• Nenhum resultado encontrado

A Teoria das Situações Didáticas

A Teoria das Situações Didáticas foi desenvolvida por Guy Brousseau, com a finalidade de estudar as situações que são propícias à aquisição de conhecimento e às relações estabelecidas entre aluno, professor e o saber mobilizado em um ambiente de ensino. Segundo Brousseau (1997), situações didáticas são situações usadas para ensinar; é, portanto, todo o ambiente que cerca o aluno, incluindo o professor e o sistema educacional em si.

Destaque na Teoria das Situações Didáticas, o conceito de milieu 26 foi concebido por Brousseau como um sistema que interage com o aluno de forma

26Em português milieu pode ser traduzido como “meio”, mas concordando com Almouloud (2007), entendemos que este termo não alcança toda a amplitude da ideia proposta por

antagônica desafiando-o, por intermédio da reflexão sobre suas ações, a encontrar respostas para as situações-problema propostas a ele.

Segundo Almouloud (2007), a Teoria das Situações Didáticas se apoia em três hipóteses: (1) o aluno aprende adaptando-se a um milieu que gera dificuldades, contradições e desequilíbrio. O conhecimento, resultado da adaptação do aluno manifesta-se por novas respostas que fornecem evidências de aprendizagem; (2) um milieu sem intenção didática não é suficiente para promover a aprendizagem matemática do aluno, isto é, o professor deve criar, organizar um meio no qual serão desenvolvidas as situações (problemas) suscetíveis de provocar essa aprendizagem; (3) o milieu e essas situações devem engajar fortemente os saberes matemáticos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

Ainda de acordo com esse autor, “uma situação didática é caracterizada pelo milieu e este é organizado a partir da escolha das variáveis didáticas, que são aquelas para as quais a mudança de valores provoca modificações nas estratégias ótimas” (ALMOULOUD, 2007, p.37). Por esse motivo, a determinação de variáveis didáticas e seus valores é muito importante na construção, escolha e análise de situações de ensino. Nos estudos de Grenier (1988) e Lima (2006), são identificadas algumas variáveis didáticas e valores relacionados à simetria ortogonal. Apoiados nesses estudos, distinguimos aqui algumas variáveis e valores que levaremos em consideração neste trabalho a respeito desse objeto matemático.

Quadro 6. Variáveis didáticas e valores levados em conta na elaboração e escolha das tarefas

Variáveis didáticas Valores

A interseção da figura-objeto com o eixo de simetria

- toca o eixo

- corta o eixo em um ponto

- corta o eixo em mais de um ponto As direções dos elementos que compõem a

figura objeto

- horizontais - verticais - oblíquas

A direção do eixo de simetria sobre a folha

- horizontais - verticais - oblíquos

O tipo de papel - branco

- quadriculado

O tipo de tarefa

- reconhecimento de figura simétrica - reconhecimento de eixo de simetria

- construção de eixo de simetria - identificação de propriedades A configuração da figura-objeto - pontos - segmentos - polígonos

- outros tipos de figuras Distância da figura objeto ao eixo de simetria - conservada

- não conservada

Fonte: Adaptado de Grenier (1988) e Lima (2006)

Segundo Brousseau (1997), as variações de uma situação para o mesmo saber matemático podem apresentar grandes diferenças em termos de complexidade e, portanto, levar a diferentes estratégias ótimas, além de proporcionar formas diferentes de conhecer o mesmo saber27.

O desafio do professor é, justamente, construir situações cujas intenções de ensinar não são inicialmente reveladas aos alunos –, mas que estes aceitam – e conseguir que eles sejam capazes de refletir, agir e evoluir em seus conhecimentos matemáticos por conta própria. De acordo com Brousseau (1997, p. 30, tradução nossa), “cada item do conhecimento pode ser caracterizado por uma (ou mais) situação (ões) adidática(s) as quais preservam significados”, situações que ele chamou de situações fundamentais.

A Teoria das Situações Didáticas permite, no momento da aplicação das situações ou problemas em classe, que os professores vivenciem as quatro fases (fases de ação, formulação, validação e institucionalização) no processo de aprendizagem, apresentadas por Brousseau (1997). De acordo com esse autor, a fase de ação consiste em colocar o aprendiz numa situação de ação, na qual se coloca um problema para o aluno, cuja melhor solução, nas condições propostas, é o conhecimento a ensinar. Na fase de formulação, o aluno troca informações com uma ou várias pessoas, que serão os emissores e receptores trocando mensagens escritas e orais. Esse é um momento em que os estudantes ou grupo de estudantes explicitam, por escrito ou oralmente, as ferramentas que utilizaram e a solução encontrada.

