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PRISION IN BRAZIL: THE PERPETUATION OF PUNHISMENTS

SEGURANÇA PÚBLICA E CIDADANIA

PRISION IN BRAZIL: THE PERPETUATION OF PUNHISMENTS

Ana Cristin Madruga ESTRELA260

Mazukyevicz Ramon S. do N. SILVA261

Resumo

As deficiências nos métodos punitivos atuais nos obrigam a analisar os discursos contrários à pena de prisão, sobretudo no que diz respeito à sua execução no Brasil, que despensa/dispensa? aos prisioneiros um tratamento deletério. A praxe penitenciária brasileira revela ser um gra- ve atentado à dignidade humana, que se opõe à idéia kantiana de que a humanidade estaria alcançando a máxima expressão de sua consciência moral, retomada por Bobbio em A era dos direitos. Nessa perspectiva, o presente trabalho discute o sistema prisional no Brasil considerado como um espaço de suplícios contemporâneos, contrário à teoria e a prática dos direitos humanos.

Palavras-chave: Prisão. Dignidade Humana. Direitos Humanos. Suplícios

260 Advogada. Membro da Comissão de Legislação, Doutrina e Jurisprudência da OAB/

PB. Especializanda em Direito Processual Civil pela UCDB;

261 Agente de Segurança Penitenciária do Estado da Paraíba. Especializando em Segu-

rança Pública e Direitos Humanos NCDH/MJ/UFPB. Mestrando em Direitos Humanos UFPB. Professor da Escola de Gestão Penitenciária do Rio Grande do Norte.

Abstract

The deficiencies of current punitive methods require to analyze arguments against the penalty of imprisonment, especially with regard to its imple- mentation in Brazil, that gives to prisoners the most deleterious treat- ment. The Brazilian penitentiary practice reveals to be a serious attack on human dignity, which opposes to the Kantian idea that humanity would be reaching the maximum expression of his conscience, that was taken up by Bobbie in The Age of Rights. From this perspective, this paper dis- cusses the prison system in Brazil, considered as a place of contemporary torments, contrary to the theory and the practice of human rights.

Keywords: Prison. Human Dignity. Human Rights. Punishments.

Introdução

O aumento irrefreável e a crescente violência atual é um fenôme- no complexo que vem fomentando debates nos mais diversos ramos das ciências sociais, cujas reflexões acabam por suscitar reformas e novas interpretações normativas.

A violência e a desigualdade social são fenômenos recorrentes no atual cenário mundial e nacional. No que diz respeito ao aumento da violência no Brasil, há uma discrepância entre a previsão da lei e dos acordos formais celebrados no país e a violenta realidade na qual se encontra uma prática social fulcrada nas desigualdades e na violação aos Direitos Humanos.

Desde 1948, data do estabelecimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, vivemos a era dos direitos onde ocorreu o que se pode

chamar de universalização dos direitos individuais. No entanto, apesar da criação de um documento que garanta a defesa dos direitos em sentido am- plo, encontramos violações aos direitos humanos de maneira generalizada.

No caso da segurança pública deparamo-nos com gritantes viola- ções, em especial no sistema carcerário onde se vislumbra que, no cum- primento de sua condenação os presos não perdem apenas o direito à liberdade, como também o direito à dignidade e ao respeito à sua con- dição humana, devido à falta de estrutura carcerária, bem como outros problemas que serão abordados mais adiante.

O reconhecimento de que a criminalidade é um fenômeno ine- rente à convivência em sociedade é crucial para que as autoridades e os operadores do sistema dimensionem adequadamente as possibilidades e os limites do Estado. O atual Estado brasileiro, que se diz Estado Demo- crático de direito, deveria ser um Estado baseado na legalidade, que é a base do Estado de direito. Todavia, surge um descompasso entre a nor- matização estatal e as práticas que deveriam estar fundamentadas nelas.

