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Relações entre Arábia Saudita e Irã

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 40-44)

2 O CONFLITO NO ORIENTE MÉDIO: CONCEITOS E ABORDAGENS PARA O

2.3 RELAÇÕES ENTRE OS ESTADOS DO ORIENTE MÉDIO

2.3.1 Relações entre Arábia Saudita e Irã

A Arábia Saudita e o Irã sempre mantiveram uma rivalidade desde a formação de ambos os Estados. Dentre as causas da concorrência entre eles, entretanto, duas sempre se fizeram presentes: a questão da proeminência religiosa no mundo muçulmano (xiitas e sunitas) e as desavenças em torno dos preços do petróleo depois do início de sua exploração no século XX. Soma-se a isto, o fato de tanto a Arábia Saudita sunita (wahabita) quanto o Irã xiita se auto conclamarem a vanguarda do mundo muçulmano, pretendendo-se, cada um deles, líderes da região islâmica. Diz Spohr (2013):

A própria nomeação do Golfo Pérsico é tema de disputa entre o Teerã o os países do Conselho de Cooperação do Golfo (em sua maioria monarquias árabes). Enquanto as monarquias preferem chamá-lo de Golfo Árabe, o Irã vê nisso uma afronta ao multiculturalismo iraniano e se recusa a aceitar a mudança do nome do golfo, que demonstraria uma perda de poder na espera regional. (SPOHR, 2013, p. 59)

Estes fatores podem ser responsáveis pelas desavenças observadas entre os dois países nas últimas décadas, além de, possivelmente, por diversos conflitos nos países vizinhos em disputas de influência. No texto de Franco (2012):

A Arábia Saudita e o Irã mantêm uma relação inconstante e de disputa por influência no Oriente Médio, sobretudo na região do Golfo. Numa espécie de Guerra Fria há muito travada entre os dois países, o ganho de um é visto como a perda do outro, em um claro jogo de soma-zero (BOUCEK, 2011 apud FRANCO, 2012, p. 13)

No âmbito internacional, na década de 1970, tanto o Irã quanto a Arábia Saudita gozavam de boas relações com os Estados Unidos, que os tinha como pilares fundamentais de sua política na região do Golfo Pérsico. Porém, com o advento da Revolução Islâmica de 1979, que derrubou o regime autocrático iraniano, a interação sauditas/iranianos sofreu um grande abalo: os revolucionários que ascenderam ao poder trouxeram consigo uma postura fortemente opositora das

monarquias, e passaram a desafiar os regimes dos demais países árabes do Golfo (FRANCO, 2012):

Além de uma ameaça para a estabilidade regional, a República Islâmica do Irã passou a representar um desafio às posições internacionais sauditas em suas principais áreas de atuação: seu papel no mundo islâmico e seu poder no mercado de petróleo. (SPOHR, 2013, p. 63)

Este evento, além de representar uma ameaça a monarquia saudita, também causou altercações no território do país. E a estabilidade regional é de extrema importância para este Estado, pois facilita e viabiliza suas atividades econômicas e políticas. (SPOHR, 2013)

Em novembro de 1979, motivados pelos acontecimentos no Irã, xiitas que habitavam a Província do Leste na Arábia Saudita violaram uma proibição contra as manifestações religiosas e iniciaram procissão para celebrar o dia da Ashura (dia do martírio de Husayn ibn Ali, neto do profeta Maomé), comemoração sagrada no xiismo. Naquela oportunidade, os manifestantes carregaram fotos do pai da revolução iraniana, Aiatollá Ruhollah Khomeini, bem como faixas de protesto contra o governo oficial e os Estados Unidos. O regime reprimiu fortemente a procissão, que acabou se estendendo durante três dias e resultou em diversas mortes entre civis (FRANCO, 2012; PALAZZO, 2014). Esta situação causou, além de dor de cabeça para os sauditas, uma desconfiança mútua entre os lados, aumentando a rivalidade uma vez latente.

A partir de então, o regime saudita passou a propagar a ideia de que o Irã era o verdadeiro instigador das massas contra as monarquias do Golfo, responsabilizando-o por seus problemas internos.

Em 1986, protestos de peregrinos iranianos nas cidades sagradas sobre a legitimidade saudita em ser guardiã destas, resultaram em morte de cerca de 400 pessoas e causaram o rompimento das relações diplomáticas entre os países até a subida de Khatami à presidência do Irã, quando os Estados se reaproximaram. (SPOHR, 2013)

Nota-se, portanto, que uma importante ameaça a estabilidade da Monarquia Saud eram os xiitas iranianos, incluso a população xiita dentro de seu território, que habitava principalmente a Província Oriental, onde se desenvolvia a exploração do petróleo. Atualmente o cenário não se alterou, pois, “os xiitas não

gozam dos mesmos direitos dos sunitas, gerando um sentimento de ressentimento e insatisfação com os Saud por parte da minoria religiosa. ” (SPOHR, 2013, p. 33)

Depois, com a guerra entre Irã-Iraque, e a invasão do Irã pelo exército de Sadam Hussein, Arábia Saudita, bem como diversos outros países da região, financiou o conflito (embora esta não fosse muito a favor do Iraque) no intuito de diminuir o poder dos xiitas e neutralizar o discurso de Khomeini; que era forte não só para o povo iraniano, mas para as minorias não representadas dentro de outras fronteiras árabes. Ainda mais, esta guerra e as sanções aplicadas ao Irã, bem como a redução na produção de petróleo do país e as restrições de investimentos estrangeiros, levou a Arábia Saudita a conquistar uma grande vantagem no mercado de energia. Assim, o apoio aos iraquianos no conflito da década de 1980 foi reflexo não só do receio da revolução xiita, mas do intendo saudita em manter o controle regional e interno. (SPOHR, 2013; FRANCO, 2012)

