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Após realizamos todas as análises dos textos e das atividades envolvendo o SEA presentes nos AEs e, implicitamente, verificarmos sua relação com o lúdico, a concepção de EI e de língua escrita na EI, faltou-nos compreender, em relação à qualidade desses materiais, qual a perspectiva de letramento e a alfabetização que os permeia. Para tanto, traçamos algumas reflexões que nos servissem de referência ou critério para um bom material de ensino visando fazer uma comparação da qualidade esperada dos gêneros textuais e sua relação com as atividades voltadas ao SEA.

Nesta análise, consideramos vários aspectos para procedermos à afirmativa ou negativa de que os AEs atendem as expectativas que se espera encontrar neles, todos baseados nos fundamentos teóricos sobre o letramento e a alfabetização incorporados a esse trabalho. Consideramos, ainda, a quantidade do quadro eixos da LP (quadro 35). Lembramos que esse quadro foi a sintetização da investigação da relação entre os textos e o SEA, distribuídos pelos eixos de ensino da LP. Ainda, consideramos o eixo leitura, acompanhado das perguntas de compreensão leitora e o significado das palavras. Utilizamos também os resultados encontrados do eixo de SEA. O Quadro 37 a seguir indica o quantitativo de atividades do SEA e de Leitura.

Quadro 36 – Comparação entre leitura e atividades de SEA nos AEs

AEs SAB A&B ESC PRO

Leitura 72 99 45 68

SEA 13 29 19 25

Após procedermos a análise da relação entre essas atividades (eixo de leitura e SEA), chegamos ao quadro a seguir.

Quadro 37- Comparação da qualidade esperada entre os textos presentes nos AEs e sua relação com as atividades voltadas ao SEA

Parâmetros de qualidade SAB A&B ESC PRO

Existe uma preocupação para com o alfabetizar letrando ou vice-versa na relação entre os gêneros textuais e as atividades de SEA?

NÃO NÃO NÃO SIM

A ênfase do AE está mais em apresentar textos em diversos gêneros textuais do que em propor

atividades de escrita alfabética?

SIM SIM SIM SIM

Os gêneros textuais da tradição oral são aproveitados

para brincar com as palavras? SIM SIM NÃO SIM

Existe uma preocupação para com o sentido das

palavras desconhecidas nos textos? NÃO SIM NÃO NÃO

São extraídas de algum(ns) texto(s) palavras-chave

para tratar da escrita alfabética? NÃO SIM NÃO SIM

Os textos são utilizados para outras finalidades, além

da finalidade de exploração dos eixos da LP? SIM SIM SIM SIM Após os textos há atividades de compreensão leitora?

SIM SIM SIM SIM

A quantidade de textos implica em qualidade do

letramento infantil? NÃO NÃO NÃO NÃO

Fonte: produzido pela autora (2017)

O Quadro 36 e 37 indicam uma ênfase de todos os AEs apresentarem mais textos do que atividades de escrita alfabética. A princípio, poderíamos considerar que há, de fato, uma preocupação com o processo de letramento da criança. No entanto, ao realizarmos uma análise mais detalhada, percebemos que há um equívoco: não se letra a criança pela quantidade de textos que oferecemos a ela! A seguir apresentaremos nossas considerações em relação aos aspectos presentes no Quadro 37.

Ao analisarmos se existe uma preocupação para com o alfabetizar letrando ou vice- versa na relação entre os gêneros textuais e as atividades de SEA, concluímos que apenas o AE PRO apresentou essa intenção em algumas atividades. Os demais, não indicaram essa preocupação, principalmente, por teremos o foco no uso do texto como pré-texto.

Outro aspecto a ser ressaltado foi a preocupação do todos os AEs em apresentar muitos textos e não explorá-los de forma adequada bem como não propor atividades do SEA, atreladas a eles. Em pouquíssimos momentos estas duas atividades se inter-relacionavam.

Além disso, destacamos que apresentar muitos textos, não consiste como o principal elemento para letrar; seria a variedade dos gêneros textuais agregada a preocupação para com a faceta interativa e sociocultural (SOARES, 2016) o que agregaria qualidade às atividades e poderia promover um avanço da criança quanto ao letramento.