262 Na prática, esse Estado não consegue realizar a sua verdadeira função

social e continua operando em cima dos conflitos interindividuais (os quais marcam o Estado liberal), que mantém a propriedade privada como o símbolo da conquista democrática.263

O tema proposto neste ensaio se refere a um assunto delicado, qual seja, a discussão sobre o suplício inserido dentro do sistema carcerá- rio brasileiro, discussão essa que desperta grande polêmica na sociedade por envolver questões como a abordagem dos presos feita pelos policiais dentro das penitenciárias, o tratamento dado pelas autoridades bem como

262 FERRAJOLI, Luigi: Derecho y Razón – Teoría del Garantismo Penal. Madrid:

Trotta, 1998 p. 851.

263 BELOV, Graça. A dimensão política do Direito Penal in Diálogos com a Cidada-

a desordem dos processos de execuções penais onde na maioria dos casos o que ocorre é a permanência do apenado na prisão por mais tempo do que o delimitado na sentença.

A violência causa uma sensação de insegurança coletiva a qual fomenta as concepções essencialmente retributivas da punição e legitima as violações institucionais em nome da lei e da ordem.

Parte da sociedade, aturdida com o avanço espantoso da violên- cia, chega ao ponto de defender a já polêmica pena de morte sob o argu- mento de que seria uma boa solução por diminuir o número de presos e surgir como uma medida capaz de trazer um temor maior aos criminosos ao ponto de recearem por sua vida enquanto a sociedade sentiria a im- pressão de que reagiu na mesma medida ao apenar o condenado com o mesmo crime que ele cometeu.

Porém, apesar de não existir a pena de morte no Brasil, exceto em caso de guerra declarada, o que se percebe dentro das penitenciárias é o tratamento desumano dado ao preso. Tal tratamento advém sobretudo do desejo de vingança e não de punição do preso. Percebe-se que a socieda- de em sua maioria não deseja que o preso seja tratado com humanidade e sim, com tortura e humilhação, como se a restrição à liberdade não equivalesse à sensação de ser feita justiça pelo crime praticado e com esse pensamento algumas pessoas, especialmente os que trabalham com os presos, tentam justificar o tratamento deletério aplicado aos apenados. A era dos suplícios

O século XIII europeu inaugura uma nova era nas relações de poder entre os homens. É aí que surge a forma-estado que, assumindo o conflito das questões vinculadas à ordem, à violência e aos conflitos, estabelece

uma nova atitude na busca pela verdade, a saber, o método inquisitivo, com todas as suas implicações, dentre as quais, o recurso aos suplícios.

A definição de penas e tratamentos desumanos e atrozes foi dis- torcida ao longo dos anos devido às mudanças na legislação e a evolução jurisprudencial sobre o tema. Comportamentos e diversas manifestações de tortura que no início do século XX eram consideradas legítimas fo- ram, paulatinamente, perdendo esta característica.

Acerca da idéia dos suplícios, fazemos citação à mesma questão com a qual Foucault aludiu: “... afinal, o que é um suplício?”. A resposta, nas palavras do autor, é a de que suplício significa uma “Pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz (...) é um fenômeno inexplicável a exten- são da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade”.264

Uma pena, para ser um suplício, deve obedecer a três critérios princi- pais: em primeiro lugar, produzir uma certa quantidade de sofrimento que se possa, se não medir exatamente, ao menos, apreciar, comparar e hierarquizar; [...] o suplício faz parte de um ritual. É um elemento na liturgia punitiva, e que obedece a duas exigências. Em relação à vítima, ele deve ser marcante: destina-se a [...] tornar infame aquele que é a vítima. [...] E pelo lado da justiça que o impõe, o suplício deve ser os- tentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como seu triunfo. 265

Desde o surgimento da humanidade encontramos exemplos de punições aplicadas para aqueles que infringem as normas estabelecidas. No primeiro livro da Bíblia, Gênesis (3, 14-19), pode-se encontrar o pri- meiro exemplo de punição surgido no mundo, qual seja, o castigo que o Criador estabeleceu para Adão e Eva quando comeram do fruto proibido e foram condenados a serem expulsos do Paraíso.

264 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Vozes. 25ª Edição. Petrópolis. 2002. p.31 265 FOUCAULT. Ibid. p. 32-33.

