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PÓS-INVASÃO DOS EUA AO IRAQUE

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 66-72)

3 HISTÓRICO DE CONFLITOS ENVOLVENDO IRÃ E ARÁBIA SAUDITA PÓS-

3.4 PÓS-INVASÃO DOS EUA AO IRAQUE

A primeira década do século XXI trouxe um aumento da influência de Teerã na sua região, principalmente depois da invasão estadunidense ao Iraque em 2003 que iniciou a erosão da influência de Washington no Oriente Médio. A invasão dos EUA ao Iraque em 2003 criou uma nova situação para as relações entre Teerã e Bagdá. Embora o Irã tenha criticado a invasão e temesse a ameaça estadunidense, oportunidades de cooperar com novas lideranças iraquianas e de influenciar no processo de estabilização política surgiram. A presença de uma maioria xiita no Iraque, anteriormente subjugada aos sunitas pelo regime de Sadam Hussein foi um importante elemento. (SPOHR, 2013; VISENTINI E ROBERTO, 2015)

Ademais, a invasão ao Iraque de 2003 pode ser vista com uma política de governo mal elaborada por parte da administração do presidente W. Bush nos EUA. A operação, bem como a ocupação do Afeganistão em 2001, foi resposta aos atentados realizados em território americano no dia nove de setembro de 2001 e resultados da “Doutrina Bush” (exportação da democracia alicerçada no poder militar estadunidense) que visava a Guerra ao Terror e maior participação dos EUA na política externa pós-Guerra Fria.

Em 09 de setembro de 2001, quatro aviões comerciais foram sequestrados por terroristas de grupos fundamentalistas islâmicos. Os sequestradores colidiram intencionalmente dois aviões contra as Torres Gêmeas do complexo empresarial World Trade Center, em Nova York, derrubando-as e também prédios ao redor. O terceiro avião colidiu contra o Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos na Pensilvânia, e o último avião caiu em um campo rural do mesmo estado, após tripulantes tentarem retomar o controle da aeronave – suspeita-se que esta era voltada à Casa Branca. Não houve sobreviventes em nenhum dos voos. 2996 pessoas morreram. (NATIONAL COMMISSION ON TERRORIST ATTACKS UPON THE UNITED STATES, 2004 apud OLIVEIRA, 2014).

Este evento alterou a tendência política dos americanos em manter isolamento político ao conhecido Eixo do Mal (Irã, Iraque, Coreia do Norte e posteriormente a Líbia) para um discurso de atuação mais efetiva, visto a constatação de que os novos inimigos do líder ocidental eram grupos terroristas difíceis de dissuadir. A proliferação de armas de destruição em massa em países

instáveis e de ideologia contrária aos EUA, em conjunto com o patrocínio do terrorismo por seus regimes instáveis, criou um novo nexo de insegurança – esses Estados poderiam transferir armas de destruição em massa (nucleares, químicas e/ou biológicas) às milícias que não teriam problema em usá-las contra os Estados Unidos. (OLIVEIRA, 2014)

Assim, a primeira ação da nova estratégia foi invadir, conforme citado, o Afeganistão para mudança de seu regime um mês após os atentados em Nova York. Isto porque o país, embora não fizesse parte do Eixo do Mal, protegia a Al-Qaeda, grupo fundamentalista responsável pelo planejamento dos ataques em solo americano, e se recusou a revelar a localização dos líderes do movimento em seu território.

Quanto ao pretenso Eixo, dos atores, o Iraque era o mais temido, pois havia uma desconfiança de que este possuísse armas de destruição em massa. Logo, em março de 2003, o país foi invadido e o regime de Saddam Hussein derrubado para que fosse instaurada uma democracia. (OLIVEIRA, 2014) A invasão ao Iraque não só teve repercussões dentro de seu território, mas acendeu a luz de alerta do Irã de que a ameaça dos EUA era real e que estratégias de defesa para conter o país eram necessárias. (SPOHR, 2013)