Além disso, destacamos que a qualidade dos textos ficou a desejar e as atividades demandadas a partir deles, também, tais como: exploração de estratégias de leitura de forma restrita (na maioria de localização de informações), textos fora do contexto social de uso, textos fabricados pelos autor dos AEs, dentre outros aspectos. Assim, destacamos que as facetas interativa, sociocultural e linguística precisariam estar em articulação para que a proposta de alfabetizar letrando se efetivasse. O que observamos, em todos os AEs, foi uma ausência da exploração a faceta linguística e um desvio de compreensão quanto a efetivação das demais facetas.

Em relação a este aspecto, lembramos, ainda, que a ‘ditadura do texto’ que veio com o fenômeno do letramento trouxe alguns equívocos: a ausência de métodos de alfabetização, a imputação de culpa ao construtivismo pela não alfabetização das crianças e uso do texto de forma não intencional a fim de garantir o ‘letramento’ das crianças (MORAIS 2012). A busca do equilíbrio entre letramento e alfabetização, mesclados pelas demais linguagens precisa ser encontrado para a EI, principalmente.

As analisarmos se os gêneros textuais da tradição oral são aproveitados para brincar com as palavras, consideramos os comandos a partir dos textos DP e SEA pelo seguinte: já admitimos a importância deste tipo de texto para trabalhar a escrita alfabética, por permitir o brincar com as palavras e o desenvolver da consciência fonológica. É claro que nem todas às vezes um texto DP deva servir a esta finalidade, mas se são propícios a ela não vemos porque não fazê-lo.

Encontramos nos AEs SAB, A&B e PRO textos que poderiam ser utilizados para privilegiar o ensino do SEA; porém, nem todos estes foram explorados com esta finalidade. SAB trouxe, apenas, um texto e, neste, explorou as rimas chamando a atenção das crianças para sua sonoridade e pedindo que identificassem palavras que rimavam com outras. A&B apresentou sete textos e PRO nove textos em que poderiam ser exploradas as rimas e aproveitados para trabalhar as palavras. Porém, conforme já apresentado, as habilidades que envolviam a exploração das rimas não foi muito frequente e destacou-se, apenas, no AE A&B. ESC foi o único que não aproveitou os textos DP, neste sentido.

Analisamos, também, se havia alguma intencionalidade quanto ao trabalho com palavras-chave extraídas de algum(ns) texto(s) para tratar da escrita alfabética. Para isso,

analisamos todos os enunciados antes e após os textos e a sua relação com o SEA. Os resultados indicaram nenhuma intencionalidade nos AEs SAB e ESC e poucas atividades nos AEs A&B e PRO. Mesmo assim, as palavras escolhidas, ao serem trabalhadas, possuíam um foco ou no fonema (A&B) ou na letra (PRO).

Ao analisarmos as finalidades dos textos presentes nos AEs e sua relação com o SEA, verificamos, conforme já apresentado nos Quadros 22 e 23, que estes foram explorados tanto com o trabalho que envolviam habilidades do SEA como para outras finalidades. Relembramos que os resultados foram: A&B (44), SAB (38), PRO (18) e ESC (13) para atividades Outras A&B (40), SAB (16), PRO (25) e ESC (23). Dentre as outras finalidades, encontramos: destaque e cole (adesivos), fazer coleção, montar, desenho, ligar figuras, brincar, pintura, jogos, identificar na cena, contar, cantar e dançar, intertextualidade, traçar números, recorte e cole, ordenar sequência, conversar e promover movimento pela criança. Ou seja, atividades que nem sempre estão envolvidas em um processo de letramento pela sua especificidade e, por muitas vezes, estarem sendo propostas de forma descontextualizada e sem significado para a criança.