A punição então surge como uma reação natural de desejo de fazer justiça penalizando aquele que cometeu algum ilícito. No entanto, é preciso diferenciar punição do desejo de se vingar que advém a era dos suplícios.

O suplício, até a metade do século XVIII, época marcada pelo iní- cio da Revolução Industrial, era considerado a principal sanção a ser apli- cada a todos aqueles considerados culpados. A punição transformava-se num espetáculo onde o corpo do condenado era o foco central da pena. A punição aplicada pela inquisição se tornou o maior show de horrores já visto onde o domínio sobre o corpo do condenado passa a ser o principal castigo a ser aplicado.

No Livro das Sentenças da Inquisição (Liber Sententiarum In-

quisitionis), uma espécie de “manual do inquisidor”, onde era ensinado

como obter confissões de suspeitos266, o padre dominicano Bernardo Guy

descreveu vários métodos para obter confissões dos acusados, inclusive pelo enfraquecimento das forças físicas do prisioneiro. Dentre os princi- pais métodos, encontram-se a tortura física através de aparelhos, como a Virgem de Ferro e a Roda do Despedaçamento; através de humilhação pública, como as Máscaras do Escárnio, além de torturas psicológicas como obrigar a vítima a ingerir urina e excrementos. 267

De regra, as execuções eram realizadas em praças públicas e tor- navam-se um evento onde nobres e plebeus contemplavam com admira- ção a súplica das torturas e, conseqüentemente, a execução das vítimas.

Desaparece, destarte, em meados do século XIX o grande espetá- culo da punição física onde é excluída do castigo a encenação da dor.268

266 Enciclopédia Barsa. Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica Editores Ltda., 1964.

v. 8, p. 30

267 GUIDONIS, Bernardus; Mollat, G.; Drioux, G., Paris : Librairie Ancienne Honoré

Champion, 1926. 2v.

268 FOUCAULT. Ibid. p. 16.

O rito odioso pelo qual a pena estava agregada foi desapare- cendo do contexto social e passou a dar lugar à atividade meramente administrativa do Estado.

Esse novo período, que teve como expoente a obra “Dos delitos e das penas”, do Marquês de Beccaria269, ocorreu a partir da propagação de

um caráter humanista nascido na França o qual provocou uma mudança de valores na sociedade, incorporada pela tradição jurídica.

Hoje, depois de mais de 200 anos de extinção da era dos suplícios, percebemos que dentro do sistema carcerário brasileiro o ambiente ainda retoma o horror vivido à época da inquisição, onde ainda nos deparamos com cenas chocantes vividas por condenados que sofrem tratamento ti- picamente degradante e imoral. Essa evidência nos faz questionar se não seria o ambiente prisional da atualidade, em especial o brasileiro, uma espécie de suplício.

A era dos direitos

O Direito Penal é, por sua natureza, preventivo trazendo normas acusadoras em vários campos do direito como, por exemplo, o Estatuto da Criança e o Código do Consumidor. Sendo assim, a sanção penal é considerada, para alguns legisladores, como indispensável para a solução de todos os conflitos sociais.270

O princípio da humanidade das penas, na lição de Jescheck, cita- do por Luís Flávio Gomes, impõe que:

269 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas. Ed Martin Claret. São Paulo. 2002 270 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. Editora Revista dos Tribunais. São

Todas as relações humanas que o Direito Penal faz surgir no mais amplo sentido se regulem sobre a base de uma vinculação recíproca, de uma responsabilidade social frente ao delinqüente, de uma livre disposição à ajuda e assistência sociais e de uma decidida vontade de recuperação do condenado... dentro dessas fronteiras, impostas pela natureza de sua missão, todas as relações humanas reguladas pelo Direito Penal devem estar presididas pelo princípio da humanidade.271

Neste sentido, pode-se afirmar que o princípio da humanização ou humanidade das penas encontra fundamento em um dos objetivos da execução penal que é a ressocialização.272

O mesmo entendimento é observado por Franco273 ao observar que

o princípio da humanidade da pena implica, não apenas na proposta nega- tiva caracterizadora de proibições, mas também, na proposta positiva, de respeito à dignidade da pessoa humana, embora presa ou condenada.

