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Guerra Proxy

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 30-35)

2 O CONFLITO NO ORIENTE MÉDIO: CONCEITOS E ABORDAGENS PARA O

2.2 DILEMA DE SEGURANÇA

2.2.1 Guerra Proxy

Antes da própria definição de Guerra Proxy, principalmente para o que concerne o Oriente Médio, é interessante entender condições que auxiliam na criação de uma problemática de segurança nos países em desenvolvimento. Segundo Gunther Rudzit (2005), citando Mohammed Yaoob em sua idéia de State

Building, um fato importante para o grande número de contentas entre os países

emergentes é o processo de formação de Estado. Para o autor, Yaoob enfatiza sua conotação política, uma vez que a maior empreitada dos países não desenvolvidos desde a descolonização é a formação do Estado. De forma simples: o autor

considera que a maior sensação de insegurança destes países está dentro de suas fronteiras, em vez de fora delas. Embora isto não signifique a falta de ameaças no sistema externo, as ameaças internas têm maior visibilidade, sendo estas tais compartilhadas pelos vizinhos e, desta forma, frequentemente transbordadas e transformadas em conflitos interestatais:

As fissuras internas desses países têm ajudado na transformação destes conflitos internos em disputas interestatais, pois elas provêm as oportunidades e justificativas para Estados intervirem em disputas de seus vizinhos. Portanto, a principal causa dessa situação ocorre em decorrência das debilidades desses Estados. Os baixos níveis de coesão social, legitimidade tanto do Estado quanto do seu regime, são as raízes das causas da situação de insegurança em que se encontram os países não desenvolvidos. [...] [Isto] ocorre por estarem nos primeiros estágios do processo de formação do Estado, e devido a falta de tempo que os mesmos tiveram para completar as diversas fases desse processo, ao contrário do que ocorreu na Europa Ocidental e América do Norte. (RUDIZIT, 2005, p. 305)

Para Jervis (1978), a instabilidade interna de um Estado pode representar a seus vizinhos também uma ameaça e, assim, levá-los a intervir nos assuntos domésticos do outro com desculpas de que isto seria, na verdade, uma atitude para cuidar de seus interesses soberanos:

Contudo, qualquer passo falso ou pernicioso dado por qualquer Estado sobre seus interesses internos, pode perturbar o repouso de outro Estado; e este consequente distúrbio do repouso do outro constitui uma interferência nos assuntos internos daquele Estado. Portanto, cada Estado, ou, mais que isso, todo soberano de um grande poder tem o dever, em nome do sagrado direito de independência de todo Estado, de supervisionar o governo de Estados menores e de preveni-los quanto a dar passos falsos e perniciosos em seus assuntos internos. (METTERNICH apud JERVIS, 1978, p. 169, tradução nossa)

Em complemento a esta ideia, Buzan e Waever (2003, p. 311) apontam que o equilíbrio de poder pode ser facilmente distorcido pelos movimentos dos recursos de abrangência global das grandes potências; fazendo surgir, assim, outras variáveis no sistema que alteram seu equilíbrio.

As chamadas Guerras Proxy (Proxy Wars), são conflitos entre países, mas não de forma direta ou sob as bandeiras daqueles que as financiam. São um artifício realista bastante utilizado no Oriente Médio: governos de determinado país financiam guerrilhas ou auxiliam de alguma forma grupos armados (os proxies) dentro dos Estados para que estes sejam enfraquecidos internamente. Ou para que

outros países sejam enfraquecidos através da obstrução de seus interesses no território do primeiro. (BUZAN e WAEVER, 2003) Diz Jervis (1978):

Quando se acredita haver relações muito próximas entre a política doméstica e a política externa ou entre as políticas domésticas de dois Estados, a busca por segurança pode conduzir os Estados a intervir preventivamente na política interna dos outros com intuito de fornecerem uma zona tampão ideológica. (JERVIS, 1978, p. 168, Tradução nossa).

