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liberdade e privilégio de adoção de filhos (G14.5). Cristo veio para que esta adoção pudesse ser assegurada. A consideração especial­ mente relevante no tocante ao preço pago por esta redenção é o fato de que Cristo estava sujeito à lei. Ele nasceu sob a lei mosaica; estava sujeito às suas condições e cumpriu todos os seus termos. Nele a lei mosaica cumpriu os seus propósitos, e nele o seu significado recebeu a sua validade e incorporação permanentes. Conseqüentemente, ele redimiu o seu povo da servidão provisória e relativa, da qual a economia mosaica foi o instrumento.

O significado desta redenção visa não só aos judeus, mas também aos gentios. Na economia evangélica, os gentios não precisam submeter-se à disciplina tutelar à qual os judeus ficaram sujeitos. “Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordina­ dos ao tutor. Pois todos vós sois filhos de Deus por meio da fé em Jesus Cristo” (G13.25,26). Esta imensa graça infinita, por meio da qual todos, sem qualquer distinção ou discriminação, são filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, é o fruto da redenção adquirida pelo fato de ter Cristo nascido sob a lei e cumprido todos os seus termos e propósitos.

(c) A lei das obras. Cristo nos redimiu da obrigatoriedade de

guardar a lei como a condição (sine qua non) de sermos justifica­

dos e aceitos por Deus. Sem esta redenção não existiria justificação

e nem salvação. É a obediência do próprio Cristo que garantiu esta libertação. Pois é por meio de sua obediência que muitos serão justificados (Rm 5.19). Em outras palavras, é a obediência ativa e passiva de Cristo que se constituiu no preço desta redenção, obediência ativa e passiva em virtude de ter ele nascido sob a lei, cumprido todas as exigências da retidão e satisfeito todas as sanções da justiça.

2. O pecado. Que Cristo redimiu o seu povo do pecado

c a lei, e onde não existe lei, também não existe transgressão (I Co 15.56; Rm 4.15). Mas a Escritura também põe a redenção em relação direta com o pecado. É nesta conexão que o sangue de Cristo é claramente indicado como o meio pelo qual esta redenção c adquirida. A redenção do pecado abrange vários aspectos pelos quais o pecado pode ser considerado. Ela é a redenção do pecado em todos os seus aspectos e conseqüências. Isto é especialmente provável de textos tais como Hb 9.12 e Ap 5.9. O caráter inclusivo da redenção quanto ao pecado e seus males acompanhantes é demonstrado mais claramente, talvez, pelo fato de que a consuma­ ção escatológica de todo o processo redentivo é visto como a redenção (cf. Lc 21.28; Rm 8.23; Ef 1.14; 4.30; e, possivelmente, 1 Co 1.30). O fato é que o conceito de redenção deve ser usado para designar a libertação plena e definitiva de todo o mal e a realização do propósito, para o qual todo o processo da graça redentora age, revela conspicuamente como a redenção adquirida por Cristo é inseparavelmente unida à realização da liberdade da glória dos li lhos de Deus. E revela também que a redenção é importante para a própria noção de bem-aventurança reservada para o povo de Deus. Não surpreendente, pois, que a profecia do Velho Testamen­ to use estes termos (veja-se Os 13.14) e que o cântico dos glorifi­ cados seja um cântico da redenção (veja-se Ap 1.5,6; 5.9).

Todavia, nesta discussão estamos contemplando a redenção que Cristo adquiriu como uma obra consumada. Quando a reden­ ção é considerada no sentido mais restrito, existem dois aspectos do pecado que se destacam proeminentemente quanto à redenção realizada por Cristo. Estes são a culpa e o poder do pecado. Os dois efeitos que emanam desta obra redentiva são, respectivamen­ te: (1) justificação e perdão do pecado e (2) libertação do poder e da poluição escravizadora do pecado. A redenção, no que se refere à culpa e que resulta em justificação e remissão, é vista em textos lais como Rm 3.24; Ef 1.7; Cl 1.14; Hb 9.15. E a redenção quanto ao seu efeito no poder escravizador e na poluição do pecado é vista

em Tt 2.14; I Pe 1.18; ainda que nestes últimos não podemos excluir toda implicação forense.

