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III JOÃO DE CASTILHO: A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE UM MESTRE PENINSULAR.

III.I OS GRANDES FOCOS ESPANHÓIS DE ARQUITECTURA TARDO GÓTICA E A MULTIPLICIDADE DE FORMAÇÃO.

Antes de abordarmos possíveis caminhos de João de Castilho quanto ao seu percurso formativo, torna-se imperativo reconhecer quais são os estaleiros arquitetónicos ativos e respetivos aros de influência nos finais do século XV e inícios do século XVI nas coroas de Castela e Aragão.

É hoje assumido que o desenvolvimento de uma arquitetura tardo- gótico em Espanha tem as suas raízes profundas no século XV, onde se assiste à entrada de diversos mestres estrangeiros nos estaleiros que se erguiam em território peninsular e em especial na Coroa de Castela269. Desta

forma, encontramos, principalmente, mestres oriundos da Borgonha, da zona flamenga e dos territórios germânicos. Todos estes artífices da pedra serão responsáveis pela modernização da arquitetura do século XV e inícios do século XVI270.

Os dois focos que mais se deixam seduzir pelos encantos das novidades do tardo-gótico do centro/norte da Europa, são o foco de Burgos e Toledo, aí são os locais onde melhor se expressam as novidades construtivas e onde os Colónia e Guas criam verdadeiras escolas de cantaria.

Em Toledo a receção dos mestres estrangeiros, em especial aos norte- europeus, dá-se durante o episcopado de D. Juan de Cerezuela (1434-1442), destacando-se os nomes de Hanequim Coeman de Bruxelas, Egas Coeman e Pedro de Guas (Bretão). São estes os mestres responsáveis pela introdução de modelos do norte da Europa no território espanhol e que transmitem, a uma segunda geração, todos os saberes da arquitetura do norte e centro da Europa. Entre eles distinguem-se claramente o mestre Juan de Guas, cuja mestria lhe permite criar uma verdadeira escola de cantaria toledana, o que se pode observar pelos modelos aplicados nos seus abobadamentos: Convento

269 ALONSO RUIZ, Begoña, Arquitectura Tardogótica en Castilla: los Rasines, Santander,

Universidad da Cantabria, 2003, p27-ss.

270 GÓMEZ MARTÍNEZ, Javier, El gótico español en la Edad Moderna. Bóvedas de Crucería,

de Santa Cruz (Segóvia); Convento da Cartuja (Paular); Convento de San Tomás de Ávila (Ávila)271 (fig.16).

A partir da primeira geração de mestres que dão corpo a este foco, irá surgir uma segunda vaga de executantes de arquitetura que reforçam a vitalidade arquitetónica toledana, embora estes sejam muito más convencionales y menos innovadores272. Os maiores protagonistas desta segunda vaga são os irmãos Antón e Enrique Egas273. Este último formou-se

junto ao mestre Juan Guas, quando era mestre da catedral de Toledo, facto que fica vincado pelo gosto e aplicação de formas próximas do gótico tido como “hispano-flamenco”. A ele se deve o desenho da Capela Real de Granada, cuja obra se inicia a partir de 1506 e onde procura repetir o modelo de San de los Reyes (local onde Enrique Egas trabalhou)274, a sua presença,

como primeiro mestre, também se atesta na catedral de Plasencia, embora abandone precocemente a obra.

O seu irmão, Antón Egas, surge como sendo entalhador e arquiteto, na maioria dos casos atuo à sombra do seu irmão, não obstante, Antón não evitou de ser um dos mais prestigiados mestres do seu tempo. A ele se devem obras como do Hospital Real de Santiago de Compostela (por ordem dos Reis Católicos) ou o Hospital de Santa Cruz em Toledo, fundado pelo Cardeal D. Pedro González de Mendoza.

271 Como já mencionamos em outros trabalhos, algumas fórmulas arquitetónicas aplicadas na

arquitetura toledana vão estar presentes na nossa arquitetura, em especial pela mão de Boytac, assim como verificamos na arquitetura do tardo-gótico alentejano a ter uma propensão para a aplicação dos modelos do foco toledano.

272 ALONSO RUIZ, Begoña, Arquitectura Tardogótica en Castilla: los Rasines, Santander,

Universidad da Cantabria, 2003, p.33.

273 AZCÁRATE RISTORI, J.M. de, “Antón Egas”, Boletín del Seminario de Arte y Arqueología,

t. XXIII, 1957; MORENA, Aurea de la, "Nueva obra documentada de Antón y Enrique Egas, la iglesia magistral de Alcalá de Henares", Anales del Instituto de Estudios Madrileños Nº16, 1979,

274 Begoña Alonso Ruiz refere que este facto motivou a intervenção do Conde de Tendilla e

dos mestres Juan Gil Hontañon e Juan Ruesga e que por sua vez, em 1510, levou a uma mudança de planos, onde se enriqueceu de forma estética e decorativa, com a introdução de combados e caireis nas abóbadas (ressalve-se que estas formas são introduzidas no foco de Burgos e só tardiamente se espraiam pelo restante território).

