• Nenhum resultado encontrado

GUERRA IRÃ-IRAQUE

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 58-62)

3 HISTÓRICO DE CONFLITOS ENVOLVENDO IRÃ E ARÁBIA SAUDITA PÓS-

3.2 GUERRA IRÃ-IRAQUE

Antes de adentrar ao conflito em si, é importante para o entendimento das razões iraquianas, explicar rapidamente o contexto do Iraque na época: o país era uma “república” controlada pelo partido Baat (partido socialista da ressureição árabe de origem sunita) que tinha como líder Ahmad Hasan al-Bakr. Ao seu lado, o braço direito, governava Saddam Hussein e ambos conduziam politicamente o país.

Em coincidência com o momento histórico no Irã, no ano de 1979 foram convocadas as primeiras eleições nacionais no Iraque após a deposição da monarquia em 1958. Na prática era necessário preparar Saddan Hussein como sucessor a al-Bakr, visto que o segundo estava doente. Para tal, Hussein precisava se legitimar com os militares e assegurar sua liderança em alguns setores do partido. (EBRAICO, 2005)

Em adendo, salienta-se que a maior parte da população iraquiana era (e ainda hoje é) xiita; o que preocupou o regime, tendo em conta que o país era dominado por uma minoria sunita. “Os xiitas representavam nos anos oitenta 65 a 70% da população, e 10% eram Curdos. A elite árabe sunita de Bagdá era uma minoria em seu próprio centro de poder, respondendo a não mais que 20% da população”. (EBRAICO, 2005, p.55). Além disso, a efervescência de fenômenos ocorrendo no vizinho causou também comoção no Iraque. O Aiatolá Khomeini tentou se aproximar desta população xiita não representada através do iraquiano, Aiatolá Mohammed Baqr al Sadr, decidido defensor da revolução islâmica nos países árabes – este por sua vez foi preso e executado em 1980. Esta intervenção do Irã em “assuntos nacionais” foi tida como uma ação externa nos interesses do país, deteriorando a relação entre os dois Estados.

Desta forma, para se aproveitar da situação, um possível conflito entre os Atores “era visto por Saddan Hussein como uma oportunidade de formar a coesão nacional necessária para legitimar seu governo. Uma guerra teria a capacidade de abafar as dissidências internas de curdos e Xiitas”. (EBRAICO, 2005, p. 55) Além disso, vencer uma guerra contra o Irã e tomar territórios produtores de petróleo, maior ponto de refinarias iranianas, tornaria o Iraque uma potência no Golfo, líder regional do Oriente Médio e ainda o país mais rico em petróleo do mundo. (BERTONHA, 1996)

Portanto, utilizando-se do momento de confusão generalizada no Irã, o ditador iraquiano Saddam Hussein, apoiado pelo Ocidente, visava atacar o vizinho com o pretexto de que o seu governo não inspirava confiança, visto que procurava “exportar” a revolução para outros países do Oriente Médio.

Com ato de guerra em vista, de acordo com Ebraico (2005), em junho de 1979, Iraque invadiu as fronteiras do Irã durante operações contra dissidentes curdos. A partir daí os dois governos seguiram trocando farpas até abril de 1980, quando Irã retirou todo seu corpo diplomático do Iraque e ambos os países colocaram as forças armadas em alerta.

Os demais regimes do Golfo foram em defesa do Iraque temendo a expansão da revolução promovida pelo Aiatolá no Irã. (...). No fim de maio o conflito armado teve início, a força aérea iraquiana atacou o Irã num território próximo a Qasr-e-Shirin, e a partir deste momento, ataques violentos entre os dois países se seguiram. (EBRAICO, 2005, p. 57)

A intenção do Estado iraquiano era obter vantagem do enfraquecimento interno do Irã e da desorganização das forças armadas, bem como do isolamento do país, para recuperar o domínio do Estreito de Chatt Al Arab (saída do rio de mesmo nome para o Golfo Pérsico) perdido em 6 de março de 1975 através do Acordo de Argel, que cedia a margem esquerda do rio da região ao Irã e dividia o local entre as duas nações. Esta fronteira era de extrema importância para o Iraque uma vez que era a única forma de escoamento do petróleo do país. (OLIC, 1991; EBRAICO, 2005) MAPA

É importante dizer que devido a rixa de longa data por Chatt Al Arab, Irã chegou a auxiliar, entre as décadas de 1960 e 1970, os curdos nos conflitos entre o governo oficial do Iraque e rebeliões da minoria étnica. Da mesma forma fez o Iraque para tentar desestabilizar o governo central do vizinho. (OLIC, 1991)

A cessão da margem do rio foi estabelecida, portanto, na esperança que o xá iraniano deixasse de apoiar as rebeliões curdas no Iraque. (EBRAICO, 2005)

Assim, em setembro de 1980, depois de alguns ataques trocados entre as tropas, no dia 22 de setembro, aviões iraquianos atacaram alvos dentro do Irã muito além das fronteiras. O Iraque reuniu forças e realizou uma massiva invasão ao Irã, dominando, até 1982, cerca de 10.000 quilômetros do território iraniano. No ano seguinte, o Irã recuperou quase todo o território perdido e chegou a tomar alguns

locais no Iraque, fazendo com que, em 1983, a guerra entrasse em um relativo equilíbrio de forças. (OLIC, 1991; EBRAICO, 2005)