Ao analisarmos se os AEs exploravam a compreensão leitora15, os resultados indicaram o quantitativo a seguir em ordem crescente: A&B (13), SAB (7), PRO (2) e ESC (1). Fazemos uma ressalva em relação ao AE PRO porque consideramos, apenas, a aparição das perguntas de compreensão leitora no AE. Este AE, no MP, apresentou em todos os textos questões a serem feitas pelo professor; porém, como nosso critério era analisar o que foi proposto para a criança esse quantitativo não foi considerado. A análise mais detalhada das perguntas propostas indica que: não havia profundidade nas questões; em muitos momentos, as questões não estavam vinculadas adequadamente aos gêneros (pergunta sobre quem é o personagem central de um poema, por exemplo); as estratégias de leitura exploradas se restringiam a localização de informação e assunto do texto com poucas ou raras perguntas que envolvessem inferência, emitir opinião, relacionar partes do texto, dentre outras mais complexas. Destacamos que esse é um aspecto importante na relação entre o letramento e a alfabetização na EI, pois a diversidade dos gêneros e a qualidade das perguntas exploradas em rodas de leitura pode favorece o desenvolvimento da compreensão leitora (REGO, 1998; BRANDÃO e GUIMARÃES, 1997) e, por esse motivo, é fundamental pensar a coletânea de textos e tipos de perguntas na produção de um material pedagógico para crianças da EI.

15

Não acrescentamos exemplos dessas questões aqui pelo fato de este não ser nosso foco nesta pesquisa. O nosso foco era ver a relação entre o letramento e o ensino do SEA apenas.

Finalmente, ao analisarmos se a quantidade de textos implicou em qualidade para o letramento infantil consideramos a quantidade de textos e se eram trabalhados na perspectiva do letramento, o que requer bem mais do que a simples presença dos textos. Levamos em conta, também, nesse aspecto os dados obtidos em todos os eixos da LP bem como as condições de produção nas atividades de textos. Os resultados indicaram que todos os AEs não contribuíram para o letramento na EI, principalmente por: não explicitar as condições de produção dos textos para leitura; não considerar as condições de produção de textos para a escrita dos gêneros textuais; não estabelecer relações adequadas entre os gêneros propostos e as atividades de leitura e de exploração do SEA; não integrar de forma harmônica os eixos em uma perspectiva de construção do conhecimento pela criança, enfatizando apenas a reprodução deste, dentre outros aspectos. Assim, destacamos que não basta apresentar um material colorido, ricamente ilustrado e, em alguns casos, abarrotados de textos; a preocupação para com a qualidade envolve os aspectos que apontamos e outros que certamente nos escaparam na análise.

Desta forma, reafirmamos nossa preocupação com a adoção de um AE na EI tendo em vista, muitas vezes, ele se tornar um guia para o professor que poderia estar se utilizando de materiais disponíveis no cotidiano, em suas aulas, de forma lúdica, contextualizada, significativa e adequada. Portanto, concordamos com Morais (2012) quando afirma que ainda há um problema a ser resolvido na alfabetização do nosso país, incluindo as crianças da EI, quando estas não conseguem dominar a tecnologia da leitura e da escrita dentro de um período de tempo que se compreende como ideal.

E é, justamente, neste contexto que aparecem os ‘pacotes’ permeados por livros, tais quais os AEs. A maioria das soluções propostas, por mais bem intencionadas que pareçam ser, possuem um interesse mercadológico por trás. Surgiram do mercado editorial com, na maioria das vezes, a intenção de solucionar o problema da alfabetização e do ensino de um modo geral, conforme pesquisas que já discutimos apontaram. Assim, os AEs parecem pretender ditar o currículo, como devem ser as aulas e as metas que estados e municípios devem atingir (CHIMELLO e BUNZEN 2013).

Destacamos, assim, que as concepções subjacentes ao material e a qualidade das atividades podem não compensar o investimento neles feitos, como pudemos refletir nas análises apresentadas neste trabalho. Além disso, a ênfase no ‘letramento’, apregoada nas coleções, deixou, em vários momentos, a desejar e houve muito pouca preocupação para com a realização das atividades do SEA de forma significativa e articulada ao que vinha sendo

proposto em cada unidade ou tema tratado na coleção os quais, geralmente, se apoiam em textos.