Contemporaneamente, também Burgos partilha da mesma evolução, ou seja, é por intermédio de uma série de mestres estrangeiros que alcança o lugar cimeiro da arquitetura tardo-medieval espanhola. Para tal efeito, destaque-se a família alemã dos Colónia e o papel que desempenha dentro da arquitetura deste período. A cidade de Burgos vive um momento de grande prosperidade económica, o que promove a realização de obras na catedral. Para tal, Alonso de Cartagena, bispo de Burgos, em deslocação ao Concílio de Basileia contrata Juan de Colónia (1420-1481)275, para dirigir as obras da

catedral da cidade de Burgos, que será um dos pontos de partida para o prestígio dos seus mestres. Desta feita Juan de Colónia irá introduzir em Espanha os últimos valores tardo-gótico que se produziam por terras germânicas. Essas novidades centravam-se principalmente na forma decorativa, onde os rendilhados pétreos se faziam sentir, num jogo formal entre o cheio e o vazio. Também a espacialidade irá sofrer alterações, mas é nos espaços centralizados, com uma abóbada estrelada, que reside toda a capacidade construtiva deste mestre. Exemplo deste facto é a abóbada de pés de galo e de terceletes encurvados situada no cruzeiro da Catedral de Palencia276, ou a abóbada do transepto da igreja paroquial de Santa Maria del

Campo, em Burgos. Na realidade, estes elementos são introduzidos em Espanha não só por Simón de Colónia (1454-1511), filho de Juan de Colónia, como também por Juan de Guas 277 e aplicados com maior brilhantismo na

região de Burgos e respetivo aro de influência.

275 ALONSO RUIZ, Begoña, Arquitectura tardogótica en Castilla: los Rasines, Santander, Univ.

Cantabria, 2003, p. 37.

276 HOAG, John Douglas, Rodrigo Gil de Hontañón. Gótico y Renacimiento en la arquitectura

española del siglo XVI, Madrid, Xarait, 1985 (ed. or. 1958), p.29.

277 Cf. HERNÁNDEZ, Artur, “Juan Guas, maestro de las obras de la Catedral de Segóvia (1471-1491)”, Boletín del Seminario de Arte y Arqueología de Valladolid, XLV, Valladolid, 1947-48, pp. pp.57-100. Idem, “Juan Guas”, Seminario de Estudios de Arte y Arqueología, Tomo III, Fascículos XLIII a XLV, Valladolid, Universidad de Valladolid, 1947; NICOLAU CASTRO, Juan, “El arquitecto Juan Guas en el V Centenario de su muerte”, Boletín de la Real Academia de Bellas Artes y Ciencias Históricas de Toledo, 2ª série, nº36, 1997; GÓMEZ MARTÍNEZ, Javier, El gótico español en la edad moderna, Valladolid, Valladolid, Secretariado de Publicaciones de la Universidad, 1998; GÓMEZ MARTÍNEZ, Javier,

A par destes dois focos, também há a destacar as terras de Andaluzia, que tem em Sevilha o principal polo dinamizador da arte da cantaria, nomeadamente na viragem do século XV para o XVI, coincidindo com o momento de maior fulgor das obras da Catedral.

Ao falarmos da catedral de Sevilha, torna-se imprescindível falar do mestre Alonso Rodriguez. Este arquiteto, natural de Jerez, teve um papel central na formalização do gótico tardio no sul de Espanha, nomeadamente através das formas arquitetónicas que emprega na catedral e que posteriormente se difundem por outros locais andaluzes. As investigações mais recentes referem que Alonso Rodriguez parece haberse limitado a la dirección y ejecución de obras diseñadas por outros278, facto reforçado se

atendermos que algumas das suas obras de esbatem antes da sua materialização, perante tal é possível hoje dizer, à luz das mais recentes investigações279, que este mestre não se destacou nem como um brilhante

desenhador (aliás as suas formas são muito convencionais) nem como um fino entalhador.

“El arte de la Montea entre Juan y Simón de Colonia”, Actas del congreso Internacional sobre

Gil Siloe y la escultura de du época, Burgos, 2001.

278 RODRÍGUEZ ESTÉVEZ, J.C., “El maestro Alonso Rodríguez”, Los últimos arquitectos del

gótico, Madrid, 2010, p.271.

