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Interferência norte-americana no Oriente Médio

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 47-53)

2 O CONFLITO NO ORIENTE MÉDIO: CONCEITOS E ABORDAGENS PARA O

2.3 RELAÇÕES ENTRE OS ESTADOS DO ORIENTE MÉDIO

2.3.3 Interferência norte-americana no Oriente Médio

Um excelente exemplo da interferência norte-americana no Oriente Médio provavelmente venha do período da Guerra Fria. Com a transformação do petróleo em uma significativa fonte de matéria-prima para os mais diversos fins, e com as descobertas de importantes jazidas na Península Arábica, os EUA passaram a considerar o local como estratégico para manutenção de sua hegemonia e, por conseguinte, da segurança nacional. A zona também atuava, e atua, como ponto chave de ligação entre Oriente e Ocidente, conforme aponta Ebraico (2005):

O Golfo Pérsico, o coração energético mundial, era de grande importância estratégica para os EUA. Esta região possuía dois terços das reservas mundiais de petróleo e era responsável pelo suprimento energético da Europa Ocidental e do Japão, os aliados mais fortes dos EUA no contexto de Guerra Fria. (EBRAICO, 2005, p. 46)

Deste modo, na tentativa de manter o maior número possível de aliados políticos, a superpotência mundial fez uso de planos de assistência econômica e/ou militar e de acordos bilaterais e multilaterais com os Estados daquele ponto geográfico. Tais planos visavam não só manter um campo de poder dentro destes países, mas conter o florescimento de movimentos nacionalistas e revolucionários surgidos durante o processo de descolonização que poderiam favorecer a URSS. (OLIC, 1991) Dentro destas estratégias estava também a relação de cooperação estabelecida com os dois “pilares” do Oriente Médio, Arábia Saudita e Irã – os dois maiores exportadores de petróleo do século passado.

A Arábia Saudita, por exemplo, na criação de seu Estado era um dos países mais pobres do mundo, sendo a descoberta de petróleo no ano de 1938 o passe para recuperação econômica do país financiada pelos Estados Unidos. A sobrevivência da monarquia, portanto, só foi possível graças ao empréstimos norte- americanos, o que deu início a importante parceria estratégica entre os dois países que perdura até hoje (SPOHR, 2013):

A relação foi então fortalecida através de empréstimos concedidos aos sauditas a partir de 1943 no intento norte-americano de manter o país com as maiores reservas do mundo próximo e dependente. E esta aliança “garantiu a preservação dos interesses estadunidenses sobre a comercialização do petróleo no mundo, apesar de certas tensões na negociação de preços, especialmente na década de 1970”. (SPOHR, 2013, p. 44)

Assim, no contexto de Guerra Fria, com a invasão soviética ao Afeganistão, a Revolução Islâmica de 1979 e a Guerra Irã-Iraque, as crises ocorridas no Golfo Pérsico se mostraram uma grande ameaça ao balanço global positivo dos EUA. (EBRAICO, 2005)

As armas soviéticas, bem como a influência da URSS nos países em desenvolvimento na década de 1970, cresceram de forma a preocupar o Ocidente, principalmente porque boa parte de onde a atual Rússia exercia influência, encontrava-se próxima ao Golfo Pérsico. (EBRAICO, 2005)

Anteriores a isso estavam a retirada da Grã-Bretanha do Oriente Médio, e do Canal de Suez no Egito, e a seguinte crise do petróleo em 1973; o que levou à consideração de que haveria um vácuo de poder perigoso na região. Logo Washington, no governo do Presidente Nixon, desenvolveu uma política para limitar o aumento dos preços do barril de petróleo e para manter-se sempre próximo dos assuntos da Península Arábica. Este acordo entre EUA, Irã e Arábia Saudita ficou conhecido como Surrogate Strategy e garantiu o equilíbrio geopolítico na região até a Revolução Islâmica. (CORREIA, 2009). Para entender isto, Ebraico (2005) esclarece que: “o Irã era o segundo maior exportador do Golfo Pérsico, e em conjunto com a Arábia Saudita representava 48% das exportações da OPEP. ” (EBRAICO, 2005, p. 52).

