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Vocação Eficaz No capítulo anterior ficou expresso que existem boas razões

para se crer que a aplicação da redenção começa com a vocação eficaz que se estende a pecadores que estão mortos em seus delitos e pecados. Foi admitido que as considerações em favor da coloca­ ção da regeneração antes podem ser defendidas, e que não haveria grave problema se tal fosse feito. As razões para colocar o chama­ mento de Deus em primeiro lugar se tomarão mais evidentes à medida que se estabelecer o ensino bíblico sobre a vocação eficaz.

Podemos falar com propriedade de uma vocação que não é eficaz em si mesma. Esta é, com freqüência, expressa como o chamamento universal do evangelho. Os convites da graça no evangelho, dirigidos a todos os homens sem distinção, são mui verdadeiros, e devemos sustentar esta doutrina com todas as suas implicações para a graça de Deus, por um lado, e a responsabili­ dade e privilégio para o homem, por outro lado. Não é apropriado referir a esse convite universal como um chamamento universal. É muitíssimo provável que este chamamento seja aquele mencio­ nado em Mt 22.14: “Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos.” E existem diversos textos no Velho Testamento que poderiam ser evocados para corroborarem esta conclusão.

Porém, é notável que os termos para vocação, no Novo Testamento, quando usados especificamente com referência à salvação, são quase uniformemente aplicados, não ao chamamento

universal do evangelho, mas ao chamamento que conduz os ho­ mens ao estado de salvação, e, portanto, eficaz. Quase não existe um caso onde os termos são usados para designar o convite indiscriminado da graça no evangelho de Cristo. Assim, o signifi­ cado quase uniforme é aquele estabelecido pelos textos bem co­ nhecidos como Rm 8.30: “E aos que predestinou, a esses também chamou.” I Co 1.9: “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor.” II Pe 1.10: “Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, con­ firmar a vossa vocação e eleição” (cf. Rm 1.6,7; I Co 1.26). Esta é a razão por que geralmente falamos deste chamamento como eficaz. Com escassa exceção, o uso neotestamentário das palavras

chamar, chamado, chamamento [ou vocação] significam nada

menos que o chamamento que é eficaz para a salvação.

O autor. Em conexão com o assunto deste capítulo, há

particularmente duas coisas a serem observadas.

1. Deus é o autor. “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à

comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor” (I Co 1.9). “Participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com santa vocação” (II Tm 1.8,9). Neste sentido, a vocação é um ato da graça e do poder de Deus, assim como a regeneração, a justificação e a adoção também o são. Não chamamos a nós mesmos, não nos separamos a nós mesmos por volição soberana, e não somos regenerados, justificados e adotados por nós mesmos. A vocação é um ato de Deus, e tão-somente de Deus. Este fato deve fazer-nos agudamente conscientes de quão dependentes somos da soberana graça de Deus na aplicação da redenção. Se a vocação é o primeiro passo no ato de nos tomarmos realmente participantes da salvação, o fato de que Deus é o seu autor forçosamente nos lembra que a soberania absoluta da obra de Deus no tocante à salvação não ficou suspensa no ponto da aplicação, assim como não ficou interrompida no ponto de seu desígnio e realização objetiva. Talvez não apreciemos

tal doutrina. Mas, se este é o caso, é em virtude da aversão que nutrimos pela graça de Deus e o desejo de arrogar para nós mesmos a prerrogativa que pertence a Deus. E sabemos donde surgiu tal disposição.

2. Deus o Pai é o agente específico na vocação eficaz. Somos

demasiadamente propensos a negligenciar este aspecto do ensino bíblico. Consideramos o Pai como a pessoa da trindade que plane­ jou a salvação e como o agente específico na eleição. E fazemos bem quando o consideramos assim. Porém, falhamos em discernir outras ênfases da Escritura e praticamos uma desonra contra o Pai quando o consideramos um mero planejador da salvação e reden­ ção. O Pai não é afastado da realização daquilo que ele mesmo designou em seu eterno conselho e consumou na morte de seu Filho; ele entra na mais íntima relação com o seu povo na aplicação da redenção como o ator específico e particular no início de tal aplicação.