Para que isto fosse possível, o regime de Assad na Síria, aliada estratégica do Irã, mandou diversos carregamentos de armas soviéticas ao Teerã através de ponte aérea, fornecendo também treinadores militares e dados de inteligência sobre as capacidades de Bagdá. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Além de apoiar o Irã militarmente, a Síria atuou na Liga Árabe bloqueando a formação de uma frente diplomática árabe unida que culpasse o Irã e apoiasse o Iraque. Além disso, em abril de 1982, Damasco decidiu fechar o oleoduto trans-sírio IPC (Iraq Petroleum Company) que passava pelo seu território e que era originário do Iraque, diminuindo os lucros iraquianos com exportação pela metade durante a guerra. A Síria se mostrou fundamental para o Irã conseguir virar a sorte contra o Iraque, o que ocorreu entre 1981-82. (VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Neste interim atuava os EUA com fins de preservar seus “interesses nacionais” na região chamada de o coração do mundo, dada sua importância estratégica não só para a potência ocidental, mas para todos os seus aliados, principalmente os europeus e o Japão. E também para seus inimigos, a URSS.

Os americanos agiam de forma a ajudar o Iraque, devido ao medo de que a Revolução Islâmica espelhasse insurreições nacionalistas pelo Oriente Médio, diminuindo a influência norte-americana no local e, por consequência, aumentando a influência russa justamente onde era produzido o combustível que fazia girar os motores do globo industrializado. Por razões obvias, o país também não podia ajudar um Estado que o declarou inimigo e “a cabeça da serpente ocidental”. (EBRAICO, 2005)

Entretanto, em manobras escusas, o Governo de Ronald Reagan, enquanto discursava contra o Irã para a imprensa, desenvolveu um programa de ações chamado Contra-Irã que permitia a venda de armas ao país persa através de Guerrilheiros na Nicarágua. Assim, o país hegemônico do mundo ocidental se dizia neutro (para evitar intervenção direta da URSS no Oriente Médio), mas também auxiliava ambos os lados do conflito. Um deles abertamente, o Iraque, e o outro de forma velada na tentativa de recuperar seu antigo aliado na região. Claro que a intenção dos EUA era, acima de tudo, a derrota do Irã e a retomada “do controle” sobre o país. (EBRAICO, 2005). Ademais, manter o Oriente Médio instável

impedindo o surgimento de uma potência regional, auxiliava na manutenção do poder americano naquela área.

Tendo dificuldades para avançar a terminar com as batalhas, Iraque decidiu pôr em prática uma nova estratégia de se manter a qualquer custo: fazer uso de armas de destruição em massa, bombardear alvos civis, poços de petróleo e navios que tentassem se abastecer da commodity nos portos iranianos para, assim, cortar a fonte que possibilitava a compra de armas do país persa. A resposta não ficou por menos: alvos civis iraquianos também sofreram ataques em algo que a empresa chamou de “guerra de cidades”. (OLIC, 1991)

Houve neste período também um pedido do Irã para que a ONU verificasse o uso de armas químicas, condenadas desde 1925 no Protocolo de Genebra, por parte do Iraque; fato que, apesar de confirmado por uma comissão enviada pela Organização, não fez com que resolução alguma fosse tomada pelo Conselho de Segurança. “Os membros do Conselho da ONU atribuíram ao Irã a responsabilidade pela continuação da guerra, e acreditavam que ‘sob as mesmas circunstancias, outros, talvez eles, pudessem usar tais armas’”. (KING, 1987, apud EBRAICO, 2005, p. 68)

Então algo de dimensões internacionais aconteceu: a guerra foi ao mar. Iraque anunciou que todo país que pretendesse abastecer no Irã seria alvo de ataques. Irã retrucou dizendo que quem se dirigisse ao Golfo Pérsico poderia ser afundado. Navios de guerra de diversas nações fortes passaram a escoltar as embarcações para abastecimento de petróleo na região. Esta parte do conflito ficou conhecida como “guerra dos petroleiros”.

Vale frisar que, ainda que o objetivo declarado dos EUA no conflito fosse “manter-se imparcial e proteger as nações amigas”, a participação do país americano foi determinante para seu desfecho, pois os navios norte-americanos destruíram pelo menos duas plataformas petrolíferas off-shore e uma boa dezena de navios de guerra iranianos. (EBRAICO, 2005)

Em 1988 a falta de perspectiva de vitória em ambos os lados levou a um acordo orquestrado pela ONU. O fim da guerra manteve as fronteiras internacionais sem nenhuma mudança e teve como resultado um saldo muito negativo para ambos os Estados soberanos, embora tenha transformado o Iraque em uma potência bélica que terminou por atacar o Kuwait dois anos depois. Para o Irã, a morte de Khomeini

em 1989 e a necessidade de recuperar o país levou-o a adotar uma postura política mais moderada. (OLIC, 1991; EBRAICO, 2005)

“O Irã gastou 220 bilhões de dólares para manter seu esforço de guerra, na qual ele teve, além disso, 300 mil mortos e 600 mil mutilados. (...) O Iraque também estava esgotado (180 bilhões de dólares gastos, 200 mil mortos e 400 mil mutilados), mas a situação econômica era ainda pior que a do Irã devido a um agravante, a dívida externa” (BERTONHA, 1996, p. 118)

Com a dívida externa extremamente alta e a falta de perspectiva de tê-la perdoada, o Iraque acabou por enxergar uma saída mais fácil de seus problemas: invadir o Kuwait (maior credor do país, junto com a Arábia Saudita), apoderar-se de seus recursos de petróleo e, ainda, melhorar sua posição estratégica no Golfo Pérsico. E assim o fez em 1990.

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 58-62)

Documentos relacionados