27 Os termos conhecimento e saber são utilizados por Brousseau de forma diferenciada. “Os conhecimentos são meios transmissíveis (por imitação, iniciação, comunicação, etc) ainda que necessariamente demonstráveis, de controlar uma situação e obter dela um resultado determinado, de acordo com uma expectativa e exigência social. O saber é o produto cultural de uma instituição que tem como objetivo identificar, analisar e organizar os conhecimentos a

Na fase de validação, o estudante deve mostrar a validade de seus argumentos, submetendo a mensagem matemática ao julgamento de um interlocutor. Segundo Almouloud (2007), o emissor deve justificar a exatidão e a pertinência de seu modelo e fornecer, se possível, uma validação semântica e sintática. Finalmente, na fase de institucionalização, o professor fixa, convencional e explicitamente, o estatuto cognitivo do saber. Uma vez construído e validado, o novo conhecimento vai fazer parte do patrimônio da classe. Depois da institucionalização feita pelo professor, o saber torna-se disponível para sua utilização na resolução de problemas matemáticos.

Nos momentos destinados a uma reflexão sobre a prática, as discussões no grupo pesquisado voltaram-se a um aspecto essencial do contrato didático, isto é, à devolução que, segundo Brousseau (1997, p.41, tradução nossa), “é o ato pelo qual o professor faz o aluno aceitar a responsabilidade por uma situação de aprendizagem ou de um problema e aceita, ele próprio, as consequências dessa transferência”.

Nossa pesquisa visa, principalmente, ao estudo do processo de ensino focado nas atividades do professor, por meio da criação de condições que provoquem a aquisição de conhecimentos matemáticos pelos alunos. Para alcançar esse propósito, apoiamo-nos em Margolinas (2002) que propôs um modelo de níveis de atividade do professor, os quais apresentamos a seguir.

- O nível (+3) mais geral do modelo, chamado de nível noosferiano ou nível ideológico, caracteriza a atividade do professor que reflete de forma muito ampla sobre o ensino de Matemática. Nesse nível, ocorrem discussões sobre os documentos curriculares e o papel dos conteúdos matemáticos no contexto do ensino em geral.

- O nível (+2) é o da construção, a atividade do professor é concebida em grandes linhas de ensino sobre um tema. O professor constrói ou escolhe uma série de situações fundamentais, com o objetivo de analisar as variáveis didáticas envolvidas e os valores dessas variáveis, e também, o repertório de conhecimentos a serem mobilizados pelos alunos durante a experimentação.

- O nível (+1) é o do planejamento, caracterizado pela atividade do professor, que é determinada pelo cenário de uma lição. Nível em que é construída ou escolhida uma sequência de situações em que se levam em

- O nível (0), também chamado de nível didático, caracterizado pela ação do professor na classe. Esse é o nível em que professores e alunos interagem, de fato.

- O nível (-1) de observação é caracterizado pela devolução ou pela observação das atividades dos alunos.

Segundo Margolinas (2002), o professor toma decisões em todos os níveis de sua atividade, mas também pode transformar seus pontos de vista em uma atividade reflexiva, isto é, o professor aprende durante sua atividade profissional. Um dos objetivos de nossa investigação é estudar como essa transformação afeta os processos de ensino e de aprendizagem.

Baseada nas pesquisas de Brousseau, Margolinas propôs a estruturação do milieu que possibilita duas análises: a descendente, caracterizada pela atividade do professor (descrita anteriormente) e a ascendente, caracterizada pela atividade do aluno.

Quadro 7. Estruturação do milieu

M+3:

M- construção P+3: noosferiano P S+3: noosferiana Situação

Nív ei s sob re - di dáti cos M+2: M- planejamento P+2: P

construtor S+2: Situação de construção M+1: M-didático E+1: Aluno

reflexivo P+1: planejando P S+1: situação de planejamento

M0; M-

aprendizagem E0: Aluno P0: Professor S0: Situação Didática

M-1: M-

referência E-1: aprendendo Aluno P-1: observador P- S-1: adidática Situação de aprendizagem S itua ção sub - di dáti ca M-2: M- Objetivo E-2: Aluno em ação S-2: Situação de referência M-3: M- material E-3: Aluno objetivo S-3: Situação objetiva Fonte: Margolinas (2004, p. 52)

Nessa estruturação do milieu, observamos as posições relativas do

milieu (M), do aluno (E) e do professor (P). Observamos, ainda, que a situação

didática S0 é composta pela interação entre M0, E0 e P0.

Com o objetivo de observar o papel do professor e as posições do aluno numa situação de ensino e aprendizagem, analisamos, a seguir, a situação-

problema exposta no Exemplo 1, segundo a estruturação do milieu, de acordo com Margolinas (2004).

Exemplo 1: Construa a figura simétrica ao segmento AB com relação à reta r.

Em seguida descreva a construção.

Figura 31. Exemplo ilustrativo da estruturação do milieu, segundo Margolinas (2004).