A evidência em apoio do acima exposto é copiosa e conclu­ siva. Quando Paulo diz: “E aos que predestinou, a esses também chamou” (Rm 8.30), é óbvio que o autor da predestinação é o autor da vocação. E no versículo anterior, o autor da predestinação é distinguido da pessoa que é chamada “seu Filho” — “aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes a imagem de seu Filho”. Somente com referência ao Pai pode-se dizer que predestinou para ser conforme a imagem de seu Filho pela simples razão de que somente em respeito ao Pai o Filho é o Filho. De forma semelhante, quando Paulo diz em I Co 1.9: “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho”, a mesma inferência permanece, porque a pessoa que chama é distinta da pessoa em cuja comunhão os chamados são introduzidos, e a pessoa assim distinguida é a pessoa que tem para com o Pai a relação de Filho. A pessoa aqui mencionada não pode ser nenhuma outra senão a primeira pessoa da Deidade, como ocorre freqüen­ temente no Novo Testamento pelo nome pessoal Deus. Outros

textos são igualmente claros nesta conexão (vejam-se G11.15; Ef 1.17,18; II Tm 1.9). É oportuno nesta conexão lembrar I Jo 3.1: “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, ao ponto de sermos chamados filhos de Deus.” É bem provável que a palavra “chamados” signifique mais do que meramente “nomeados”, e se refira à ação executiva de Deus o Pai pela qual somos chamados para sermos filhos de Deus.

É Deus o Pai, específica e eminentemente, quem chama eficazmente por meio de sua graça.

A natureza. Muitas vezes deixamos de apreciar o rico signi­

ficado dos termos bíblicos porque, em uso comum, as mesmas palavras têm sofrido uma grande dose de desgaste. Isto é verdade com respeito à palavra '“’chamar". Se percebemos a força desta palavra, como usada nesta conexão, devemos, então, usar a palavra

“convocar". A ação pela qual Deus faz seu povo participante da

redenção é a da convocação. E sendo esta uma convocação de Deus, então ela é uma convocação eficaz.

Ordinariamente, não associamos a palavra convocação com a eficácia que é requisito para concordar com essa convocação. Uma convocação emitida por um tribunal, por si mesma, não nos autoriza a comparecer no tribunal. Ela nos dá uma ordem para comparecermos, e exige que compareçamos, porém realmente não nos traz ao tribunal. Fazer isto depende de nossa força de vontade. Ou, possivelmente, depende da força aplicada pelos oficiais exe­ cutivos, caso sejamos apreendidos e obrigados a comparecer. Dá-se completamente o contrário com a convocação de Deus. A convocação é invertida com a eficácia pela qual somos libertados da pretendida destinação — somos eficazmente introduzidos na comunhão de Cristo. Existe algo que determina a vocação de Deus; pelo seu poder e graça soberanos ela não pode deixar de se realizar. Deus chama à existência as coisas que não existiam (cf. Rm 4.17).

Em harmonia com este fato está a verdade de sua imutabili­ dade. “Porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29). Não há nada que solidifique mais fortemente o argumento em favor desta característica da vocação do que o ensino de Rm 8.28-30, onde a vocação é determinada segundo o propósito de Deus e encontra o seu lugar no centro daquela ininterrupta seqüên­ cia de eventos que tem o seu início na presciência divina e a sua consumação na glorificação. É o mesmo que dizer que a vocação eficaz garante a perseverança, porquanto ela está fundamentada na imutabilidade do propósito e da graça de Deus.

Esta vocação é também sublime, santa e celestial (Fp 3.14; II Tm 1.9; Hb 3.1). Ela é sublime, santa e celestial em sua origem e em seu destino. Mas, provavelmente o caráter da vocação é o que é especificamente enfatizado. A vida na qual o povo de Deus é introduzido é algo que o separa da comunhão com este atual mundo maligno e lhe transmite um caráter consoante com essa consagra­ ção. Se nos sentimos em casa estando no meio da impiedade, concupiscência e impureza deste mundo, isto prova que não fomos chamados eficazmente pela graça de Deus. Os chamados são “chamados para serdes de Jesus Cristo” (Rm 1.6), chamados para ser sua propriedade e possessão exclusiva, e, portanto, são “cha­ mados para serdes santos” (Rm 1.7). Os chamados devem exem­ plificar em sua conduta a vocação pela qual foram chamados com o fim de não terem comunhão com as obras infrutíferas das trevas. Temos aqui uma série de considerações que revelam as obrigações que são intrínsecas da vocação de Deus. A soberania e eficácia da vocação não anulam a responsabilidade humana, antes fundamenta e confirma essa responsabilidade. A magnitude da graça enaltece a obrigação. Esta é a razão da exortação de Paulo: “Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados” (Ef 4.1).

O modelo. Quando fazemos algo com inteligência e sabedo­

uma casa de acordo com a planta arquitetural. Fazemos um temo segundo o modelo. Quão preeminentemente verdadeiro em se referindo a Deus! Com Deus, a execução é o perfeito cumprimento de um plano preestabelecido. E este plano é “conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos” (II Tm 1.9; cf. Rm 8.28). As seguintes características deste plano precisam ser observadas.