Desta feita, nenhuma pena privativa de liberdade pode atentar contra a dignidade da pessoa humana, devendo também objetivar a res- socialização do condenado.

No entanto, a pena privativa de liberdade como sanção principal e de aplicação genérica tornou-se fracassada.274 A lotação das cadeias que

em sua maioria abrigam apenados de baixa renda, bem como a corrupção que se forma em seu interior demonstra o caráter corrompido a que se propõe a aplicação da pena privativa de liberdade.

271 Tratado de Derecho Penal, v. I, apud GOMES, Luís Flávio. Penas e Medidas Alter-

nativas à Prisão. São Paulo: RT, 1999, p. 67

272 NOGUEIRA, Danielle Christine Barros. O princípio da humanidade da pena. Dis-

ponível em http://www.lfg.com.br. 07 de novembro de 2009.

273 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 5ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005.

274 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – causas e alternati-

vas. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993. p 352.

Nesse sentido, pode-se afirmar que:

Para serem eficazes, as instituições e práticas repressivas devem impor, a quem ousa violar a ordem constituída, condições de existências piores do que as garantidas a quem se submeter a ela. Numa economia capitalista, isso significa que será a condição do proletariado marginal que determi- nará os rumos da política criminal e, por conseguinte, o regime de “sofri- mento legal” imposto àqueles que foram punidos por desrespeito às leis275

Sendo assim, justifica-se de certa forma o tratamento desumano imputado aos presos haja vista que há interesse de parte da sociedade de que o preso viva em situação de miséria, o que faz com que qualquer pre- tensão em transformar o ambiente carcerário em um espaço mais digno para um ser humano seja rechaçado. Ora, a pena privativa de liberdade foi inserida no nosso sistema jurídico com a finalidade intimidativa, no entanto é justo de dizer que ela não repara qualquer dano causado à so- ciedade haja vista que não afasta o apenado do convívio com o crime que é generalizado no ambiente prisional.

Esse é o entendimento de Zaffaroni que ao conceituar prisão afirma que:

A prisão ou cadeia é uma instituição que se comporta como uma ver- dadeira máquina deteriorante; gera uma patologia cuja principal carac- terística é a regressão. O preso ou prisioneiro é levado a condições de vida que nada tem a ver com as de adulto; se priva de tudo que usu- almente faz o adulto ou que conhece. Por outro lado, se lesiona sua auto-estima de todas as formas imagináveis: perde a privacidade e seu próprio espaço, submetendo a tratamentos degradantes.276

275 GIORGI, Alessandro de. A Miséria Governada Através do Sistema Penal. Rio de

Janeiro. Revan 2006.p. 39.

276 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimi-

O preso no Brasil é acometido por um intenso processo de exclu- são social que representa um grave atentado à dignidade humana, produ- zindo no indivíduo um sentimento de abandono, estimulando condutas delinqüentes. Isto posto, as ações voltadas à ressocialização do indivíduo preso, dentre as quais podemos citar como exemplo a assistência educa- cional, na medida em que tenta resgatar a importância do indivíduo para o Estado, e possibilitar a diminuição da violência reincidente.

Antônio García-Pablos de Molina, afirma que prevenir significa intervir na etiologia do problema criminal, neutralizando suas causas, devendo-se desenvolver programas de médio e longo prazos, e a preven- ção deve ser contemplada como social e comunitária, pela constatação de que o crime é um fenômeno social.277

A cessação da periculosidade criminal não pode ser considerada utopia visto que, na maioria dos casos o delinqüente é corrigível, é educá- vel, quer moralmente, quer tecnicamente. O problema final da adaptação na execução da sanção tem em vista a cessação da periculosidade crimi- nal, e, portanto, a colocação em liberdade do condenado.278

Os direitos humanos do indivíduo preso

Os Direitos humanos tal qual aceitamos hoje surgiram de um ex- tenso processo de conquistas históricas, construídos a partir de uma assi- milação coletiva da necessidade de se salvaguardar a todos o direito a uma vida digna. Fundamentam-se numa concepção jus naturalista, significando

de Janeiro:Revan, 1991.