Como se vê este tipo de relação pode ser entre países fortes do sistema internacional ou em uma região – Irã e Arábia Saudita, por exemplo, interveem em conflitos nos países da sua zona de influência na busca por vantagens estratégicas e políticas – mas o que acontece na prática são que os países mais fracos e alvo do interesse externo, separadamente enfrentam guerrilhas que não levam os nomes dos governos que as financiam, e as quais também podem ter objetivos diferentes de seus patrocinadores.

A utilização dos proxies pode ser melhor entendida por meio da aliança entre Irã, o Hezbollah e o Hamas:

O Oriente Médio é dividido em dois polos: De um lado, estão os Estados que prezam pelo status quo regional e apoiam as políticas do Ocidente, principalmente dos EUA, como o Egito, a Arábia Saudita, a Jordânia e Israel. Do outro lado, os países e atores que antagonizam a hegemonia ocidental e a contestam, como o Irã, a Síria, o Hezbollah libanês e o Hamas palestino. (VISENTINI E ROBERTO, 2015, p. 74)

O financiamento destes grupos armados está intimamente ligado com a política externa iraniana, assim como a relação com a Síria.

Tal interação entre os Estados surgiu após a Revolução Islâmica de 1979 – que alterou radicalmente a política externa do Irã com a derrubada do xá persa e o rompimento das relações com os Ocidente e Israel – e durante a Guerra Irã-Iraque. Nessa conjuntura a Síria se encontrava isolada, pois rivalizava com o Iraque e havia rompido relações com o Egito após a aproximação deste com Israel. Ademais, durante o conflito entre o Irã e o Iraque, a Síria se mostrou fundamental para o Irã conseguir vantagem entre 1981 e 1982, como observado na citação a seguir:

Iniciada a guerra, a Síria foi o único Estado árabe a culpar o Iraque e apoiar o Irã. O regime de Assad mandou diversos carregamentos de armas soviéticas a Teerã através de ponte aérea, fornecendo também treinadores militares e dados de inteligência sobre as capacidades de Bagdá. Além de

apoiar o Irã militarmente, a Síria atuou na Liga Árabe bloqueando a formação de uma frente diplomática árabe unida que culpasse o Irã e apoiasse o Iraque. Além disso, em abril de 1982, Damasco decidiu fechar o oleoduto trans-sírio IPC (Iraq Petroleum Company) que passava pelo seu território e que era originário do Iraque, diminuindo os lucros iraquianos com exportação pela metade durante a guerra. (VISENTINI E ROBERTO, 2015 p. 76)

A contrapartida à ajuda veio no mesmo ano, quando israelenses invadiram território libanês durante a Operação Paz na Galileia – deve-se lembrar de que boa parte do território do Líbano faz fronteira com a Síria e esta é, sabidamente, contra a presença de Israel. Desta forma, Teerã, aliado da Síria, passou armar uma nova milícia na região do Vale do Beqaa, na cidade de Baalbek, região libanesa situada perto da fronteira, para que eles auxiliassem a equilibrar o conflito local. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

O grupo promovido com o financiamento de Estados adotou seu nome (Hezbollah) em 1982 e passou a atuar com mais presença dentro da invasão ao Líbano. Os dois objetivos principais da milícia eram: estabelecer uma ordem islâmica no seu país segundo o modelo iraniano e desencadear uma Jihad (Guerra Santa) contra Israel.

O investimento em grupos armados teve retorno e em 1985 Israel começou a se retirar do Líbano e deixar de ameaçar a Síria. Visentini e Roberto (2015) demonstram:

Devido aos altos custos do atrito e a progressiva perda de legitimidade da operação militar – principalmente após os massacres nos campos palestinos de Sabra e Shatila –, Israel começou a se retirar do Líbano em 6 de junho de 1985. Israel, entretanto, temendo que uma revolução islâmica aos moldes do Irã pudesse ocorrer em seu vizinho ao norte, não se retirou completamente e permaneceu ocupando uma “faixa de segurança” no sul do Líbano, onde permaneceu até o ano 2000. (VISENTINI E ROBERTO, 2015 p. 77)

