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Glorificação Glorificação é a fase final da aplicação da redenção Ela é a

Glorificação é a fase final da aplicação da redenção. Ela é a fase que completa o processo que tem como ponto de partida a vocação eficaz. Deveras, ela é a completação de todo o processo de redenção. Pois a glorificação significa o cumprimento do pro­ pósito para o qual os eleitos de Deus foram predestinados segundo os desígnios eternos do Pai, e ela envolve a consumação da redenção garantida e adquirida pela obra vicária de Cristo. Porém, quando a glorificação terá lugar?

E aqui que precisamos avaliar o que a glorificação realmente significa e como ela se realizará. A glorificação não se refere à bem-aventurança que os espíritos dos crentes recebem na hora da morte. E verdade que os santos, com respeito aos seus espíritos desincorporados, são aperfeiçoados em santidade e entram imedia­ tamente na presença do Senhor Cristo. Ausentar-se do corpo é entrar na presença do Senhor (cf. II Co 5.8). O ato de entrar na presença de Cristo em seu estado de glória não pode consistir de qualquer contaminação de pecado — os espíritos dos santos fale­ cidos são os “espíritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12.23). O Breve Catecismo resume esta verdade quando diz: “As almas dos crentes, na hora da morte, são aperfeiçoadas em santidade, e imediatamente entram na glória; e seus corpos, estando ainda unidos a Cristo, descansam na sepultura até à ressurreição” (Resp. 37). Todavia, por mais gloriosa que seja a transformação do povo

de Deus na hora da morte, e por mais que muitos possam dizer como o apóstolo Paulo que partir e estar com Cristo é incompara­ velmente melhor (Fp 1.23), esta não é a sua glorificação. Ela não é o alvo da esperança e expectação do crente. A redenção que Cristo adquiriu para o seu povo é uma redenção não somente do pecado, mas também de todas as suas conseqüências. A morte é o salário do pecado, e a morte dos crentes não os livra da morte. O último inimigo, a morte, ainda não foi destruído; ela não foi ainda tragada pela vitória. Por conseguinte, a glorificação tem em vista a destruição da própria morte. Desonrar a Cristo e enfraquecer a natureza da esperança cristã é substituir a bem-aventurança que os crentes recebem na hora da morte com a glória que há de se revelar quando este corpo curruptível se revestir da incorruptibilidade e o que é mortal se revestir da imortalidade (I Co 15.54). A preocupa­ ção com o evento da morte indica uma deflexão da fé, do amor e da esperança. O apóstolo Paulo nos lembra que somos as primícias do Espírito, “gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23). Esta é a glorificação. É a redenção completa e final da pessoa toda quando, na integração do corpo e espírito, o povo de Deus será conforme a imagem do Redentor ressuscitado, exaltado e glorificado, quando o próprio corpo de sua humilhação será conforme o corpo da glória de Cristo (cf. Fp 3.21). Deus não é o Deus de mortos, e, sim, de vivos, e, portanto, nada menos que a ressurreição para o pleno gozo de Deus pode constituir a glória para a qual o Deus vivo conduzirá os seus redimidos. Cristo é o primogênito dentre os mortos, as primícias daqueles que dormiram; é o primogênito dentre muitos irmãos.

Esta verdade de que a glorificação deve aguardar a ressurrei­ ção do corpo nos adverte que a glorificação é algo que todo o povo de Deus receberá junto no mesmo ponto idêntico de tempo. Não há nenhuma prioridade, ninguém precederá a ninguém. Neste ponto ela difere radicalmente da morte e da glória com Cristo que os santos recebem naquele evento. Cada santo de Deus que morre tem o seu próprio tempo marcado e, portanto, o seu próprio tempo

tem o seu próprio tempo marcado e, portanto, o seu próprio tempo para partir e estar com Cristo. Podemos notar que este evento é sublimemente individualizado. Porém, não é assim com a glorifi­ cação. Ninguém terá alguma precedência sobre o outro — todos juntos serão glorificados com Cristo.

O Novo Testamento põe ênfase especial sobre este fato. Talvez julguemos que seja uma ênfase desnecessária. Talvez di­ gamos: A verdade importante é que todos serão glorificados e tudo mais é de pouca importância. Não é assim. O apóstolo Paulo achou necessário informar, ou talvez relembrar aos crentes tessalonicen- ses de que mesmo aqueles que não experimentarão a morte, os que estiverem vivos na vinda do Senhor, não terão qualquer vantagem sobre aqueles que morreram: “Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus e os mortos em Cristo ressus­ citarão primeiro.” E assim os vivos e os mortos ressurretos que morreram em Cristo serão arrebatados juntos para o encontro do Senhor nos ares (I Ts 4.16,17). Outra vez, o apóstolo Paulo diz: “Eis que vos digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, num momento, num abrir e fechar dolhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (I Co 15.51,52). Portanto, a glorificação é a mudança instantânea que toda a multidão dos redimidos experimentará quando Cristo vier pela segunda vez, sem pecado, e descerá do céu com um brado de triunfo sobre o último inimigo. “Então se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (I Co 15.54,55).