Portanto, o Irã, que já tinha como estratégia o financiamento de grupos armados para proteger-se e manter uma posição estratégica, fez desse alinhamento ainda mais essencial durante os anos 2000. Quando o país se sentiu pressionado por Washington através das invasões aos seus vizinhos, este passou a cultivar forças anti-EUA tanto no Afeganistão quanto no Iraque, além de reforçar seu apoio ao Hezbollah e ao Hamas. O Estado também intensificou seu programa nuclear, aumentando, desta forma, seu perímetro de segurança. (VISENTINI E ROBERTO, 2015). Ainda sobre este tópico, Spohr (2013) também pontua:

Contudo, a ocupação estadunidense do Afeganistão de do Iraque representa uma ameaça para o Irã pela hostilidade dos EUA para com o Teerã. Em discurso à Assembleia Geral da ONU, Ahmadinejad criticou a permanência das tropas estadunidenses nos dois países, defendendo que o controle pelos cidadãos seja restaurado, uma vez que foram vítimas de regimes autoritários criados devido a intervenções internas”. (SPOHR, 2013, p. 58)

Neste ponto é importante falar que os EUA acreditavam que a imposição de um regime democrático levaria a estabilização e neutralização do Iraque, uma

vez que, de acordo com Bush, as democracias não lutavam entre si e o fato de terem de prestar contas a sua população desestimularia o uso de recursos para fins escusos. Também havia a crença de que uma democracia levaria esta onda para os demais países do Golfo. O que faltou foi uma análise profunda dos problemas domésticos e de como seria feita a manutenção do novo regime.

Assim, em julho de 2003, foi nomeada uma autoridade interina do país, o

Iraqi Governing Council (IGC), que era composto por 25 representantes de seis

partidos políticos, a maioria deles xiitas que estiveram exilados durante o governo de Saddam Hussein. (OLIVEIRA, 2014)

Com esta mudança na balança interna de poder no Iraque, ao final de 2004, um ano após a invasão pelos Estados Unidos, o Rei Abdullah da Jordânia, preocupado com a situação do vizinho, fez declarações que deixaram temerárias as monarquias do Oriente Médio: um Crescente Xiita estaria se formando na região e nenhum país com comunidades xiitas entre suas populações estaria eximido da ameaça que isso representaria. Segundo ele, a Guerra contra o Iraque teria como resultado último a formação de um Crescente Xiita, que se estenderia a partir do Irã em direção ao Iraque, à Síria e ao Líbano. Nas palavras de Franco (2012):

Aquela, no entanto, não foi a primeira vez em que o temor do empoderamento xiita foi externalizado na forma de um discurso promovido por sunitas. Em 1991, após levantes xiitas no Iraque, o clérigo Wahabbi da Arábia Saudita, Sefr al-Hawali, alertou para a formação de um arco xiita a partir do Afeganistão, que se estendia para o Paquistão, Irã, Iraque, Turquia, Síria e Líbado (FRANCO, 2012, p. 10)

A retomada do discurso de 1991 no contexto da invasão do Iraque em 2003 deveu-se ao temor de desfiguração da balança de poder no Oriente Médio. Isso porque, a instauração de um governo democrático em um país de maioria xiita e dotado de grande poder de influência na região representava uma suposta ameaça aos déspotas sunitas que governavam os países vizinhos. (FRANCO, 2012)

No mesmo ano, relatório elaborado pela CIA através da Iraq Survey

Group comprovou que não havia armas de destruição em massa no Iraque e,

portanto, também não havia razão sólida para a invasão. De acordo com Oliveira (2014, p. 32) retórica então mudou: “A Casa Branca afirmava que Estados autoritários eram propensos a fornecer abrigo e armas de destruição em massa para grupos terroristas”.

