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GLOBALIZATION AND INTERNATIONAL DEMOCRACY: A CRITICAL APPROACH

RELAÇÕES INTERNACIONAIS: GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E

GLOBALIZATION AND INTERNATIONAL DEMOCRACY: A CRITICAL APPROACH

Matheus Silveira GUIMARÃES321

Antonio Philipe de Moura PEREIRA322

Resumo

Nos últimos trinta anos, a temática da globalização tem se colocado na pauta das discussões das ciências sociais. Todas as suas características e conseqüências políticas, econômicas e culturais são alvos de inúme- ras pesquisas. O presente trabalho pretende fazer uma abordagem das principais teorias e debates acerca da globalização, sobretudo nos seus aspetos políticos, a partir de do pensamento de Norberto Bobbio sobre o tema. Este artigo aborda as conseqüências da globalização sobre o Es- tado nacional - em especial a polêmica sobre o seu fim. A partir disso, se estabelece um paralelo entre a globalização e a proposta de democra- cia internacional, analisando as novas configurações do Estado-nação no processo de expansão da globalização. O ensaio se propõe também a analisar em que medida a internacionalização da idéia de democracia se apresenta como legitimadora do processo da globalização.

321 Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba

(UEPB) e em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

322 Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e bolsis-

Palavras-chave: Globalização. Democracia Internacional. Estado Na- cional.

Abstract

In the last thirty years, the theme of globalization has been placed on the agenda of the social sciences. All its characteristics and its political, economic and cultural consequences are target of several studies. This work intends to approach the main theories and debates about globaliza- tion, especially in its political aspects, starting from Norberto Bobbio’s thought on the subject. This article discusses the consequences of globa- lization on the nation-state, especially the controversy over its end. From this, it draws a parallel between globalization and the proposal of inter- national democracy, analyzing the new configurations of nation-state in the process of expansion of globalization. The essay also proposes to examine to what extent the internationalization of the idea of democracy present itself as legitimizing the process of globalization.

Keywords: Globalization. International democracy. National State.

Introdução

O Estado é um advento tipicamente moderno. Apesar de ter seu embrião em períodos antigos, só chegou ao seu pleno desenvolvimento na modernidade, quando sua formação foi social e economicamente vi- ável. Isto se deu em uma fase de ascensão e fortalecimento de uma nova classe, a burguesia, e de mudança na formação econômica da Europa, do

sistema feudal para as relações mercantis. Os Estados Nacionais surgem com o apoio da burguesia, como aparato burocrático necessário para fa- cilitar as relações comerciais e dar apoio a tal classe emergente.

Os últimos anos do século XX, porém, apresentaram mudanças fortes no aspecto econômico mundial. O capitalismo continua em desta- que, mas em uma nova faceta: o neoliberalismo. As características dessa nova face têm colocado em xeque a instituição que tanto favoreceu os interesses do próprio capitalismo até então. O Estado Nacional passa a ter seu fim cogitado.

Em uma realidade que não estabelece fronteiras para as relações econômicas, na qual se alega que as culturas tornam-se cada vez mais próximas umas das outras, parece surgir uma única alternativa para as nações: a aplicação da Democracia em nível internacional e o reforço das relações econômicas neoliberais. Estes processos estabeleceriam um “fim da História”. Assim sendo, estaria a função do Estado ameaçada?

O mundo parece estar mais estreito, os mercados são alvos da desregulação e correm muito mais livres, aproximando cada vez mais os países e permeando as fronteiras. Os meios de comunicação são capazes de ligar o globo inteiro em alguns segundos. As culturas parecem ter entrado em um processo de hibridização e, politicamente, o planeta não parece enxergar alternativa à democracia liberal.

Estas são apenas algumas das discussões e ideias existentes acer- ca do fenômeno denominado de globalização que está em pauta nos úl- timos anos. Tal debate não se vê desvinculado da concepção sobre o Estado nacional e qual a sua importância, pois: “A sociedade nacional sempre esteve desafiada também por relações externas, exteriores ou in- ternacionais, de cunho social, político, militar, geopolítico, cultural ou outro. Essa é uma constante na história das nações” (IANNI, 1999, p.83).

Com a globalização, especialmente após o fim da Guerra Fria, muito, de fato, parece ter mudado na estrutura produtiva, nas finanças, na tecnologia, na mídia, e, inegavelmente, no sistema político internacional. Do mesmo modo, nas últimas décadas, diversos países do Leste e do Sul adotaram constituições democráticas, de modo que a democracia tem se consolidado como forma de governo para boa parte dos Estados.

Existindo uma realidade sofrendo mudanças, mesmo que estas não sejam irreversíveis ou carbonárias, “we cannot move back to a tradi-

tional terrain of struggle when history has moved on” (MUNCK, 2002).

Archibugi (2005), entretanto, remarca que a expansão da democracia como modo de governança global, um desenvolvimento adicional espe- rado em sequência, não ocorreu.