Fonte: Elaboração da autora

O objetivo da situação-problema é propor ao aluno a construção do segmento simétrico, observando propriedades como ortogonalidade e equidistância com relação ao eixo de simetria r.

A situação objetiva ou material S-3

É uma situação que, segundo Margolinas (2002), não está finalizada, na qual o milieu material (M-3) é formado pelos seguintes objetos: simetria ortogonal (reflexão), construções geométricas, mediatriz de um segmento, distância entre ponto e reta que são os objetos mínimos disponíveis para que E-3 possa iniciar a construção da figura simétrica com relação à reta r.

Por outro lado, os conhecimentos que permitirão a E-3 interagir com o

milieu M-3 são: a definição de transformação geométrica, a noção de simetria

ortogonal (reflexão), o domínio de instrumentos de desenho na construção de retas perpendiculares dados um ponto e uma reta, construção de pontos simétricos e as propriedades relativas à simetria ortogonal.

Na situação S-3, a figura simétrica ao segmento AB com relação à reta

Figura 32. Construção intuitiva do segmento simétrico

Fonte: Elaboração da autora

A situação de referência S-2

Na situação S-2, uma finalidade do problema é introduzida; assim S-2 é uma situação de referência em que o aluno E-2 está agindo. O milieu M-2 compreende a situação S-3 que, às vezes, de acordo com Margolinas (2004), é o objeto da ação de E-2 e fonte da retroação. Sendo assim, o aluno E-2 utiliza- -se das propriedades de simetria ortogonal (ortogonalidade e equidistância entre pontos da figura e o eixo de simetria, etc.) como estratégia na construção por meio de instrumentos de desenho dos pontos simétricos a A e B com relação à reta r.

Figura 33. Desenho de pontos simétricos a A e B

Fonte: Elaboração da autora

O milieu M-1 é formado a partir da afirmação “a figura simétrica do segmento AB é a figura formada pelos simétricos de seus pontos”.

A situação adidática de aprendizagem S-1

A situação S-1 é uma situação de aprendizagem que compreende os componentes de antecipação, de formulação e validação. O milieu M-1 é formado pelos pontos simétricos dos pontos A e B da figura objeto. O aluno, por meio da construção de pontos, deve buscar justificar matematicamente a construção do segmento A'B', por meio da definição de simetria ortogonal e de suas propriedades.

Figura 34. Construção do segmento A' B'

Fonte: Eelaboração da autora

A simetria ortogonal transforma o segmento AB em um segmento '

B

A' de mesmo comprimento.

A situação didática S0

Na situação S0, encontram-se as intenções de ensinar do professor P0 e de aprender do aluno E0; num contrato didático, nas fases de institucionalização e conclusão, são reunidos e atualizados os pontos de vista de alunos e professor. Nesse nível, o aluno busca justificativas matemáticas para a construção da figura simétrica, e o professor P0 intervém com o objetivo de institucionalizar. A institucionalização poderá ser feita, dependendo do ano escolar, por meio de uma demonstração (como a proposta na seção 4.2) ou da verificação de propriedades por intermédio de instrumentos de medida. O aluno E0 elabora numa conjectura o que aprendeu na situação S-1 e o professor P0 intervém para fazer a seguinte institucionalização: “A simetria ortogonal

transforma o segmento AB em um segmento A'B' de mesmo comprimento,

porém com a orientação invertida”. Em resumo, apresentamos o quadro 8.

Quadro 8. Estruturação do milieu ascendente para o exemplo ilustrativo

Milieu Aluno Professor Situação Fases de

aprendizagem

M0;

M-aprendizagem E0: Aluno

P0: Professor agindo. S0: Situação didática. A visão de alunos e professores produzindo um saber sobre o conceito de simetria ortogonal Institucionalização M-1: M-referência Busca nas propriedades da simetria ortogonal de argumentos justificativos E-1: Aluno justificando e validando conjecturas a respeito da figura simétrica P-1: Professor observando as estratégias dos alunos ou fazendo a devolução do problema. S-1: Situação adidática de aprendizagem. Construção da figura simétrica. Validação M-2: M-Objetivo. Formado pelo milieu M-3 e a situação S-3 E-2: Aluno em ação - propostas de conjecturas S-2: Situação de referência. Construção de pontos simétricos da figura Formulação M-3: M-material Formado pelos conhecimentos geométricos e a experiência de vida dos sujeitos.

E-3: Aluno objetivo S-3: Situação objetiva. Construção da figura simétrica de forma global Antecipação/ação

Fonte: Elaborado pela autora, baseando-se em Margolinas (2004)

Na próxima seção, apresentaremos o quadro dos paradigmas geométricos, segundo Parzysz (2001,2006), cuja referência são os trabalhos de Van Hiele e Houdemont e Kuzniak.