Em 2005 foram marcadas as primeiras eleições do Iraque e foi eleito o xiita Ibrahim al-Jaafari para Primero Ministro, substituído um ano depois por Nouri al- Maliki, também xiita. (OLIVEIRA, 2014)

Motivações a parte, a intervenção americana e a falta de preparação para lidar com as rusgas étnico-religiosas, auxiliaram na mudança do equilíbrio entre as frentes xiitas e sunitas do país, levando a uma quase guerra civil entre grupos nos anos de 2006 e 2007 (Esta situação só melhorou quando os EUA iniciaram uma estratégia de ação chamada The Surge que enviou 20 mil soldados para reforçar a segurança de Bagdá). (OLIVEIRA, 2014). Os xiitas, que passaram a ser maioria no governo, temiam voltarem a ser subjugados pelos sunitas e estes, por sua vez, tinham medo de represálias pelo antigo regime. Mais ainda se forem consideradas as colocações de Cairus (2015):

No Iraque, os sunitas apesar de minoria, estão presentes em números consideráveis (42%) e historicamente sempre desfrutaram de grande poder. Dessa maneira, a despeito de considerações humanitárias e morais sobre o regime deposto, o equilíbrio de poder e outros arranjos tradicionais no Iraque foram subitamente alterados dando início a um período de ocupação, violência a níveis incontroláveis e massacres sectários mútuos. (CAIRUS, 2015)

Tais fatos levaram a insurgência de grupos iraquianos, em sua maioria de sunitas, desejosos da retirada estrangeira de seu território – Al-Qaeda, por exemplo. A maioria dos grupos acreditava que todos os meios eram legítimos para libertar o Iraque das forças de ocupação e, consequentemente, faziam uso de atentados a alvos civis, principalmente mesquitas xiitas, igrejas cristãs e instituições curdas.

Entretanto, com o sucesso da estratégia The Surge e a diminuição da violência, em dezembro de 2008, os Estados Unidos assinaram um acordo bilateral com o governo iraquiano que previa a retirada completa das tropas americanas do país até 31 de dezembro de 2011. A troca de governo em 2009 e a entrada de Barack Obama, não alterou este alinhamento (OLIVEIRA, 2014):

(...) o presidente anunciou que pretendia retirar as tropas norte-americanas de combate do país até agosto de 2010. Após essa data, haveria uma presença residual de 35 a 50 mil dos 142 mil soldados, principalmente para treinar a força de segurança iraquiana e realizar missões de terrorismo contra a Al-Qaeda no Iraque, grupo terrorista que se tornava cada vez mais ativo. Esses últimos iriam se retirar aos poucos do país até dezembro de 2011, prazo combinado pelo acordo entre o governo Bush e o Iraque. (OLIVEIRA, 2014, p. 51-52)

Esta atitude foi fortemente criticada pela elite iraquiana, não sendo suficiente, pois o país hegemônico sofria grande pressão para retirada das tropas. Principalmente após a comprovação de que não havia armas de destruição em massa no Iraque e o aumento da violência entre os anos de 2006 e 2007. O prazo de retirada foi cumprido.

Porém, a violência interna no Iraque aumentou imediatamente após a saída das tropas norte-americanas do país. Houve diversos ataques à civis por parte dos grupos que tinham sido aparentemente pacificados com a presença militar dos Estados Unidos e as tensões entre sunitas e xiitas, curdos e árabes, mulçumanos e cristãos irromperam novamente frente ao despreparo das forças de segurança iraquiana e à instabilidade institucional do país.

Para ilustrar a situação, no texto de Oliveira (2014, p. 54):

Segundo estimativas da Missão de Assistência das Nações Unidas para o Iraque (UNAMI), 3238 civis foram mortos pela violência armada e em ataques terroristas no país em 2012. Em 2013, esse número subiu para 7818, um índice comparável aos níveis de 2008, durante o período de guerra civil no país (UNAMI, 2014). Holmes (2014) ressalta que esse aumento maior do que 100% no número de civis mortos pela violência interna é em parte explicado pelas respostas mais truculentas do governo de maioria árabe xiita contra manifestantes sunitas.

