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2 GENEALOGIA DA MEMÓRIA SOCIAL: AS BASES PARA A

2.1 DE EMILE DURKHEIM A HENRI BERGSON: AS BASES PARA

2.1.2 Henri Bergson: a duração e percepção na conservação da memória

Para a construção da teoria sobre a memória coletiva, Halbwachs fundamentou-se também nas pesquisas de Henri Bergson, que foi seu primeiro mestre. Ele tomou três noções básicas da teoria daquele filósofo para a suas reflexões sobre a memória coletiva, mesmo se contrapondo a alguns pontos apresentados por ele. O sociólogo contestou, por exemplo, a proposição de Bergson (1999) sobre a conservação da memória e sua relação com a matéria, em contraponto a sua abordagem sobre a evocação das lembranças que se localizam fora do indivíduo, ou seja, nos quadros sociais.

A primeira noção teórica encontrada neste autor é a duração que vai ser referência para o debate sobre o sonho no 1º capitulo do livro “Les Cadres sociaux de la memoirie” (1925) e serve de base para a discussão de tempo e devir relacionado ao marco social do tempo da memória34. Neste sentido, Cordeiro (2015, p. 37) afirma que “o tempo definido como duração seria, portanto, não quantificável, indivisível, e assim incomensurável”.

A outra noção conceitual é a “percepção das imagens e sua relação com a memória” (CORDEIRO, 2015), que não tem relação direta com a teoria halbawchiana, mas ajuda a refletir sobre a construção da memória a partir da matéria (memória/sonho) e da intuição e a memória em si, que, para Bergson (1994), aparece em duas formas de classificação: a memória/hábito e a imagem/recordação e, por último, a própria noção de memória concebida por este autor, que traz uma abordagem fenomenológica35 sobre o tema, discutindo a dualidade da memória e sua relação com o espírito, a matéria, o passado e o presente.

A primeira noção, referente ao tempo/duração, consiste na mudança constante da realidade. Bergson (1927) analisa esta categoria em duas obras: “Dados imediatos da consciência”, onde afirma que há duas concepções possíveis da duração – uma pura de toda mistura que é inerente ao homem, “o tempo não seria algo pensado, mais vivido” (BERGSON, 2011, p. 16); e a outra que intervém indiretamente é a ideia de espaço,

34 Sobre a análise da duração e sua relação com o devir e o conceito de ritmoanálise, ver Barchelard (1978). Para

a noção da duração relacionada à memória inserida no contexto do espaço urbano, ver Rocha e Eckert (2011) e as pesquisas realizadas pelo seu grupo de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

relacionada ao tempo quantificável. Em “Matéria e Memória” (1999), o tempo real é entendido como a capacidade do espírito de atualizar o passado, inscrevendo-se no presente, ou seja, a própria duração é memória.

Para este autor, a duração totalmente pura é a forma que a sucessão dos nossos estados de consciência adquire quando o nosso “eu” não estabelece uma separação entre o estado presente e o passado. Há também uma duração real, em que momentos heterogêneos se interpenetram, podendo cada momento aproximar-se de um estado do mundo contemporâneo que é exterior, e separar outros momentos por efeito dessa aproximação da comparação. Para Bergson (2006, p. 47), “a duração é o progresso contínuo do passado que incha à medida que avança”. Assim, o passado está em constante movimento e se conserva permanentemente.

A duração dará o entendimento de como podemos recuperar as lembranças, mesmo estando em um tempo presente. Bergson (2006) explica que ao se conservar por si próprio, nos acompanha durante toda a nossa história de vida. No entanto, uma boa parte do nosso passado permanece escondida no inconsciente, pois o nosso cérebro funciona de forma a recalcar parte deste passado quase na sua totalidade, ou seja, não conseguimos lembrar tudo, mas apenas daquilo que nos é útil no presente.