A democracia, apesar suas variações e transformações no trans- correr da história e do pensamento político, tem preservado certos va- lores. No contexto de transformações mundiais – condensadas por ve- zes no abrangente conceito de globalização –, como pode a democracia conservar seus valores centrais e não se tornar anacrônica ou obsoleta, adaptando-se, pois, à [dita] nova realidade? O que se deve esperar da relação entre democracia e globalização? Quais as consequências dessa relação para o Estado?

Diante do exposto, o presente trabalho pretende abordar de ma- neira um pouco mais detalhada algumas discussões conceituais sobre o Estado. Objetiva-se apresentar as principais teorias acerca da globalização e democracia internacional, ressaltando quais suas implicações no papel do Estado Nacional, procurando perceber o que está por trás de tais discursos.

Considerações sobre o Estado

A filosofia política é a responsável por abstrações acerca da essên- cia da categoria do político e dos fundamentos do Estado ou poder (BOB- BIO, 2000; 2001). Como ele mesmo não se via como filósofo323, ao menos

no sentido estrito da palavra, é natural que em seus escritos não se encontre uma teoria específica acerca do Estado. A maioria de suas obras dedica- das a este tema consiste, na verdade, em algumas observações feitas em relação a filósofos que já pensaram a temática. Todavia, a partir de alguns destes ensaios, detemo-nos em determinadas discussões sobre o Estado.

Discutir acerca do Estado é decerto bastante complexo. Assim como os outros conceitos trabalhados no artigo (“Globalização” e “Democracia Internacional”), o Estado pode ser visto a partir de várias perspectivas, cada uma originando um conceito distinto. Bobbio, ao apresentar algumas consi- derações acerca da supracitada instituição, admite sua complexidade

Mais do que em seu desenvolvimento histórico, o Estado é estudado em si mesmo, em suas estruturas, função, elementos constitutivos, me- canismos, órgãos etc., como um sistema complexo considerado em si mesmo e nas relações com os demais sistemas contíguos (BOBBIO, 2004, p. 55).

No ensaio “Estado, Governo e Sociedade” (2001), o pensador ita- liano apresenta as várias maneiras pelas quais é possível estudar a insti- tuição do Estado. De um ponto de vista sociológico ou jurídico ou através da história do direito, por exemplo.

323 “Nunca me considerei um filósofo no sentido tradicional da palavra, mesmo tendo en-

sinado durante muitos anos duas disciplinas filosóficas, a filosofia do direito e a filosofia da política, mas uma e outra, da maneira como eu as compreendi, tem pouco a ver, no meu entendimento com Filosofia com letra maiúscula” (BOBBIO apud BOVERO, 2000).

Do ponto de vista histórico, pode-se perceber, como afirma Pie- rangelo Schiera, no seu verbete sobre o Estado Moderno no Dicionário de Política (1999), que

[a] história do surgimento do Estado Moderno é a história desta tensão: do sistema policêntrico e complexo dos senhorios de origem feudal se chega ao Estado territorial concentrado e unitário através da chamada racionalização da gestão do poder e da própria organização política im- posta pela evolução das condições histórica materiais (BOBBIO; MAT- TEUCCI; PASQUINO, 1999, p.426).

Fica nítido pela citação acima que o Estado é de fato uma cons- trução histórica324. Condições materiais permitiram e até tornaram neces-

sária o seu surgimento. Assim sendo, alguns teóricos afirmam ser mais que natural que a instituição estatal perca suas funções e chegue ao fim, ou, ao menos, passe por um processo de reconfiguração, enxugando-se.

Para facilitar a discussão em meio a toda esta complexidade con- ceitual, vamos partir da perspectiva weberiana do Estado.

O Estado é aquela comunidade humana que, dentro de determinado território – este, o “território”, faz parte da qualidade característica –, reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima, pois o específico da atualidade é que a todas as demais associações ou pes- soas individuais somente se atribui o direito de exercer coação física na medida em que o Estado o permita. Este é considerado a púnica fonte do “direito” de exercer coação (WEBER, 1999, p. 525-526)

Além desta citação, na qual o sociólogo alemão enfatiza a im-

324 Na visão dos teóricos pós-modernos (em DEVETAK, 1996), o Estado soberano não

pode ser uma forma natural; a soberania está fundida em algumas interpretações histó- ricas normalizadas do Estado, e essa fusão é condicionada pelas práticas históricas que atuam na produção de uma identidade política.

portância da coação física e do território como características do Estado, na mesma obra clássica, Economia e Sociedade (1999), Weber expõe a fator da população e do funcionalismo especializado, a burocracia, como características fundamentais da mesma instituição moderna.