Entretanto, conforme demonstrado, havia um senso comum entre os árabes de que a instauração de um regime democrático no Iraque fortaleceu o processo de empoderamento dos xiitas, obrigando os governantes a reconhecerem uma parcela até então esquecida da população. (FRANCO, 2012)

A solução encontrada foi o crescente xiita:

A invasão do Iraque significou a queda de um longevo ditador e a instauração forçada de um regime democrático, fazendo do país um possível prelúdio do que os Estados Unidos desejavam que acontecesse em todo o Oriente Médio. Os Estados árabes, portanto, viram-se diante do seguinte dilema: se por um lado precisavam da proteção dos Estados Unidos numa região extremamente instável, por outro se viram compelidos a promover reformas políticas que ameaçavam seus regimes totalitários. A solução encontrada pelo Rei Abdullah para desviara atenção do mundo foi sugerir a formação de um Crescente Xiita que visava a expansão do domínio iraniano – no que foi prontamente acompanhado pelo Egito e pela Arábia Saudita. (FRANCO, 2012, p. 11-12)

Portanto, em um contexto onde o Iraque estava enfraquecido, o Irã despontava como uma nova liderança regional, o que indubitavelmente representava uma ameaça, sobretudo aos países do Golfo. Estes, então, aproveitaram-se da ascensão dos xiitas iraquianos ao poder e da inabilidade dos Estados Unidos em conter o programa nuclear iraniano para livrarem-se de dois problemas de uma só vez. Tanto a onda de democratização quanto a liderança iraniana na região poderiam ser contidas com a difusão da retórica do Crescente Xiita supostamente promovido pelo Irã. (FRANCO, 2012)

No entanto, de acordo com Franco (2012), isso não significou que um bloco xiita estaria se formando para confrontar os sunitas da região. Isto porque, conforme pontua a autora, a população xiita não formava um bloco coeso e monolítico, sendo bastante fragmentada e sujeita a diversas autoridades políticas de interesses distintos. Essa característica faz desmoronar qualquer acusação de que um eixo xiita estaria se orientando a partir de uma lógica militar expansionista.

Ademais, a fragilidade do Iraque na primeira década dos anos 2000, levou não só ao aparecimento de frentes contra a ocupação americana, mas também propiciou, principalmente devido à falta de preparo e engajamento estadunidense, o surgimento de novos grupos armados. Um deles foi o Estado Islâmico (EIIL), formado em abril de 2013 por insurgentes árabes sunitas e antigos combatentes experientes que já haviam lutado em países como Afeganistão, Líbia e Iêmen. A ideia do movimento é estabelecer um califado que englobe o território entre Bagdá e a Síria. (OLIVEIRA, 2014) Para Oliveira (2014):

O grupo é uma ramificação da Al-Qaeda no Iraque e é conhecido por empreender ataques violentos a civis, por meio de carros bomba, atentados suicidas e assassinatos (OTTAVIANI, 2014). A partir de dezembro de 2013, houve um aumento nos protestos de árabes sunitas contra o que eles percebem como discriminação do líderes árabes xiitas, afirmando que são alvo de medidas antiterrorismo por parte do governo central, mesmo não pertencendo a grupos jihadistas. (OLIVEIRA, 2014, p. 61)

Em abril de 2014, ocorreram as primeiras eleições parlamentares desde a retirada completa das tropas norte-americanas. As semanas que antecederam o evento foram muito violentas, principalmente devido a ações do EIIL, mas o partido do Primeiro Ministro ainda foi o mais votado, mantendo a nova configuração do cenário iraquiano e, ainda, trazendo novos elementos de ameaça ao Oriente Médio, visto que o grupo não tem as limitações políticas de um Estado e tem intensões de

anexar áreas em diferentes países da região. Esta dinâmica certamente teve influência dos fatos advindos da intervenção américa. (OLIVEIRA, 2014)

Juntamente com as influências resultantes da invasão ao Iraque, em 2011, novas variáveis acrescentaram temor quanto ao futuro da região árabe. Estas foram as revoltas populares contra os regimes despóticos na busca por mais direitos civis. E, estas são, portanto, mais um ponto de vem alterando a situação geoestratégica no mundo árabe.

No documento Irã X Arábia Saudita (páginas 66-72)

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