. Sobre esse aspecto importante do Realismo, Bosi esclarece:

Mas, sendo o realismo absoluto antes um modelo ingênuo e um limite da velha concepção mimética de arte que uma norma efetiva da criação literária, também esse romance novo precisou passar pelo crivo de interpretações da vida e da História para conseguir dar um sentido aos seus enredos e as suas personagens. Assim, ao realismo ―científico‖ e ―impessoal‖ do século XIX preferiram os nossos romancistas de 30 uma visão crítica das relações sociais. (BOSI, 1980, p.436)

O romance de 1930 inova ao abandonar a idealização romântica e a impessoalidade realista, para apresentar uma visão crítica das relações sociais e do impacto do meio sobre o indivíduo. Outro elemento fundamental que integra a ficção desse período é o fator emocional das personagens, antes ignorado por rígido determinismo, o que permite uma profunda análise psicológica delas. Porém, antes de se chegar a uma literatura de problematização da realidade brasileira e forte consciência política, o Modernismo, segundo João Luiz Lafetá (2000), pode ser considerado um processo bifásico. O crítico considera a produção de 1922 como um ―projeto literário‖ baseado na ruptura com a linguagem e luta contra o passadismo. Ou seja, a preocupação dos escritores dessa primeira fase era causar uma ―revolução na literatura‖ a partir de um projeto estético ligado às modificações operadas no âmbito da linguagem e, por conseguinte, aos efeitos que tais modificações provocam nos meios tradicionais de expressão. Já a literatura de 1930 consiste em um ―projeto ideológico‖, no qual predomina uma reorientação no pensamento a partir da incorporação crítica do contexto social e político dessa fase. A produção de 1930 pode ser vista como uma ―literatura na revolução‖, marcada pelo pensamento de um determinado tempo, que deixa entrever como o movimento artístico se insere no contexto de sua época.

Tendo completado de maneira vitoriosa a luta contra o passadismo, os escritores modernistas e a nova geração que surgia tinham campo aberto à sua frente e podiam criar obras mais livres, mais regulares e seguras. Sob esse ângulo de visão, a incorporação crítica e problematizada da realidade social brasileira representa um enriquecimento adicional e completa — pela ampliação dos horizontes de nossa literatura — a revolução na linguagem. (LAFETÁ, 2000, p.27-28)

É importante destacar que os dois projetos se articulam e se complementam por duas razões principais: no âmbito da arte, a influência das vanguardas fez com que se buscasse incorporar o popular e o primitivo às artes; no plano do pensamento, a burguesia industrial, por ter origem na burguesia rural, acolhe e apoia o englobamento das tradições culturais arcaicas. Dentro do Modernismo, o projeto estético se caracteriza pela ruptura com a linguagem tradicional e por uma nova visão da obra-de-arte como um objeto de qualidade diversa em relação à realidade e com relativa autonomia. Já o projeto ideológico intencionava se opor à visão de país encontrada na produção artística e cultural anterior, buscando uma nova expressão

artística nacional. Assim, um dava suporte ao outro, embora a geração de 30 alcance maior reconhecimento:

Com efeito, a opinião unânime dos estudiosos do modernismo é que o movimento atingiu durante o decênio de 30, sua fase áurea de maturidade e equilíbrio, superando os modismos e os cacoetes dos anos vinte, abandonando o que era pura contingência ou necessidade do período de combate estético. (LAFETÁ, 2000, p.31)

Ao alcançar ―maturidade e equilíbrio‖, o Modernismo sofre de diluição na sua estética, já que as revoluções no campo da linguagem foram associadas ao romance de denúncia e a intenção de revolucionar a realidade. Apesar do Modernismo de 22 ―ter uma base fortemente burguesa, expressou também aspirações de outras classes‖ (LAFETÁ, 2000, p.17), ampliando seu discurso para toda uma nação, para criticar e denunciar as mazelas do Brasil arcaico. Porém, a intenção de revolução social nas artes só se consolidou na geração posterior. Engajada nas lutas ideológicas e na consciência da luta de classes a geração de 30 se preocupou principalmente com questões de ordem política como a função da literatura, o papel do escritor e as influências das ideologias nas artes. Luís Padilha, por exemplo, personagem do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, apresenta o seguinte discurso revolucionário:

– Um roubo. É o que tem sido demonstrado categoricamente pelos filósofos e vem nos livros. Vejam: mais de uma légua de terra, casas, mata, açude, gado, tudo de um homem. Não está certo.

Marciano, mulato esbodegado, regalou-se [...]:

– O senhor tem razão, seu Padilha. Eu não entendo, sou bruto, mas perco o sono assuntando nisso. A gente se mata por causa dos outros. É ou não é, Casimiro?

Casimiro Lopes franziu as ventas, declarou que as coisas desde o começo do mundo tinham dono.

– Qual dono! gritou Padilha. O que há é que morremos trabalhando para enriquecer os outros. (RAMOS, 2001, p.58)

Padilha, que já esteve do outro lado da moeda, pertencendo à classe social mais favorecida, agora, segundo Paulo Honório, ―manifestava ideias sanguinárias e pregava, cochichando, o extermínio dos burgueses‖ (RAMOS, 2001, p.52). Filho de fazendeiro abastado, passou a estudar fora do Brasil para elevar o status da família com o título de doutor. Porém, a morte do pai antecipou seu retorno sem diploma e

lhe deu a incumbência de cuidar da fazenda. Sem teoria nem prática para os negócios da família, acaba perdendo a fazenda São Bernardo para Paulo Honório, assumindo a função de professor da escola rural. Na condição de subalterno, vítima de humilhações, assim como os trabalhadores rurais, Luís Padilha representa a consciência do desajuste social, ―trabalhando para enriquecer os outros,‖ o que considera ―um roubo‖. É através dessa consciência da luta de classe, dessa abertura à ―figuração do outro‖, conforme expressão de Luís Bueno (2006), por exemplo, que o romance de 30 se configura como social ou proletário:

A incorporação dos pobres pela ficção é um fenômeno bem visível nesse período. De elemento folclórico, distante do narrador até pela linguagem, como se vê na moda regionalista do início do século, o pobre, chamado agora de proletário, transforma-se em protagonista privilegiado dos romances de 30, cujos narradores procuram atravessar o abismo que separa o intelectual das camadas mais baixas da população, escrevendo uma língua mais próxima da fala. (BUENO, 2006, p.23)

Segundo Luís Bueno (2006), em Uma história do romance de 30,a produção literária desse período não segue mais a cartilha do romance tipicamente burguês, rompendo com o individualismo na medida em que ―incorpora‖, em sua narrativa, figuras marginais, ou seja, os ―pobres‖. Desta forma, estes romances apontam para uma maior preocupação com as revoltas e com as massas, o coletivo. Ainda que exista um ―abismo‖ entre o ―intelectual‖ e o ―proletário‖, Bueno ressalta o trabalho com ―a língua mais próxima da fala‖ que permitiu aos escritores introduzir na ―cultura letrada brasileira elementos até aquele momento tidos como bastardos ou nitidamente inferiores.‖ (BUENO, 2002, p. 270). É justamente essa consciência coletiva e sentimento de luta que, segundo Herasmo Brito (2017), os autores contemporâneos herdam da tradição regionalista:

Os autores do Neorregionalismo Brasileiro irão herdar esse sentimento e essa consciência. Continuaram a fazer dialogar o estético com o social. Problematizaram os dilemas nacionais sem