Em conexão com a redenção da culpa do pecado, o sangue de Cristo como resgate substitutivo e como preço do resgate de nossa libertação é claramente apresentado. Os ensinos de nosso Senhor sobre o resgate (Mt 20.28; Mc 10.45) revelam, sem sombra de dúvida, que ele interpretou o propósito de sua vinda ao mundo em termos de resgate substitutivo, e que este resgate foi nada menos que a doação de sua própria vida. E, na linguagem do Novo Testamento, a doação de sua vida é sinônimo de derramamento de seu sangue. A redenção, pois, no conceito de nosso Senhor, consistia do derramamento de sangue substitutivo ou o derrama­ mento de sangue no lugar de muitos, com o propósito de adquirir para si mesmo os muitos pelos quais ele deu a sua vida como resgate. Esta mesma noção é reproduzida no ensino apostólico. Embora a terminologia não seja precisamente aquela da redenção, não podemos confundir a significação redentiva da palavra de Paulo em sua exortação dirigida aos presbíteros em Efeso quando ele se refere à “igreja de Deus, a qual ele comprou com seu próprio sangue” (At 20.28). O pensamento que Paulo expressa aqui é claramente a linguagem de redenção ou resgate que expressou em outro lugar, quando fala de Jesus Cristo como “aquele que a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar para si mesmo um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). Ou, ainda, quando Paulo diz que no Amado “temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados” (Ef 1.7; G1 1.14), é plenamente óbvio que ele entende o perdão dos pecados como a bem-aventurança que surge da redenção por meio do sangue. E embora Hb 9.15 seja difícil de se analisar, contudo é claro que a morte de Cristo é o meio de redenção em referência aos pecados praticados sob o antigo concerto: a morte de Cristo é

Não podemos separar artificialmente a redenção como um resgate da culpa do pecado das demais categorias nas quais a obra de Cristo deva ser interpretada. Estas categorias outra coisa não são senão aspectos dos quais a obra de Cristo, realizada uma vez por todas, deve ser entendidas; portanto, podemos dizer que eles se interpermeiam. Este fato, em sua aplicação à redenção, aparece, por exemplo, em Rm 3.24-26. Paulo diz: “Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus; a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação... tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus.”Aqui, redenção e propiciação não são apenas dispostas, mas existe uma combinação de conceitos que aponta para o propósito e efeito da obra de Cristo, e isto revela como os vários conceitos são intimamente interrelacionados. Este texto exemplifica e con­ firma o que outras considerações estabelecem, a saber, que a redenção da culpa do pecado deve ser formulada em termos forenses, análogos àqueles que devem ser aplicados à expiação, propiciação e reconciliação.

A redenção do poder do pecado pode ser chamada o aspecto

triunfal da redenção. Em sua obra consumada, Cristo fez uma

coisa, uma vez por todas, a respeito do poder do pecado, e é em virtude desta vitória que ele garantiu que o poder do pecado é interrompido em todos aqueles que se unem a ele. É neste sentido que o fio do ensino neotestamentário deve ser apreciado, mas que é freqüentemente negligenciado. Não é apenas o fato que considera Cristo morrendo em favor do pecador, mas também o que consi­ dera o crente morrendo em Cristo e ressurgindo com ele para a novidade de vida. Este é o resultado da união com Cristo. Por meio desta união, Cristo não é apenas unido àqueles que lhe foram confiados, mas eles também são unidos com Cristo. Assim, não é apenas Cristo quem morreu por eles, mas também eles morreram e ressuscitaram com Cristo (vejam-se Rm 6.1-10; II Co 5.14,15;

Ef 2.1-7; Cl 3.1-4; I Pe 4.1-2). É o fato de ter morrido com Cristo na eficácia de sua morte e de ter ressuscitado com ele no poder de sua ressurreição que garante a todo o povo de Deus a libertação do domínio do pecado. Este fato fornece a base da exortação: “Assim também vós, considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus” (Rm 6.11), e gera força para a certeza inabalável: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós” (Rm 6.14). É o fato de ter morrido e ressuscitado com Cristo, visto como uma implicação da morte e ressurreição de Cristo, realizadas uma vez por todas, que fornece a base do processo santificador. E é constantemente apresentado como impulso e incentivo à santifica­ ção na vida prática do crente.