Com a morte do Ayatollah Khomeini, em 1989, as relações entre os Irã e Arábia Saudita experimentaram uma significante melhoria, sobretudo durante o governo de Mohammad Khatami entre 1997 e 2005, que buscou aproximar-se para apaziguar o isolamento do Irã. No entanto, desde a eleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2005, a atmosfera de desconfiança voltou a imperar, sobretudo em razão do programa nuclear iraniano e das ações iranianas em outros países do Oriente Médio, principalmente o Iraque. (FRANCO, 2012; BORBA, BRANCHER, CEPIK, 2012)

Quanto ao Irã, após a crise entre a embaixada estadunidense e o Teerã em 1979, o principal foco passou a ser sua região – a exemplo de seu concorrente. Desta forma, a intenção de expandir os ideais xiitas tomou grande parte da agenda iraniana na década de 80, aproximando o país de diversos grupos islâmicos no Oriente Médio. Os principais focos da política externa iraniana foram: Iraque, Síria, Afeganistão, países do CCG (Conselho de Segurança do Golfo), Palestina, Israel e países que compõe a ECO – Organização de Cooperação Econômica. (SPOHR, 2013). Sobre o último, Spohr (2013) aponta:

Além do Oriente Médio, o Irã busca manter boas relações com seus vizinhos na Ásia Central. Tais esforços levaram a criação da Organização de Cooperação Econômica (ECO) em 1985 por Irã, Paquistão e Turquia. A ECO só atingiu seu atual status para a política externa iraniana a partir de 1992, com a adesão de outros sete membros e aparece como importante espaço de proteção internacional do Irã, que busca cooperar em diversos

setores, entre eles a produção de energia, criação de infraestrutura, conciliação de política econômicas e comercias, etc. (SPOHR, 2013, p. 60)

No que diz respeito ao petróleo, até pouco tempo atrás, a Arábia Saudita figurava soberana no topo da lista de países com maiores reservas de petróleo do mundo (tendo perdido a posição para a Venezuela, em 2011), restando ao Irã o segundo lugar (OPEP, 2010).

Devido às reservas, as maiores documentadas do mundo, Arábia Saudita exerce ainda hoje um papel vital no mercado energético mundial. Por causa disso e do receio de um crescente xiita no oriente, a melhora de sua econômica advinda dos petrodólares fez com que o Estado desenvolvesse uma política mais ativa no mundo islâmico com envio de recursos a outros países a fins de ajudar a melhoria da qualidade de vida de mulçumanos. O país também oferece auxilio para peregrinos que não tem condições de fazer viagem as cidades sagradas. A busca pelo crescimento do islamismo, leia-se wahabismo, levou o regime a financiar a criação de mesquitas e a formação de profissionais dessas instituições. (SPOHR, 2013)

O pan-islamismo, então, também foi uma resposta a criação do pan- arabismo de Nasser e teve resultados positivos para a influência do Estado no mundo árabe. Com essas medidas o país se coloca como centro do islã e tem sua posição fortalecida como líder dentro do Oriente Médio, sendo ameaçado apenas pelo Irã. (SPOHR, 2013)

Ademais, apesar de sua atuação no Oriente Médio, a Arábia Saudita é extremamente dependente do sistema internacional, uma vez que sua economia está intimamente ligada a necessidade mundial de petróleo. Além disso, os sauditas recebem um grande fluxo de peregrinos e têm para com os muçulmanos a obrigação de permitir a entrada às cidades sagradas de Meca e Medina, na região de Hijaz. (SPOHR, 2013).

De posse dessas duas cidades importantes, a Arábia Saudita, justifica a sua “superioridade” no fato de ser o berço do islamismo e da língua árabe. O rei saudita ainda se vangloria de possuir o título de guardião dos dois lugares mais sagrados para a religião. (FRANCO, 2012)

Quanto ao âmbito político econômico, Spohr (2013) explica a interação saudita:

A principal área de influência da política externa saudita é o grupo de monarquias que compõe o Conselho de Cooperação do Golfo: Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã. A cooperação entre esses países no campo econômico (...) e a comunhão de posições para a região, tornam o grupo um especial componente da inserção internacional saudita. A preponderância do reino saudita sobre os demais países lhe confere um maior peso no processo de tomada de decisão desse grupo, especialmente no que se refere ao mercado mundial de petróleo. ” (SPOHR, 2013, p. 47)

O Irã, por sua vez, recorre à sua história antiga para difundir uma supremacia cultural e civilizacional perante os demais países do Golfo. Além disso, confia que possui uma superioridade estratégica e tática na região, mesmo ciente de que não detém o mesmo aporte de recursos financeiros da Arábia Saudita. (FRANCO, 2012)

Disputas a parte, os dois países também têm ensejos onde há cooperação, tais como os canais de diálogo para debater relações bilaterais (a exemplo da Organização da Conferência Islâmica). (BORBA, BRANCHER, CEPIK, 2012)

No mais, a demonstração do porquê da rivalidade entre os dois grandes do Oriente Médio dá luz a relevância da religião nesta área do globo e, mais, expõe a segregação entre os lados do islã. Logo, para que se possa compreender a relação de disputa entre Irã e Arábia Saudita, é primordial saber o que é ser sunita e xiita para um muçulmano. O capítulo a seguir versa de forma breve sobre estas questões.

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 40-44)

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