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III JOÃO DE CASTILHO: A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE UM MESTRE PENINSULAR.

III. III) AS OBRAS DO HOSPITAL REAL DE SANTIAGO DE COMPOSTELA E O ESTALEIRO DOS IRMÃOS EGAS.

No contexto do objetivo que norteia este capítulo, a compreensão das possibilidades formativas de mestre João de Castilho, vejamos com algum detalhe outro dos estaleiros fundamentais da península ibérica na cronologia que estudamos. Como referido anteriormente, um dos espetos que tem suscitado interesse pela nossa parte ao estudar a figura de João de Castilho, é a sua formação e a sua consequente passagem que tenha efetuado por outros estaleiros do reino de Castela. Como é certo, a formação – crescimento e aprendizagem – traduz-se na aquisição de um conjunto alargado de conhecimento que cada mestre ou oficial transporta ao longo de vários anos e que, de algum modo, se reflete no momento da concretização das formas. Com o intuito de melhor conhecer as possíveis passagens por outros estaleiros por parte do mestre Castilho, tornou-se imperioso investigar outros arquivos para além dos sevilhanos, ao mesmo tempo procurou-se estabelecer uma correlação entre as obras produzidas pelo mestre João de Castilho e os edifícios que erguidos no outro lado da fronteira.

Tal como já referido por outros autores, um dos locais de interesse para a história da arte portuguesa é, sem sombra de dúvida, a cidade

compostelana. Durante o período dos finais do século XV e inícios do século XVI, Santiago de Compostela, assume-se como a mais importante cidade da região da Galiza, facto que se explica através do culto a Santiago e, consequentemente, pelo crescente número de peregrinos que acorrem a este local, tendo como inevitável resultado um profundo desenvolvimento da cidade. Porém, a cidade deparava-se com problemas de acolhimento e de ordem assistencial devido a esse elevado número peregrinos, o que levou as entidades locais a encontrar soluções eficazes que satisfizessem as necessidades, para isso procuram o apoio dos reis católicos.

Nesse sentido, a construção do Hospital Real de Compostela tornou-se uma das obras fundamentais para colmatar as vicissitudes da cidade peregrina. Esta magnânima obra, revela-se um marco arquitetónico na escola de cantaria da Galiza, pois nas fileiras do seu estaleiro é possível encontrar um vastíssimo contingente de oficiais que dominam a arte da arquitetura e observa-se, pelos documentos respeitantes à obra, a existência de um corpo de trabalhadores provenientes de vários pontos do território de Espanha, de Portugal, da Flandres e também de França 347.

Desde os trabalhos de José Maria Azcarate348, passando pelos

contributos de Manuel Lucas Alvarez349, José Maria Catón350, Alberto

347 (...) el primer tercio del siglo XVI contempla la llegada a España de numerosos entalladores franceses que pasan por las obras catedralicias de Burgos y Leon, siguen hacia Santiago de Compostela para engrossar las nóminas Hospital Real y de la Catedral y algunos, incluso, llegan hasta Portugal (...) cf. GÓMEZ MARTINEZ, Javier, El gótico español de la edad

moderna. Bóvedas de crucería, Secretariado de Publicaciones e Intercambio Científico,

Universidad de Valladolid, Valladolid, 1998, p.45.

348 AZCÁRATE RISTORI, José María de, “El Hospital Real de Santiago: la obra y los artistas",

Compostellanum, vol. X, nº 4, Santiago de Compostela, 1965, pp. 507-520. Do mesmo autor

podemos ainda destacar outros importantes trabalhos subordinados ao tema, cf.: “La labor de Egas en el Hospital Real de Santiago de Compostela”, Hommage Prof. Roggers, Bruselas, 1955; “La participación portuguesa en la construcción del hospital real de Santiago de Compostela”. Actas das IIª Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval, vol. 3. Porto, Centro de História da Universidade do Porto, 1989, p. 1055-1059.

349 ALVAREZ, Manuel Lucas, El Hospital Real de Santiago de (1491-1531), Universidad de

Rodriguez Pantin351, Maria D. Vila Jato352 e Rosende Valvés353, é possível,

hoje, reproduzir o ambiente artístico que se vivia naquele no edifício assistencial e o respetivo andamento dos trabalhos.

Em 3 de Maio de 1499, os Reis Católicos custearam o plano para um novo projeto arquitetónico e para o efeito designaram Don Diego de Muros para a obtenção de todos os dispositivos projetuais, assim como eleger o melhor local para erguer a edificação354. Apesar da sua planificação, as obras,

propriamente ditas, não terão começado antes da primavera de 1501 e para esta empreitada são designados os mestres Enrique e Anton Egas.