Para a recuperação das lembranças, é preciso colocar-se no passado, ou seja, a apreensão das lembranças só acontece através de movimentos que ela faz ao manifestar-se em imagens presentes para se materializar em um estado atual. Segundo Bergson (1999), estes movimentos são: a distensão e a contração. O primeiro faz o esforço de trazer para o presente o passado que é evocado; e o segundo o contrai, retendo as lembranças que não se adéquam àquele momento36. A este respeito, Gurgel (2012) argumenta que:

Se o esforço que empurra para o presente a maior parte de passado possível fosse interrompido, se houvesse uma distensão total, haveria uma ausência de memória e de vontade, ou seja, uma existência feita de um presente que recomeçaria sem cessar, onde não haveria mais duração real, e sim apenas o instantâneo (GURGEL, 2012, p. 79).

Segundo Cordeiro (2013, p. 105), o conceito de duração acaba por imprimir uma ontologia a ele próprio, “pois diz respeito à natureza da realidade, expressando uma mudança incessante”. Dessa forma, a duração é apresentada como algo que é dado à nossa consciência sem qualquer intermédio, em atitude de contração do espírito sobre si mesmo (BERGSON,

2006, p. 2). Entende-se que essas mudanças são constantes e ocorrem ao longo da vida, em função de informações provenientes das percepções/representações.

Neste sentido, Bergson (2005, p. 2) afirma que: “Não há representação que não se modifique a todo o momento; se um estado de alma parasse de variar, sua duração deixaria de fluir […]. A verdade é que mudamos sem parar e que o próprio estado já é mudança”.

Para Deleuze (1999, p. 39)37, a duração é memória, consciência e liberdade; e ela é consciência e liberdade porque é memória em primeiro lugar. Esta identidade da memória com a duração é apresentada por Bergson (2006), como acumulação e conservação do passado no presente, pois o presente traz a imagem crescente do passado, que dá testemunho constante da memória que cada indivíduo carrega consigo. Gurgel (2012, p.79) destaca que, “[...] a memória, por sua vez, recobre com uma capa de lembranças as percepções imediatas, ao mesmo tempo em que contrai em si uma multiplicidade cada vez maior de momentos”.

A duração, neste sentido, não consiste apenas em uma série de instantes idênticos, mas a uma sucessão de instantes que vão se constituindo um após o outro, pois, um momento seguinte sempre contém outro que lhe precedeu e a lembrança que lhe corresponde. Deleuze (1999, p. 39) conclui que há duas memórias ou dois aspectos da memória que são a memória lembrança e a memória contração.

Neste mesmo viés, temos a questão: Como as lembranças se conservam? Para tentar respondê-la buscamos refletir sobre o que Bergson (2006) afirma sobre Matéria e Memória, na compreensão do passado não como algo que já se foi ou deixou de existir, mas como aquilo que deixou de agir, ou seja, deixou de ser útil; como algo que passou a ser inútil ou inativo. Não se trata de afirmar que ele era, pois ele é parte do ser em si; e a forma pela qual o ser se conserva em si (DELEUZE, 1999, p. 41), em contraposição ao presente, onde o ser se consome e se opõem fora de si.

Aqui dialogamos com Bosi (1994), quando faz referência ao ato de lembrar pelos mais velhos e afirma que eles têm mais tempo para lembrar devido ao seu tempo livre e não produtivo como antes, ao contrário do jovem, para quem “viajar pelo passado” e rememorar episódios ou acontecimentos de um tempo passado só será útil quando ele está em um momento de deleite com amigos ou parentes. Para este autor, não importa “o que foi” ou “como foi”, mas “o que

37 Este filósofo estudou a teoria de Bergson, inclusive a discussão sobre a duração, a qual ele aprofunda em duas de

é”, “como é”, “o que será” e “como será”. O presente seria a ação: ele não é; ele age, pois possui um elemento próprio que é o ativo, o útil – ele é puro devir (GURGEL, 2012, p. 81); já o passado é o tempo todo – ele vive eternamente.

Bergson (2006) orienta que para relembrar algo precisamos dar um salto ao nosso passado mais geral e logo depois em uma região específica deste passado. Segundo o autor, este salto faz com que nos instalemos de súbito no passado, sem percebermos as coisas em nós, mas onde elas estão; assim como não apreendemos o passado no presente, mas sim onde ele está em si mesmo. Deleuze (1999) afirma que o passado é contemporâneo ao presente que ele foi. E este paradoxo se explica porque:

O passado jamais se constituiria, se ele não tivesse se constituído inicialmente, ao mesmo tempo em que foi presente. Há aí como que uma posição fundamental do tempo, e também o mais profundo paradoxo da memória: o passado é contemporâneo do presente que ele foi, se o passado tivesse que aguardar para já não ser, se ele não fosse “passado em geral”, desde já e agora que se passou, ele jamais poderia vir a ser o que é ele jamais seria este passado. Se ele não se constituísse imediatamente, ele não poderia ser depois reconstituído a partir de um presente ulterior (DELEUZE, 1999, p. 45).