Outrossim, é aqui que podemos refletir convenientemente sobre a redenção em termos de pagamento a Satanás. E ao aspecto triunfal da redenção que isto deve ser relacionado. Os primeiros pais da Igreja cristã deram lugar proeminente a este aspecto da redenção, e o elaboraram em termos de um resgate pago ao diabo. Este conceito tomou-se fantasioso e um ludíbrio. A sua falsidade foi eficientemente impugnada por Anselmo em sua obra célebre

Cur Deus Homo. Todavia, em reação contra esta formulação

fantasiosa, somos também propensos a desacreditar a grande ver­ dade que esses pais procuraram elucidar. Esta verdade conecta a obra redentora de Cristo com o poder e atividade de Satanás e com as forças espirituais do mal nas regiões celestes (Ef 6.12). Nesta conexão é muito importante lembrar que a primeira promessa da graça redentora, o primeiro raio de luz redentora que brilhou sobre os nossos primeiros pais caídos, estava nos termos da destruição do tentador. E esta mesma ênfase está engastada no Novo Testa­ mento. Quando nosso Senhor se aproximava do Calvário, e como ele lembrara uma vez mais, em virtude do pedido dos gregos, da significação mundial da obra que estava prestes a realizar, ele se valeu da oportunidade para referir-se à vitória sobre o seu arqui -inimigo, dizendo: “Chegou o momento de ser julgado este mundo,

e agora o seu príncipe será expulso” (Jo 12.31). E para o apóstolo Paulo, a glória que refulgia da cruz de Cristo era uma glória irradiada pelo fato de que ele, “despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz” (Cl 2.15). Embora nós, tão amiúde, deixamos de reconhe­ cer a realidade cruel da morte, e ficamos conformados em sua presença, não em virtude da fé, e, sim, em virtude da insensibili­ dade recrudescida, assim não acontecia no fervor da fé neotesta- mentária. Com um profundo significado, o escritor da epístola aos Hebreus registrou que Jesus participou da carne e sangue, “para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse a todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida” (Hb 2.14,15). Foi unicamente aquele triunfo que livrou os crentes da servidão do medo e que inspirou a confiança e serenidade da fé. Porém, este triunfo era muito importante para eles, porquanto a sua consciência estava condicionada pela percepção do caráter e atividade de Satanás, e a confiança e serenidade entraram em seus corações porque sabiam que o triunfo de Cristo desfechou-se sobre o agente sinistro que detinha o poder da morte.

Assim entendemos que a redenção [do homem das garras] do pecado não pode ser devidamente compreendida ou formulada a não ser que inclua a vitória que Cristo alcançou uma vez por todas sobre aquele que é o deus deste mundo, o príncipe das forças do ar, o espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Deve­ mos visualizar o pecado e o mal em suas proporções maiores como um reino que compreende a sutileza, duplicidade, ingenuidade, poder e atividade incansável de Satanás e suas legiões — “os principados e potestades, os dominadores deste mundo tenebroso, as hostes espirituais do mal nas regiões celestes” (Ef 6.12). E é impossível falar em termos de redenção do poder do pecado, a não ser que esteja ao alcance desta realização redentora a destruição do poder das trevas. E assim que podemos nutrir um entendimento

mais inteligente do que Cristo encontrou quando ele disse: “Esta, porém, é a vossa hora, e o poder das trevas” (Lc 22.53), e do que o Senhor da glória realizou quando ele expulsou “o príncipe deste mundo” (Jo 12.31).

Capítulo 3

A perfeição da expiação