Porém, foi a permanência israelense em solo libanês, em área de predominância xiita, que deu ao Hezbollah legitimidade nacional. Com apoio sírio e iraniano, o Hezbollah permaneceu existindo, já que tomava para si a missão de resistir à ocupação de Israel. E, com o passar do tempo o grupo foi adotando uma postura cada vez mais pragmática e voltada para o próprio Líbano, procurando apoio na sociedade libanesa e, inclusive se tornando um partido político com agenda doméstica, além de milícia armada. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Quanto ao Hamas, o Irã aproximou-se deste depois da primeira Intifada palestina, revolta ocorrida em 1987 contra a ocupação israelense aos territórios invadidos na Guerra dos Seis Dias de 1967. Embora a organização palestina mais conhecida na época fosse a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), uma facção localizada na Faixa de Gaza, Hamas, braço da Irmandade Muçulmana na Palestina, alinhava-se melhor com os ideais iranianos que clamavam pela revolução islâmica. A partir de então, o Irã passou a apoiar o Hamas financeira e militarmente, como já fazia com o Hezbollah. Por intermédio deste grupo, o Irã conseguiu cruzar a fronteira de apoiar apenas grupos xiitas para apoiar-se numa base não sectária, mas política e que visasse à resistência antiocidental. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Este pequeno panorama explica as estratégias de segurança iranianas. Segundo Visentini e Roberto (2015), citando Cordesman (2013) e Wehrey et al (2009), o governo do Teerã dá importante ênfase a capacidades militares assimétricas, conforme demonstrado.

As capacidades assimétricas incluem qualquer tipo de capacidade que seja utilizada de forma irregular e híbrida, indo desde armamentos baratos, leves, rápidos em grande quantidade, até grupos armados não estatais que ajam ao encontro com o interesse iraniano no Oriente Médio. Estes últimos, conforme já citado, são os chamados “proxies”. Eles se tornam importantes ao Irã pelo fato de que seus possíveis agressores são Estados com superioridade tecnológica, como os EUA, Israel, Arábia Saudita e/ou as demais monarquias do Golfo. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Esses dois tipos de capacidades assimétricas – armamentos e os grupos armados não estatais – objetivam impor custos tão altos a um possível agressor que este será dissuadido de atacar, seja tanto pelo fato de ter de enfrentar uma guerra de atrito desgastante ligada ao território iraniano, quanto por tais grupos poderem retaliar contra outros países. Importa notar que esses atores não estatais ligados a Teerã também servem para diminuir o risco de uma escalada em caso de ação peremptória iraniana, visto ser de mais difícil detecção a ligação explícita e direta com o Irã. (...). Inegavelmente, a rede de alianças e relações com grupos armados, além da Síria, dá ao Irã a capacidade em potencial de desferir guerras indiretas e de baixa intensidade contra inimigos ao mesmo tempo em que pode pressionar rivais regionais com ameaças de apoio a dissidentes (CORDESMAN, 2013 apud VISENTINI E ROBERTO, 2015, p. 80)

Com base nos apontamentos nota-se que o apoio a tais atores, fazendo- os proxies, tornou-se um componente importante na manutenção do poder iraniano

no Oriente Médio, contribuindo para sua estratégia de dissuasão ao oferecer, em caso de ataque ao seu território ou a seus interesses, a possibilidade de retaliações em toda a região.

Conforme dito, este fenômeno não acontece somente entre vizinhos, mas também é bem visível na atuação das grandes potências em pontos de seu interesse. De modo geral, durante a Guerra Fria EUA e URSS promoveram diversos conflitos entre os orientais árabes a fim de conseguir vantagens na corrida por se tornarem a hegemonia mundial.

Logo, estas exposições levam a reflexão sobre o quanto um Estado pode influir sobre o outro. E, isto posto, faz-se, então, factível a compreensão do que são complexos de Segurança e porque ocorrem.

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 30-35)

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