Há muito para a nossa instrução no fato de que o ato final da aplicação da redenção atinge a todos da mesma forma e no mesmo momento de tempo na realização final do propósito redentivo de Deus. E como um só corpo que toda a multidão dos redimidos será glorificada. Isto está sublimemente consoante com tudo o que

precedeu do qual a glorificação é a consumação. É a união com Cristo que reúne todas as fases do amor e da graça redentora. O povo de Deus foi eleito em Cristo antes da fundação do mundo. Em Cristo eles foram redimidos por meio de seu sangue — ele amou a Igreja e deu-se a si mesmo por ela. O povo de Deus foi vivificado juntamente com Cristo, e juntos ressuscitaram, e juntos se assentaram com Cristo nos lugares celestiais (cf. Ef 5.25; 2.5,6). Cristo operou a redenção com o propósito de “apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa seme­ lhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.27). Quando os decretos celestiais atingirem o seu grande final, Cristo virá outra vez na glória de seu Pai. Ele virá também em sua própria glória — será “a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tt 2.13). Mas também será “a revelação dos filhos de Deus” (Rm 8.19). Haverá uma perfeita coincidência da revelação da glória do Pai, da revelação da glória de Cristo e da liberdade da glória dos filhos de Deus. A glorificação dos eleitos coincidirá com o ato final do Pai na exaltação e glorificação do Filho. “Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co- herdeiros com Cristo: se com ele sofrermos, para que também com ele sejamos glorificados” (Rm 8.17). Temos aqui uma harmonia celestial, uma harmonia que exemplifica a grandeza do amor, da sabedoria e do poder divinos, e também vindica a glória de Deus. “Só o Senhor será exaltado naquele dia” (Is 2.11).

A glorificação é um evento que afetará todo o povo de Deus juntamente, no mesmo ponto do tempo na realização do propósito redentivo de Deus. Trará à fruição final o propósito e a graça que foram dados em Cristo Jesus antes dos tempos eternos (cf. II Tm 1.9). Estas verdades sobre a glorificação do povo de Deus são complementares às demais doutrinas da esperança cristã.

1. A glorificação é associada e identificada com a vinda de Cristo em glória. O advento de Cristo visível, pública e gloriosa­ mente não atrai o interesse do grande número de pessoas que professam o nome de Cristo. Tal evento parece-lhes como algo excessivamente ingênuo para a perspectiva mais desenvolvida e

madura dos cristãos modernos. Esta atitude é bem semelhante àquela em que Pedro adverte os seus leitores: “nos últimos dias virão escamecedores com os seus escámios, andando segundo as próprias paixões, e dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? Porque desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação” (EL Pe 3.3,4). É o mesmo tipo de incredulidade que nutre dúvidas a respeito do nascimento virginal de nosso Senhor, ou que nega a expiação substitutiva, ou que despreza a idéia de uma ressurreição corpórea e física de nosso Senhor e que pode ser indiferente para com o advento glorioso de nosso Senhor nas nuvens do céu. E esta incredulidade se toma peculiarmente agravada quando ela despreza a própria idéia da vinda corpórea, visível e pública do Senhor. Se essa convicção e esperança não permanecerem no centro de nossa perspectiva para o futuro, é porque o esboço mínimo da estrutura de nosso pensa­ mento está destituído de caráter cristão. A esperança do crente é centrada na vinda do Salvador segunda vez, sem pecado, para a salvação. Paulo fala desta verdade como “a bendita esperança e a manifestação da glória de nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tt 2.13). O crente que sabe em quem tem crido e ama aquele a quem nunca viu, diz: “Amém. Vem Senhor Jesus” (Ap 22.20). A vinda do Senhor é tão indispensável para a esperança da glória, que a glorificação para o crente nada significa sem a manifestação da glória de Cristo. A glorificação é glorificação com Cristo. Quando a última é removida, a glorificação dos crentes é roubada da única verdade que os capacita a olhar para este evento com confiança, com alegria indizível e cheia de glória. Pedro escreve: “Pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também na revelação de sua glória vos alegreis exultando” (I Pe 4.13).