Dessa forma, podemos perceber que os principais preceitos do Estado têm sido posto em xeque. A globalização apresenta-se, então, como o fenômeno mais expressivo que tem promovido essa alteração na estrutura do Estado. Diante disso, qual a participação da globalização neste processo de reconfiguração estatal? Qual será o futuro do Estado? Visões Globais

A transição da década de 1970 para a de 1980, período que Ho- bsbawm chamou “Décadas de Crise” (HOBSBAWM, 1995), foi carac- terizada por mais uma das várias crises vividas pelo capitalismo. O pe- tróleo atingia preços exorbitantes, desestabilizando toda a economia na conhecida crise do petróleo que já estava no seu segundo momento. A América Latina não conseguia mais sanar seus compromissos graças aos altos juros assumidos e entrava na chamada “crise da dívida”. O sistema de Bretton Woods não conseguia mais atender aos interesses da nova realidade econômica e o padrão dólar-ouro chegava ao fim. À luz deste novo contexto econômico, deu-se início a uma nova fase do capitalismo. A “Era de ouro” das ideias keynesianas chegava ao fim.

O mercado precisava de uma nova dinâmica. O capital necessita- va ir além das fronteiras, sem nenhuma instituição que o regulasse, sem nenhuma barreira ao seu alcance. Foram criados mecanismos que fariam o capital, assim, circular sem problemas. Os Estados e os governos come- çaram a se mostrar “ineficientes” e serem obstáculos ao desenvolvimento

econômico 325. Empresas assumiram caráter multinacional, atuando em to-

das as partes do planeta e o trabalho tornou-se flexível e no jogo concor- rencial, o aparato técnico-científico desenvolveu-se consideravelmente326.

Assim sendo, a realidade, sob vários aspectos, mudava – assim como vem mudando. Os cientistas sociais, ansiosos diante deste contex- to, propõem teorias e tentam estabelecer conceitos para compreender a nova configuração da realidade mundial. A globalização põe-se como conceito-chave para explicar tal realidade. Defini-la, no entanto, é um trabalho árduo, tendo em vista as várias perspectivas encontradas sobre a mesma temática. A conceituação de Giddens sobre Globalização é bas- tante simples, geral e serve como ponto de partida para analisarmos ou- tros pontos de vista.

A globalização pode assim ser definida como a intensificação das rela- ções sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorren- do a muitas milhas de distância e vice-versa (GIDDENS, 1991, p.69). O autor percebe o fenômeno da globalização como uma relação entre espaço e tempo marcada por uma redução das distâncias em um período temporal pequeno. Em outras palavras, a humanidade se torna mais próxima, o tempo mais rápido e o espaço mais curto. Outros auto- res, todavia, enfatizam na globalização seu caráter econômico, enquanto outros dão um enfoque mais cultural ao fenômeno global e alguns ainda

325 Assim afirmou o presidente estadunidense Ronald Reagan: “o governo não era a

solução, mas o problema” (apud HOBSBAWM, 1995, p.401).

326 Todas essas características de liberalização econômica eram defendidas desde a dé-

cada de 1950 pela corrente neoliberal da economia política, que ganha muita força e adeptos nesse período. Ronald Reagan, nos EUA, e Margareth Thatcher, na Grã-Breta- nha, foram os primeiros chefes de Estado a adotarem tais medidas, que vão se difundir globalmente, implicando em uma série de mudanças no cenário internacional.

tentam perceber este a partir de uma visão política.

Além da perspectiva do “Sistema-mundo”327 proposta por Wal-

lerstein, podemos interpretar as atuais relações econômicas do ponto de vista da Economia global discutida por Castells, que seria “uma econo- mia com capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real, em escala planetária” (CASTELLS, 2007, p.142).

Desta forma, a globalização seria um fenômeno recente, possibili- tado pela utilização de aparatos técnico-científicos que permitissem uma maior interação global – uma espécie de “sociedade em rede”. No mun- do globalizado, assim, o que importa é o suporte da informação. O poder encontra-se naqueles que a detém. Esta revolução informacional é reflexo da nova dinâmica econômica e ao mesmo tempo usufrui de tal, ou seja,

A produtividade e a competitividade na produção informacional ba- seiam-se na geração de conhecimento e no processamento de dados. A geração de conhecimentos e a capacidade tecnológica são as ferramen- tas fundamentais para a concorrência entre empresas, organizações de todos os tipos e, por fim, países. (CASTELLS, 2007, p.165).

Contudo, não podemos separar analiticamente as consequências da globalização nos seus aspectos econômicos, sociais, políticos e cultu- rais como se fossem esferas isoladas. É neste sentido que a diminuição da

327 Esta teoria se concentra na compreensão do mundo especialmente a partir do estudo do

capitalismo. A globalização seria um processo que se inicia com o desenvolvimento de tal sistema, mesmo que de forma sutil, como o mercantilismo. Logo, a globalização tem seu início com a modernidade, com as grandes navegações que atingiram todo o mundo, por volta do século XVI. Para tal vertente, o mundo divide-se basicamente em três grupos, em uma espécie de Divisão Internacional do Trabalho: o centro, a semiperiferia e a periferia. Os pensadores do sistema-mundo não excluem a ideia do Estado-Nação, mas o admitem abalado pelas interdependências da economia mundial. Assim, o “capitalismo, enquanto modo de produção e processo civilizatório, cria e recria o Estado-nação, assim como o princípio da soberania que define a sua essência” (IANNI, 2004, p. 41).