277 MOLINA, García Pablos Antônio/ GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. São Paulo,

1997, p.337-338

278 FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal. Bookseller Editora, 2ª Ed. Cam-

pinas/SP.2003. P. 349.

aqueles direitos básicos, inerentes à pessoa humana sem qualquer distin- ção, sem os quais não se consegue existir ou participar plenamente da vida. Sendo assim, a condição humana do individuo preso é autêntica e manifesta. Ora, sendo os Direitos Humanos inerentes ao campo subje- tivo do homem, é preciso ter consciência de que as limitações impostas ao individuo infrator em decorrência da sanção penal não lhe tiram as necessidades básicas para o desenvolvimento de uma vida digna.

No Brasil, a prisão tem perdido não somente o caráter de ressocia- lização, mas até o seu caráter retributivo, na medida em que a impunida- de afasta a certeza da efetivação da pena, e não mais intimida, haja vista a crescente criminalidade e os altos índices de reincidência.

Igualmente, é difícil falar em caráter retributivo da prisão quando encontramos diariamente nas penitenciarias celas superlotadas, dificul- dade de acesso à educação, saúde e assistência social, não-separação dos presos por tipo de delito, falta de postos de trabalho, ausência de cursos profissionalizantes etc.

O art. 41 da LEP enuncia os direitos do preso. Os direitos humanos do preso estão previstos em vários documentos internacionais e nas Consti- tuições modernas. A Constituição Brasileira nada cita em seu contexto, so- mente o Código Penal, em seu art. 38 que reza: “Art. 38. O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.

Outros direitos similares a esse também estão previstos na Re- solução 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) no qual estão dispostas regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil.

O preso não só tem deveres a cumprir, mas é sujeito de direitos, que devem ser reconhecidos e amparados pelo Estado. O recluso não

está fora do direito, pois encontra-se numa relação jurídica em face do Estado, e exceto os direitos perdidos e limitados a sua condenação, sua condição jurídica é igual à das pessoas não condenadas. São direitos e deveres que derivam da sentença do condenado com relação a adminis- tração penitenciária.279

Pelo entendimento do criminalista Gresham Sykes, em seu livro “The society of captives; a study of a maximum security”, pode-se enu- merar as angustias sofridas pelo apenado ao adentrar no âmbito de uma penitenciaria, qual seja, a privação de liberdade é o primeiro sofrimento do preso; o segundo sofrimento é aquele no qual o preso está privado de todos os bons serviços que o “outro lado do mundo” oferece, o que poderia reeducá-lo naturalmente; o terceiro e maior sofrimento está na abstenção de relações heterossexuais; o quarto sofrimento é aquele em que o preso está submetido a regras institucionais designadas a controlar todo os seus movimentos; e o quinto e último sofrimento enumerado por Sykes é aquele causado pelo preso, ou seja, a cultura da prisão refletirá na cultura da sociedade, quando aquele levá-la consigo para fora do es- tabelecimento penal.

Prisão no Brasil: a perpetuação dos suplicios

O principal efeito decorrente do crescimento da criminalidade violenta é a disseminação de uma cultura do medo, consubstanciada pela sensação de insegurança e vulnerabilidade coletiva, capaz de moldar as dimensões da vida cotidiana, e que vem forçando a aparição de novos modelos de sociabilidade, a exemplo da proliferação de condomínios fe-

279 SYKES, Gresham, M. The society of captives; a study of a maximum security

prison. New Jersey, Princeton University Press. 1974.

chados, preferência dos indivíduos por hábitos diurnos em detrimento dos noturnos e superinflação da indústria da segurança privada.

Tal repercussão da violência urbana tem originado um outro fenô- meno: a insuportabilidade da população ante ao crime e o desejo urgente de combatê-lo a qualquer custo, e que, somados à baixa credibilidade das instituições de segurança pública e justiça junto à população, tendem a legitimar o que Wacquant apresenta como o paradoxo da penalidade neoliberal, em que se pretende remediar o “menos Estado econômico e social” com um “mais Estado policial e penitenciário”280. Esse “mais