2. A glorificação dos crentes está associada e identificada com a renovação da criação. Não são somente os crentes que serão libertados do cativeiro da corrupção, mas também a própria cria­ ção. “Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou” (Rm 8.20). Mas “a própria

criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.21). E quando esta glória da criação será consumada? Paulo não nos deixa em dúvidas. Ele nos ensina expressamente que o término do gemido e da angústia da criação, gemido e angústia em virtude do cativeiro da corrupção, acontecerá na “adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23). Isto é o mesmo que dizer que não são somente os crentes que aguardam a ressurreição como aquilo que trará a liberdade de sua glória, mas a própria criação também aguarda este mesmo evento. E aquilo pelo qual ela aguarda é aquilo do qual ela participará, ou seja, “a liberdade da glória dos filhos de Deus”. Esta é a maneira de Paulo expressar a mesma verdade que noutro lugar é vista como os novos céus e a nova terra. Nas palavras de Pedro: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (II Pe 3.13). E Pedro associa essa regeneração cósmica com aquela que os crentes esperam e apressam, “a vinda do dia de Deus, por causa da qual os céus incendiados serão desfeitos e os elementos abrasados se derrete­ rão” (D Pe 3.12).

Quando meditamos sobre a glorificação, o que nutrimos não é uma perspectiva estreita. Ela engloba um cosmo renovado, os novos céus e a nova terra, a que devemos contemplar como o contexto da glória dos crentes, um cosmo liberto de todas as conseqüências do pecado, no qual não restará maldição alguma, porém nele a justiça terá domínio total e a habitação não será perturbada. “Nela nunca jamais penetrará coisa alguma contami­ nada, nem o que pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no livro da vida do Cordeiro” (Ap 21.27). “Nunca mais haverá qualquer maldição. Nela estará o trono de Deus e do Cordeiro. Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face, e nas suas frontes está o nome dele” (Ap 22.3,4).

Uma das heresias que têm afligido a Igreja Cristã e têm tido bom sucesso na poluição das fontes do pensamento cristão, desde

o primeiro século da nossa era até aos dias atuais, é a heresia que considera a matéria, ou seja, a substância material como a fonte do mal. Ela tem-se apresentado em diversas formas. Os apóstolos tiveram de combatê-la em seus dias, e a evidência disto aparece bem nítida no Novo Testamento, especialmente nas epístolas. João, por exemplo, teve de combatê-la em sua forma peculiarmen­ te grave ao negar a realidade do corpo de Cristo como sendo de carne. Então ele escreve: “Muitos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus” (I Jo 4.1-3). O significado disto é que a confissão de Jesus Cristo é uma confissão no sentido de que ele veio em carne, e a negação deste fato é categoricamente a negação de Jesus. Com referência a essa heresia, o teste de ortodoxia era confessar a carne de Jesus, ou seja, que ele veio com um corpo material e de carne real.

Outra forma desta heresia é a de considerar que a salvação é a emancipação da alma ou do espírito do homem dos impedimen­ tos e dos enredos que são associados com o corpo. A salvação e a santidade progridem na medida em que a alma imaterial vence as influências degradantes que emanam da carne e da matéria. Esta concepção pode parecer muito bela e “espiritual”, porém é apenas um “paganismo enfeitado”. E um golpe direto contra a doutrina bíblica de que Deus criou o homem com corpo e alma e que isto lhe pareceu muito bom. É também dirigido contra a doutrina bíblica do pecado que ensina que este tem sua origem e base no espírito do homem e não na carne e matéria.

Esta heresia tem se apresentado numa forma muito sutil em conexão com o assunto da glorificação. O curso que ela seguiu neste caso foi o de enfatizar a imortalidade da alma. À primeira vista parece ser algo muito inocente e uma ênfase correta, e de fato há alguma verdade na discussão de que a alma é imortal. Porém, sempre que o foco de interesse e ênfase é dirigido para a imortali­ dade da alma, então surge uma deflexão grave da doutrina bíblica

da vida imortal e abençoada. A doutrina bíblica da “imortalidade”, se pudéssemos usar este termo, é a doutrina da glorificação. E glorificação é ressurrreição. Sem a ressurreição do corpo deixando o túmulo e a restauração da natureza humana em sua integridade, segundo o padrão da ressurreição de Cristo no terceiro dia, e segundo a semelhança da natureza humana glorificada na qual ele há de manifestar-se nas nuvens do céu com grande poder e glória, não haverá nenhuma glorificação. Este não é o vago sentimento e idealismo tão característicos daqueles cujo interesse é meramente a imortalidade da alma. Aqui temos a solidez e o realismo da esperança cristã sumariados na ressurreição para a vida eterna e assinalada pela descida de Cristo dos céus com a voz do arcanjo e a trombeta de Deus.

De forma semelhante, a esperança do cristão não é indiferente ao universo material que nos rodeia, o cosmo da criação de Deus. Ela ficou sujeita à vaidade, não voluntariamente; foi amaldiçoada em virtude do pecado humano; foi maculada pela apostasia huma­ na. Porém, ela será libertada do cativeiro e corrupção, e o seu livramento coincidirá com a consumação da redenção do povo de Deus. As duas não são apenas coincidentes como eventos, mas são correlativas na esperança. A glorificação tem proporções cósmi­ cas. “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (II Pe 3.13). “E então virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai... para que Deus seja tudo em todos” (I Co 15.24,28).