Como explicar este paradoxo de forma prática, relacionando a nossa experiência de rememoração? Bem, ao evocarmos nossas lembranças buscamos um período mais geral do nosso passado, por exemplo, a nossa infância, a adolescência ou um período temporal em que estes momentos se inserem. Daí então, partimos para uma lembrança específica deste momento, seja da infância, da adolescência, da velhice ou de outro momento qualquer.

Esta lembrança38 só é possível porque aconteceu em um determinado momento da nossa vida que deixou de existir e se tornou passado. Este momento que um dia foi presente não existe mais, no entanto, o passado permanece e coexiste com o presente, mas ele só se manifesta quando acionado pela necessidade da lembrança. Sendo assim, “o presente age e não para de passar e o passado não para de ser e por ele passam todos os presentes ” (DELEUZE, 1999, p. 45).

Com base neste argumento, podemos entender que existem intervalos de coexistência entre o passado e o presente, e que tenham diferentes níveis de profundidade, mas cada um compreende a totalidade do passado, podendo estar mais dilatado ou mais contraído, mais próximo ou mais distante do presente. Quando precisamos relembrar de algo e damos o salto

38 Segundo a teoria de Halbwachs, esta lembrança pode ser conservada no âmbito do grupo familiar devido aos

para o passado, significa que nos reportamos a regiões de diferentes níveis de contração desta duração, mas cada uma dessas regiões sempre contêm todos os acontecimentos pretéritos de nossas vidas. Deleuze (1999) alega ainda que:

A ideia de uma contemporaneidade do presente e do passado tem uma última consequência. O passado não só coexiste com o presente que ele foi, mas se conserva em si, ao passo que o presente passa. É o passado inteiro integral, é todo o nosso passado que coexiste com cada presente (DELEUZE, 1999, p. 46).

A metáfora do Cone da Memória de Bergson (1999, p. 178), como mostra a Figura 2, pode representar este estado de coexistência do presente e do passado. No entanto, “[...] tal estado implica, enfim, que figure no próprio passado toda sorte de níveis em profundidade, marcando todos os intervalos nesta coexistência” (DELEUZE, 1999, p. 46). “Desta forma, o passado AB coexiste com o presente S, que compreendem as percepções e representações do presente, mas ao mesmo tempo comportam nele mesmo os pares A’B’; A”,B”, que vão medir os diferentes graus de aproximação ou distanciamento em relação ao presente S.

Figura 2 - Representação do Cone da Memória de Bergson. A B

Fonte: Adaptado de Bergson (1999, p.178).

Nesta representação, cada um dos pares compreende a totalidade do passado em níveis mais ou menos dilatados e mais ou menos contraídos. Sendo assim, “S” evoca as imagens do passado e estas se materializam no presente, portanto, na base estariam as lembranças que “descem” para o presente quando acionadas; e no vértice estariam os atos perceptivos do presente, que se sustentam na representação atual do universo.

Ao mesmo tempo, as durações do passado e do presente se articulam para que o passado seja conservado, quando necessário. Isto mostra que, para Bergson, a duração se define menos pela sucessão do que pela coexistência destes dois tipos de memória. Outra noção teórica formulada por Bergson (1999) foi de percepção está impregnada de lembranças e vice-versa; e isso significa memória e percepção, ambas como “fenômenos de representação que se interpenetram e se bastam a si mesmas” (BERGSON, 1999, p. 81). Desta forma, a percepção:

Não se faz presente a não ser tomando emprestado o corpo de alguma percepção onde se insere. Estes dois atos, percepção e lembrança, penetram-se, portanto, trocam sempre algo de suas substancias mediante um fenômeno de endosmose39 (BERGSON,

1999, p.70).