Os irmãos Egas provêm de uma estirpe de oficiais de pedraria ligada à arquitetura tardo-gótica de raiz hispano-flamenga, podendo, ser mencionados como a segunda geração de arquitetos toledanos. O seu pai e o seu tio, respetivamente, Egas Coeman e Coeman de Bruxelas, são uns dos responsáveis pela introdução desta corrente arquitetónica em território de Castela. Ao crescerem dentro dos mais importantes estaleiros do reino vizinho, permitiu-lhes ainda contactarem com diversos mestres. No caso de Enrique Egas, sabemos que a sua formação fora feita ao lado de Juan Guas, 350 CATÓN, José Maria Fernandez, El archivo de lo Hospital de los Reys Católicos, Inventário de Fondos, Santiago de Compostela, 1972

351 PANTIN, Alberto Rodriguez, Aportación documental sobre la actividad artística compostelana de la primera mitad del siglo XVI. Los fondos del archivo histórico de la Universidad de Santiago, tese de licenciatura apresentada à Universidade de Santiago de

Compostela, 1988.

352 VILA JATO, Maria Dolores, "El Hospital Real de Santiago y el arte portugués", Anales de la

Historia del Arte, Homenaje al Profesor Dr. D. José Mª de Azcárate, 1994. Ainda da mesma autora vide: “El Hospital Real de Santiago: un programa iconográfico de muerte y redención”,

Cuadernos de arte e iconografia, Tomo 6, Nº. 12, 1993; “O primeiro Renascimento Galaico-

Portugués”, Do Tardo-Gótico ao Maneirismo, Galiza e Portugal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1995; “Galicia entre el gotico y el renacimiento”, A arte na Península Ibérica ao

tempo do Tratado de Tordesilhas, Lisboa, CNCDP, 1998.

353 ROSENDE VALDÉS, Andrés, Grande y Real Hospital de Santiago de Compostela. Madrid, Electa, Consorcio de Santiago, 1999.

354 Conforme nos diz Rosende Valdés no seu livro, no ano de 1486, os Reis Católicos

encontravam-se na cidade de Compostela e face às necessidades de assistência aos peregrinos decidiram levantar um grande hospital junto ao complexo monástico de San Pinário, todavia, alguns anos depois esse o projeto foi abandonado.

quando este era mestre-maior da catedral de Toledo, como tal, encontramos, nas formas arquitetónicas deste mestre, um vínculo ao ambiente hispano- flamengo355. Saliente-se ainda que a formação que teve junto do mestre Juan

de Guas, no estaleiro do mosteiro de San Juan de los Reis, permitiu a Enrique Egas comandar o estaleiro da Catedral de Toledo (até ao ano de 1543), sucedendo, de uma forma natural, ao antigo mestre a Juan de Guas356.

A formação e a capacidade arquitetónica que detinham estes dois irmãos permitiu-lhes, especialmente a Enrique Egas357, alcançar um elevado

prestígio junto dos Reis Católicos. A parceria entre estes dois é uma realidade constante, todavia e tal como nos refere Begoña Alonso Ruiz, os Reis Católicos haviam designado para a magna obra do Hospital Real de Santiago de Compostela o mestre Anton Egas, aunque había sido Enrique el encargado de traladarse a dicha ciudad a dirigir las obras, motivo por el cual en muchos casos se le ha adjudicado en exclusividade em mérito del proyecto358. Esta

355 Este gosto em torno do modelo nórdico e flamenco que os reis católicos detêm e procuram

traduzir nas suas obras régias, fica-se a dever-se em grande medida aos contributos de Juan de Guas e do seu estaleiro, facto disso mesmo são as intervenções por ordem régias que ocorrem nos diversos edifícios da cidade de Toledo.

356 (...) hereda de modo casi oficial la dirección de las obras reales más importantes a la morte de Juan de Guas, extendiéndose su actividade al frente de ellas durante lo que podríamos denominar segunda fase del reinado (dos Reis Católicos) (...) vide: DOMINGUEZ CASAS,

Rafael, Arte y etiqueta de los Reyes Católicos. Artistas, residencias, jardines y bosque, Madrid, Alpuerto, 1993, p. 41.

357 AZCÁRATE RISTORI, José María de, “La labor de Egas en el Hospital Real de Santiago

de Compostela”, Hommage Prof. Roggers, Bruselas, 1955; DOMINGUEZ CASAS, Rafael,

op.cit. p. 4.