Ver ainda: ALONSO RUIZ, B. y JIMENEZ MARTIN, A., La traça de la iglesia de

Sevilla. Sevilla, Cabildo Metropolitano, 2009; idem, "La traza guipuzcoana de la catedral de

Sevilla", en Actas del VI Congreso Nacional de Historia de la Construcción, Valencia,

2009.Madrid, 2009, vol.1, pp.63 y ss

279 RODRÍGUEZ ESTÉVEZ, Juan Clemente, "El maestro Alonso Rodríguez", Los últimos

arquitectos del gótico, Madrid, 2010, pp.271-360. Idem, "La construcción de la Catedral de

Sevilla (1433-1537)", Arquitectura en construcción en Europa, en época medieval y moderna, Valencia, Universidad de Valencia, 2010, pp. 1-50; Idem, "El Tardogótico del Sur: Andalucía y Canarias", La arquitectura Tardogótica castellana entre Europa y América, Begoña Alonso Ruiz (Ed.), Ministerio de Ciencia e Innovación, Universidad de Cantabria, Gobierno de Cantabria, Silex Ediciones, Madrid, 2011, pp.81-109. Idem, "Los constructores de la Catedral",

La catedral gótica de Sevilla. Fundación y fábrica de la obra nueva, Universidad de Sevilla,

2006, pp.149-207. Idem, "Martín de Gainza (Ca. 1505-1556)", Artistas andaluces y artífices

del arte andaluz, Proyecto Andalucía, Tomo XXXV, Arquitectos (I), Publicaciones

Apesar destas observações, no ano de 1496, Alonso Rodríguez, assume o controlo do estaleiro da catedral hispalense como mestre-maior, isto após a morte do mestre Hoces. A Rodríguez irá caber a conclusão deste magno edifício, no entanto, não podemos descartar a importância da presença de Simón de Colónia neste complexo arquitetónico. Apesar da sua parca permanência neste estaleiro, que podemos situar entre Junho de 1495 e 1498, a sua ação terá sido importante e meritória. A ida a Sevilha ficou a cargo de Don Diego Hurtado de Mendonza, tendo o mestre a incumbência examinar a obra, facto que terá realizado durante o restante ano de 1495 e no início de 1496, após o exame emite um conjunto de informações sobre a obra a Antón Martin e Alonso Rodriguez280.

A partir das informações dadas por Simón de Colonia, as tarefas construtivas centraram-se nas coberturas das naves colaterais, o seu respetivo respaldar e açotear, ações que decorreram sob a batuta de Alonso Rodriguez, entre 1497 e 1499. Pronta esta etapa, já se tornava possível completar o abobadamento do edifício, ação que se concretiza nos primeiros anos do século XVI. Toda esta renovação da catedral hispalense culminaria com o levantamento do zimbório, que infelizmente acabou por ruir.

O importante a destacar dentro deste estaleiro é que a arquitetura aplicada não passa de uma linguagem corrente, simples e sem inovação formal. É certo que não conhecemos o projeto do zimbório, mas conhecemos as coberturas realizadas sob alçada de Alonso Rodriguez e estas são básicas, remetendo-nos somente para uma cruzaria simples com terceletes, recusando sempre uma amplitude formal como a utilização de combados ou terceletes encurvados. Com esta recusa é tão-somente possível dizer que Alonso Rodriguez está bem longe dos predicados formais e de inovação existentes nos círculos do norte de Castela, principalmente do foco de Burgos.

Outra área onde se reflete o movimento arquitetónico tardo-gótico é a zona levantina, principalmente durante a primeira o XV, apresenta-se como um dos locais mais representativos da capacidade de talhar e erguer um

280 Através dos pagamentos é possível observar a disparidade existente entre estes dois

mestres: Simón Colonia tem um soldo de 50.000 maravedis enquanto Alonso Rodrígues somente ganha de soldo 10.000 maravedis.

edifício. Os principais responsáveis por essa destreza são novamente estrangeiros. Só desta forma se pode explicar as inovações conseguidas no campo da arquitetura e, em especial, na temática de coberturas, onde destacamos a Lonja de Mercadores em Palma, a Lonja da Seda em Valência e a catedral de Barcelona. Também é com a vinda dos mestres estrangeiros para os territórios do Levante, da Catalunha e Maiorca, que devemos visualizar as obras de Guillem Sagrera. A escola levantina, tem uma enorme responsabilidade na difusão de formas arquitetónicas, e que se fazem igualmente sentir pela península embora em menor escala que os focos de Burgos e Toledo.

A última região a destacar no período tardo-gótico é a Galiza, na qual Santiago de Compostela ocupa o lugar central. Sem que exista uma escola de cantaria em concreto, o que se assiste, principalmente a partir do século XVI, é à presença de um elevado número de entalhadores franceses por paragens galegas. Certamente, que esta presença se deve às deslocações efetuadas pela rota jacobea, onde terão passado por Burgos. Também, é um facto que neste território galego estão presentes pedreiros da zona de Burgos, nomeadamente quando as obras da Catedral e do Hospital Real são mais intensas. Também no início do século XVI, vamos encontrar um avultado número de pedreiros a residir em Portugal e que, de alguma maneira, são responsáveis pela renovação existente na arquitetura tardo-medieval portuguesa.