1.Eo plano de propósito determinado. Quando Deus chama

homens e mulheres, não é uma decisão impensada, arbitrária ou repentina. O pensamento de Deus esteve ocupado com este evento desde os tempos eternos. Por isso, o momento e todas as circuns­ tâncias são predeterminados por seu próprio conselho e vontade.

2. E eterno. Temos meditado suficientemente sobre a mara­ vilha que o pensamento, o interesse e o propósito de Deus foram ocupados desde a eternidade com a graça que verdadeiramente é outorgada no tempo? Não podemos pensar em termos de eternida­ de; não temos um pensamento eterno. Somente o pensamento de Deus tem este atributo, porquanto só ele é etemo. Quando tentamos pensar em termos de eternidade, descobrimos os limites de nosso entendimento e lembramos que a eternidade está fora de nossa compreensão. Porém, devemos pensar em termos de eternidade, e ponderar sobre ela de tal forma, que quanto mais nos conscienti- zamos dos limites de nosso entendimento, mais enaltecida se toma a nossa apreciação da maravilha do etemo propósito e graça de Deus.

3. O plano foi delineado em Cristo. “Conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus” (II Tm

1.9). Sob um título anterior, foi enfatizada a verdade de que Deus o Pai, a propósito de sua eminência, é o agente na vocação eficaz. Não devemos conjecturar que o Pai foi afastado do povo de Deus na aplicação da redenção — ele é o agente específico em seu início. Contudo, devemos lembrar também que o chamamento nunca é à parte de Cristo. Nada chama a nossa atenção mais claramente do

que o fato de que o conselho do Pai a respeito da vocação, desde os tempos eternos, foi concebido e delineado em Cristo. O povo de Deus não é contemplado, mesmo no propósito da graça, fora de Cristo (cf. Rm 8.29; Ef 1.4). Temos aqui um índice da perfeita harmonia e união das pessoas da Deidade naquelas operações que são compreendidas na economia da salvação. E a harmonia que volta à fonte da salvação.

A prioridade. Como já foi dito, nenhum problema grave

conseqüência teológica ou exegética iria acontecer se a i | ção fosse considerada como logicamente anterior à voca

tudo, existem razões para se crer que a vocação é o pnmèife^asso

na aplicação da redenção. q

1. A vocação é representada na E^i^^c&tíí^aquele ato de Deus pelo qual somos verdadeiramerm^mtlos a Cristo (cf. I Co 1.9). Certamente que a uni Qn£íõ e aquela que nos une à operação interior da graça dfe^DeuSr-Á regeneração é o início da operação interior (k ça- s ífica.

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.

2. A vocaçà^(é\mnt^ato soberano do Deus único, e não devemos de^ní-laNètíi termos de resposta que é arrancada do coração, e da vontade da pessoa chamada. Quando este fato é^tónsid^Pado, é mais razoável analisar a regeneração como >e operado interiormente pela graça de Deus a fim de ta] nos a dar a necessária e apropriada resposta à vocação ) s. Neste caso, o novo nascimento seguiria o chamamento e antec: ^ ria a res, i de nossí p __ : j ____ o ________ chamamento e a resposta por parte da pessoa chamada.

3. Não significa de forma alguma que Paulo, em Rm 8.28-30, estabelece o esboço da seqüência seguida na aplicação da redenção que iniciaria aquela enumeração com um ato de Deus que não fosse outro senão o primeiro na ordem. Em outras palavras, é mais provável que ele iniciaria com o primeiro e terminaria com o último. Este raciocínio é fortalecido pela consideração de que ele

traça a salvação até à sua fonte última na eleição de Deus. Certa­ mente que ele traça a aplicação da redenção ao seu início quando ele diz: “E aos que predestinou, a esses também chamou.” Portan­ to, o chamamento seria o ato inicial da aplicação.

4. Todos os aspectos na aplicação da redenção encontram a sua explicação no propósito eterno da graça de Deus — todos estão em plena harmonia com o propósito eterno de Deus. Porém, no Novo Testamento, ênfase particular é dada ao fato de que a vocação está em concordância com este propósito eterno (cf. Rm 8.28-30; II Tm 1.9). É oportuno inferir que esta ênfase aparece pela razão específica de que a dependência de todo o processo da aplicação está no propósito eterno, e este não poderia ser demons­ trado mais claramente pelo fato de que o ato inicial da aplicação procede do propósito eterno da graça.

Por razões como estas há uma boa justificativa para se con­ cluir que a aplicação da redenção inicia-se com a convocação soberana e eficaz, pela qual o povo de Deus é introduzido na comunhão de Cristo e na união com ele para que eles possam ser participantes de toda a graça e virtude que residem nele como Redentor, Salvador e Senhor.

Capítulo 3

Regeneração