Esta estratégia também visava impedir que um líder regional surgisse contra os interesses americanos; dessa forma, Arábia Saudita e Irã, serviriam como guardiões dos interesses ocidentais em troca de substancial assistência militar dos EUA e orientação estratégica. (EBRAICO, 2005)

Demonstração desse acordo foram as bases militares estadunidenses por anos mantidas em território saudita, que só foram encerradas em 2003, após a invasão do Iraque. O relacionamento dos dois Estados também foi fundamental para a segurança da Arábia Saudita em uma área do mundo de fortes rivalidades, e a cooperação militar com Washington certamente ofereceu vantagens para o país. (SPOHR, 2013)

O modelo foi seguido até 1979 e segundo esta política os EUA venderam armamentos para o projeto do Xá Reza Phalevi no Irã de transformar seu país numa potência bélica. Para tal, foram comercializados mais de US$ 20 bilhões em armamentos sofisticados na década de 1970, construindo em poucos anos uma potência militar. (EBRAICO, 2005)

Ironicamente, todo este poderio não foi o suficiente para que o Irã enfrentasse seu maior inimigo: seu povo, fazendo com que o regime do Xá caísse em 1979 e assim, fosse finda a aliança EUA-Irã.

A Arábia Saudita era fraca militarmente para manter a Surrogate Strategy sem o Irã e os EUA tiveram que assumir um papel mais direto no Golfo Pérsico para garantir a manutenção de seus interesses.

Portanto, em meados da década de 80, receoso de que o provimento de petróleo fosse prejudicado novamente, o presidente americano Jimmy Carter declarou que qualquer coação externa ao Golfo Pérsico seria considerada um constrangimento aos interesses vitais dos Estados Unidos e que este seria reprimido por todos os meios necessários; inclusive militares. Este princípio de defender o uso da força ficou conhecido como “Doutrina Carter” e marcou a mudança das relações entre EUA e Oriente Médio que desde o fim da Segunda Guerra era pautada na não intervenção direta por poderio militar. (EBRAICO, 2005; FUSER, 2006)

Atualmente, embora os EUA tenham desenvolvido tecnologia e reduzido consideravelmente a dependência do petróleo da OPEP, a commodity ainda é de suma importância para as grandes potências mundiais, muitas aliadas ao país. (EBRAICO, 2005)

Depois, a partir de 1980 e já no governo de Ronald Reagan, aconteceu o conflito entre Irã e Iraque. E os EUA, embora fortemente criticados por Khomeini (também respondiam da mesma maneira na mídia), fizeram um acordo com o país no qual venderiam armas para o Irã. Ao mesmo tempo, na América Central, a potência ocidental poiava um grupo armado terrorista na Nicarágua chamado os Contras, para evitar que este último Estado se tornasse socialista.

Conforme cita Olic (1991):

Os EUA por terem criado uma grande rede de interesses não só junto aos países do Oriente Médio, mas também por quase todo o mundo, ficaram numa situação curiosa: não havia possibilidade de defender todos os interesses ao mesmo tempo, assim como não era possível abandoná-los sem correr o risco do avanço da influência soviética. (OLIC, 1991, p.21)

Neste cenário com duas frentes de atuação, o presidente americano e sua administração criaram um projeto chamado Irã-Contras, o qual objetivava: maior aproximação entre o Estado americano e o Aiatolá Khomeini; conseguir a libertação dos reféns de xiitas no Líbano e financiar os Contras uma vez que as armas

vendidas para este grupo seriam revendidas duas ou três vezes mais caras por eles ao Irã. (EBRAICO, 2005). Esta operação foi desaprovada pelo Congresso americano e, portanto, realizada em segredo.

Importante reforçar que em vez de ajudar o Irã simplesmente, a intenção principal dos EUA era manter o pluralismo geopolítico no Golfo Pérsico, já que o país também vendia armas e oferecia auxilio estratégico e militar ao Iraque.

Uma vez que a Surrogate Strategy havia sido abandonada, o vácuo de poder no Oriente Médio facilitaria a realização de manobras favoráveis aos interesses “nacionais” estadunidenses (EBRAICO, 2005). Tal estratégia, embora os tempos tenham avançado, ainda é fortemente aplicada e isso é demonstrado não só nos entendimentos da Teoria do Dilema de Segurança, mas também exemplificados nos conflitos observados na região árabe até hoje.

Com o fim da Guerra Fria e a invasão do Kuwait, EUA emitiram em vinte de agosto de 1990 a Diretriz de Segurança Nacional nº 45, que versava sobre o Golfo Pérsico. Em suma o documento dizia que o acesso do petróleo aos EUA e aos “Estados amigos” era de importância vital a segurança nacional e que o país se comprometia a defender seus interesses, inclusive com o uso da força contra “interesses hostis”. Conforme aponta Fuser (2006, p. 29-30):

O verdadeiro desafio aos “interesses vitais” dos EUA no Golfo Pérsico não veio de uma superpotência com bombas nucleares e sim do Iraque de Saddam Hussein – um país subdesenvolvido em busca da hegemonia regional, que invadiu o Kuwait em 2 de agosto de 1990 (...) O inimigo declarado na NSD-45 já não era mais um rival externo e, sim, algum ator político do próprio Golfo Pérsico que desafiasse os “interesses vitais” dos EUA.

