• Nenhum resultado encontrado

A Geometria projetiva e seus precursores

1.1 Um breve histórico sobre as transformações geométricas

1.1.1 A Geometria projetiva e seus precursores

Sobre o aparecimento e a evolução da noção de transformações geométricas propriamente ditas, Jahn (1998, p.32, tradução nossa) pontua que “os problemas de representação dos objetos no espaço e os problemas de sombra foram preocupações dos pintores e artistas do Quattrocento4 que os conduziu ao método das transformações e à geometria projetiva”. Segundo Eves (2002), famílias aristocráticas italianas patrocinavam artistas e poetas que estudavam trabalhos dos mestres gregos e italianos antigos. Dentre os artistas do renascimento podemos citar Leonardo da Vinci (1452-1519), Michelangelo (1475-1564), Benvenuto Cellini (1500-1571), Filippo Brunelleschi (1377-1446), Dürer (1471-1528) e Sandro Botticelli (1445-1510). As obras do Renascimento têm, como características principais, a simetria, a preocupação com a harmonia e com o equilíbrio, seja ela uma pintura ou uma escultura. Procurando dar mais realismo e naturalidade para suas obras, os artistas introduziram conceitos como ponto de fuga5 e perspectiva.

Em sua obra “Aperçu historique sur l’origine et le développement des méthodes en géométrie”, Chasles (1793-1880) cita como os trabalhos de Desargues (1591-1661), principalmente sua obra sobre seções cônicas, influenciou com aspectos da geometria projetiva alguns artistas do Renascimento. Este autor afirma que,

Desargues se ocupou das aplicações da Geometria para as artes, e tratou este assunto em relação ao homem superior, trazendo, com uma exatidão frequentemente desconhecida dos artistas, os princípios da universalidade que fazem reconhecer nele [em seu

4 Foram eventos culturais e artísticos do século XV na Itália que marcaram o início do renascimento.

5 O ponto de fuga é a convergência de todas as linhas que representam planos perpendiculares à tela para um ponto produzindo um efeito real de profundidade. Como exemplo, podemos citar

trabalho] pesquisas de pura geometria (CHASLES, 1875, p.84, tradução nossa).

Um dos trabalhos mais conhecidos de Desargues, e que deu início aos estudos que levaram à geometria projetiva é o teorema que traz o seu nome, apresentado juntamente com sua demonstração por Coxeter e Greitzer (1967) da seguinte forma:

Teorema de Desargues: Se dois triângulos estão em perspectiva6 em relação a um ponto e se as retas suportes de seus pares de lados correspondentes se cortam, então os três pontos de concorrência são colineares.

Figura 2. Representação do Teorema de Desargues

Fonte: Figura elaborada pela autora, baseada em Coxeter eGreitzer (1967)

Demonstração: Dados dois triângulos PQR e P’Q’R’ em perspectiva em relação a um ponto O, tal que as retas suportes de seus pares de lados correspondentes se encontram nos pontos D, E, F (Figura 2), queremos mostrar que esses pontos são colineares. A demonstração aqui apresentada depende do Teorema de Menelau7 enunciado como “os pontos E, F, D

6 Segundo Coxeter e Greitzer (1967) duas figuras de um mesmo tipo estão em perspectiva por um ponto se essas figuras compostas por pontos e linhas puderem ser colocadas em correspondência de tal forma que pares de pontos correspondentes são unidos por retas concorrentes.

pertencentes às retas suportes dos lados YZ, XZ e XY, do triângulo XYZ, são colineares, se somente se,   1

YD XD XF ZF ZE YE ”.

Figura 3. Representação do Teorema de Menelau

Fonte: Figura elaborada pela autora, de acordo com Coxeter e Greitzer (1967)

Vamos aplicar o Teorema de Menelau, para as três tríades de pontos colineares DR’Q’, EP’R’ e FQ’P’ nos lados dos triângulos OQR, ORP e OPQ respectivamente.

Fazendo separadamente as representações do Teorema de Menelau para os triângulos citados temos:

Figura 4. Representações do Teorema de Menelau para os triângulos OQR, ORP e OPQ,

respectivamente.

Fonte: figura elaborada pela autora

Para cada uma das representações da figura 4, obtemos referentes aos triângulos OQR, ORP e OPQ as relações apresentadas a seguir:

I) 1 ' ' ' ' QQ OQ OR RR RQ QD II) 1 ' ' ' ' RR OR OP PP PE RE III) 1 ' ' ' ' PP OP OQ QQ QF PF

Após multiplicar as três equações consecutivamente e efetuarmos um número modesto de cancelamentos obtemos:

1    QF PF PE RE RD QD

, portanto, D, E, e F são colineares como queríamos.

Outro teorema, que Chasles classifica como famoso é o teorema da involução de Desargues, enunciado por Ayres (1967) como:

Teorema: Se um quadrângulo simples é inscrito numa cônica C e se uma linha k, que não passa por nenhum dos seus vértices, é tal que intersecta

C em dois pontos, estes pontos são um par recíproco na involução8 sobre k determinada pelo par de lados opostos do quadrângulo.

Figura 5. Involução de Desargues

Fonte: Elaboração da autora, segundo Ayres (1967)

A importância desses teoremas deve-se ao fato de servirem de fundamentos da teoria das cônicas de Desargues e de serem a origem de numerosas propriedades sobre as cônicas. Essas propriedades surgiram, muitas vezes, por meio de transformações geométricas. Segundo Jahn (1998), essas transformações eram utilizadas como ferramentas de demonstração, na medida em que elas permitiram transferir as propriedades sobre os objetos geométricos mais complexos que aqueles aos quais eram iguais. Ela ainda afirma que o estudo das transformações pretendia fazer aparecerem as propriedades geométricas invariantes no momento das transformações. Porém, como vimos na apresentação do teorema de Desargues, as transformações

utilizadas foram somente as projeções e elas permaneceram no contexto das cônicas.

Jahn (1998) ainda declara que as transformações geométricas como um objeto podem ser entendidas em vários níveis. De acordo com a autora, esse objeto pode ser considerado como as relações entre duas configurações geométricas ou entre duas partes de uma mesma configuração, o que pode ser observado quando analisamos figuras decorrentes da simetria ortogonal. Os conceitos aparecem, assim, ligados ao contexto das figuras e se trata em determinado momento de uma transformação de figuras.

A seguir, discorreremos sobre alguns métodos de transformações de figuras.