358 ALONSO RUIZ, Begoña, Arquitectura tardogótica en Castilla: los Rasines, Santander, Univ. de Cantabria, 2003, p. 35. A este respeito diz ainda autora, que não parece plausível que Enrique Egas tenha a capacidade de traçar um tramo como o do cruzeiro do hospital toledano ou a abóbada da capela compostelana, apontando que este mestre era demasiado conservador e que a sua imperícia terá ficado demonstrada na conceção dos tramos da Capela Real de Granada. Esta obra tem o seu início a partir de 1506 e onde o mestre Enrique Egas repete o modelo que já tinha utilizado no mosteiro de San Juan de los Reys. Salienta ainda, Begoña Alonso, que os desenhos são do outro irmão, Antón Egas, que se apresenta face ao seu irmão mais inovador e arrojado nas formas. Não obstante, este facto não invalida a capacidade que detém o mestre Enrique Egas no que toca ao desenvolvimento e construção das formas tardo-góticas, só desta forma se pode justificar a importância que os

situação é por demais comum entre os irmãos, fazendo nossas as palavras de José Maria Azcaráte359, era Enrique Egas que se deslocava por vários

estaleiros régios que, nesse tempo, se erguiam na península onde mantinha a direção das diversas obras. Contrapondo a esta itinerância encontra-se Antón Egas, este mestre raramente encetava deslocações para fora dos estaleiros do mosteiro de San Juan de los Reyes e da Catedral toledana. Face a este cenário, é possível afirmar que, Antón Egas en la mayoria de las ocasiones es la sombra de su hermano360

No que diz respeito ao estaleiro do Hospital Real de Santiago de Compostela, é Enrique Egas que surge na documentação e é a ele que cabe o controlo de todo da construção. Perante a sua ausência do estaleiro, grande parte do ano, o mestre Egas não deixa de visitar, espaçadamente, a construção galega, de modo geral, durante o período de veraneio, designadamente entre 1501 a 1517361. Com da ausência do mestre-maior,

durante o restante período do ano, quem fica nos comandos do estaleiro é o aparelhador Juan de Lemos, homem de confiança do mestre Enrique Egas362.

A par dos mencionados, podemos ainda destacar Gomez Lourezo que, entre 1501 e 1506, tem a responsabilidade de supervisionar a cantaria, ou então Juan Frances que, entre 1509 e 1510, teve sob a sua responsabilidade as obras de pedraria, carpintaria e dos canos da fonte.

A construção do Hospital Real decorre durante toda a primeira metade do século XVI mas são as primeiras duas décadas que determinam

monarcas lhe atribuem e que fica espelhado pelas avultadas somas reais que ganha ao serviço da corte. Sobre a intervenção de Enrique Egas em Granada vide: ALONSO RUIZ, Begoña, “Las obras reales de Granada (1506-1513)”, Cuadernos de arte de la Universidad de

Granada, Granada, nº 37, 2006, pp. 339-369.

359 AZCÁRATE RISTORI, José María de, "Antón Egas", Boletín del Seminario de Estudios de

Arte y Arqueología, Universidad de Valladolid, Tomo XXIII, 1957, pp. 5-17: Seguindo esta

esteira GRILO, Fernando Jorge Artur, Nicolau Chanterene e a afirmação da escultura do

Renascimento na Península Ibérica (1511-1551), Dissertação de Doutoramento apresentada à

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2000, p.75.

360 ALONSO RUIZ, Begoña, op. cit. p.35. 361 GRILO, Fernando Jorge Artur, op. cit. 75-76.

362 A quando da construção dos pátios – 18 de novembro 1509, Juan de Lemos vedor de las

globalmente o edifício. Face ao manancial documental que hoje se conhece e outro que tem vindo a ser descoberto, é hoje possível determinar, com alguma exatidão os diversos momentos construtivos.

Como anteriormente se referiu, as obras, propriamente ditas, começam a 15 de Abril 1501 com abertura das suas fundações e, no mês de Outubro desse mesmo ano, procede-se ao enchimento destas mesmas fundações com cimientos de tierra, conforme se pode ver pela nota de pagamento363.

As obras decorrem com celeridade pois, nos finais de 1509, o edifício estaria em grande parte definido estruturalmente e construído364. Sabemos

que nessa mesma data, a capela do Hospital estava já em fase de acabamento365, restando somente a execução de peças arquitetónicas com

decoração, como o entablamento que ficará a cargo de Pedro de Pona. Coube a Juan Marquina, oficial de pedraria, a execução das janelas e claraboias do corpo superior e o canteiro Pedro de Oryona, limpou e rebocou as paredes da capela.

III. III. I) O HOSPITAL REAL DE SANTIAGO DE COMPOSTELA E