Esta invasão ameaçava tanto o suprimento de petróleo quando o equilíbrio no Oriente Médio. Assim, Estados Unidos deram cabo ao aviso de intervir diretamente no Oriente e, junto com diversas outras potências do mundo, criou uma coalisão para retirada das forças iraquianas do Kuwait. Entretanto, o retorno do domínio do Kuwait por seu original regime não resolvia por definitivo os problemas enfrentados pelos EUA localmente. Diz Fuser (2006):

Com o fim do conflito, a derrota do Iraque não resolveu o desafio estratégico de garantir a “segurança” regional a partir do ponto de vista de Washington. O Irã, que se manteve à margem do conflito, permaneceu um adversário dos EUA e a Arábia Saudita não possuía nem a capacidade militar nem a disposição para exercer a hegemonia regional em apoio aos interesses

norte-americanos. O impasse levou o governo de Bill Clinton a adotar a política da “dupla contenção” (dual containment), voltada simultaneamente contra o Iraque e o Irã. Dessa maneira, os EUA garantiam uma justificativa para a presença militar nessa região vital para os seus interesses, conforme prescreve a Doutrina Carter. (Fuser 2006, p. 30)

Seguindo a tendência dos governos estadunidenses, o governo de Bill Clinton reafirmou a prioridade estratégica ao controle das fontes externas de petróleo. Em 1997, o secretário de Defesa William Cohen incluiu entre os interesses vitais dos EUA a garantia do acesso desimpedido a mercados chaves, suprimentos de energia e recursos estratégicos. Essa preocupação ganhou grande saliência no governo de George H. W. Bush (“Bush pai”), antes mesmo dos ataques terroristas de 11 de setembro. (FUSER, 2006)

Em 2001, a mudança de governo estadunidense para a liderança de Bush H. W. trouxe mais um elemento à política dos EUA para com o Oriente Médio: o Relatório Cheney. Este relatório falava sobre a política energética americana e sugeria o ‘fortalecimento das Alianças Globais” – o que significava na prática a obtenção de acesso a fontes e petróleo no exterior, diz Fuser (2006, p. 34), “com ênfase na remoção de obstáculos políticos, econômicos, legais e logísticos”. Uma dessas recomendações era que o governo dos EUA pressionasse países a revogarem parcial ou totalmente as leis adotadas no período da nacionalização das concessões petrolíferas (estas estabelecem o monopólio dos seus respectivos Estados nacionais na exploração das reservas de petróleo). (FUSER, 2006)

Quanto as relações com a Arábia Saudita, estas se mantem fortes até os dias de hoje; mas no período imediatamente após os atentados de 11 de setembro de 2001, em que aviões sequestrados pela al-Qaeda atacaram as torres Gêmeas de Nova York a mando do saudita Osama Bin Laden (frisa-se que Bin Laden se dizia contra o regime monárquico Saud também, devido ao fato de este ser aliado dos EUA no Oriente Médio. O visto saudita de Bin Laden foi revogado em 1994 e ele vivia no exílio, portanto não tinha relação com os interesses do governo central). Estes ataques provocaram uma onda de repúdio e preconceito contra os árabes e os muçulmanos. Afora isso, as relações têm sido tranquilas entre o país árabe e os americanos. Inclusive, a dificuldade causada pelo terrorismo foi amenizada com a adesão dos sauditas da Guerra Contra o Terror. (SPOHR, 2013)

Por conseguinte, estas colocações demonstram que os EUA têm como objetivo primordial, ainda nos dias atuais, a manutenção do acesso ao petróleo para

si e para aliados, independente de considerações acerca de soberania de Estados e autonomia de vontades. Se preciso for, como constantemente tem feito ao longo dos anos, seja através de guerras proxy, financiamentos ou mesmo intervenções diretas (e desaprovações da ONU), todas as ações serão tomadas para que o Status quo em favor da potência hegemônica continue imutável.

Logo, os interesses estratégicos da potência americana, bem como de demais países, só demonstram o quanto a situação é complexa e que as soluções de problemas políticos e regionais não são nada fáceis. Talvez este fator ajude a explicar porque as nações nativas do Oriente Médio tendem a recorrer tão frequentemente à guerra na busca por resoluções para seus problemas.

Considerando as explanações acerca dos assuntos pertinentes a política internacional e também a política econômica internacional, faz-se possível que sejam discorridos os principais conflitos ocorridos no Oriente Médio a partir de 1979.

Portanto, o trabalho, deste ponto em diante, procurará descrever como se deram algumas contendas na zona oriental árabe.

3 HISTÓRICO DE CONFLITOS ENVOLVENDO IRÃ E ARÁBIA SAUDITA PÓS-

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 47-53)

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