Segundo Bosi (2003, p. 37), no estudo da memória não se pode falar apenas em percepção pura, mas distinguir entre a percepção concreta e complexa, pois a percepção pura do presente seria um conceito limite do que significa uma experiência corrente de cada um de nós. Por conseguinte, Bosi (1994, p. 44) afirma que a experiência da percepção é rica em consequências, como resultado de estímulos não devolvidos ao mundo exterior na forma de ação. Para o autor: “A percepção aparece como um intervalo entre ações e reações do organismo: algo como um “vazio” que se povoa de imagens as quais, trabalhadas, assumirão a qualidade de signos da consciência [...]” (BOSI, 1994, p, 45).

Neste sentido, surge uma questão colocada por Bergson (1999) na obra “Matéria e Memória”, “em relação à experiência da percepção: o que percebo em mim quando vejo as imagens do presente e evoco as do passado?”. Em resposta a este questionamento, ele afirma que: em um primeiro momento, a percepção do corpo é o sentimento de corporeidade do sujeito, assim como a percepção do meio físico e social que o circunda, ou seja, a memória estaria relacionada ao corpo, e que a matéria seria o primeiro elemento da percepção e a partir dele se constituiriam as imagens/lembranças.

Para Bergson (1999), as lembranças aparecem como imagens que se assemelham às formas “reais”, porém a percepção dessas imagens está relacionada à subjetividade desta percepção, visto que elas não estão no presente e sim em um momento que passou. Sendo assim:

39 Endosmose [s. f. (fis.)]: Dupla corrente que se estabelece entre dois líquidos ou gases de diferentes densidades

e suscetíveis de se misturarem através de uma membrana orgânica ou de placas porosas. Na Filosofia, Bergson emprega este termo como uma metáfora do processo em que percepção e memória se interpenetram.

Só poderá subsistir entre a percepção e a memória uma simples diferença de grau, e tanto numa como na outra o sujeito não sairá de si mesmo. Restabeleçamos, ao contrário, o caráter verdadeiro da percepção; mostremos, na percepção pura, um sistema de ações nascentes que penetra no real por suas raízes profundas: esta percepção se distinguirá radicalmente da lembrança; a realidade das coisas já não será construída ou reconstruída, mas tocada, penetrada, vivida [...] (BERGSON, 1999, p.72-73).

A lembrança é criada juntamente com a percepção, que está relacionada ao presente e à própria realidade. Segundo Bergson (2003, p. 50), entre estas duas categorias há uma diferença de intensidade e não de natureza, neste sentido, significa que a percepção seria considerada um estado forte e a lembrança um estado fraco. Para o autor, isto se explica pelo fato de que o passado é essencialmente virtual e jamais poderemos alcançá-lo, a não ser pelas imagens no presente (BERGSON, 2003, p. 49). A ativação da memória no presente parte da sua percepção e consciência individual, e só ocorre por que:

O mecanismo cerebral é feito precisamente para recalcar a quase totalidade do passado no inconsciente e só introduzir na consciência o que for de natureza que esclareça a situação presente, que ajude a ação em preparação, que forneça, enfim, um trabalho útil (BERGSON, 2003, p. 48).

Considerado este argumento de Bergson (2003), percebe-se o funcionamento da memória individual quando se acessa os sujeitos narradores, quando estes muitas vezes não conseguem relembrar o seu passado, sendo necessário o uso de artifícios para tal, como já discutido em referência à duração. O processo aqui é o mesmo, no qual o passado se conserva, mas não como foi vivenciado inicialmente, pois ele possui um invólucro que o protege até que venha à tona e se reatualize em função das exigências da ação. As imagens do passado não são dispostas de forma ordenada como “gavetas de arquivo”, porém as lembranças estão presentes na consciência, mesmo estando ausentes da realidade concreta. Como explica o autor:

A lembrança pura, com efeito, é por hipótese, a representação de um objeto ausente. Se for numa certa atividade cerebral que a percepção tinha sua causa necessária e suficiente, essa mesma atividade cerebral repetindo-se mais ou menos completamente na ausência do objeto, será o bastante para reproduzir a percepção: a memória poderá, portanto, explicar-se integralmente pelo cérebro (BERGSON, 1999, p. 80).

No entanto, pode ser possível que o cérebro condicione a lembrança, mas esta ação não seja suficiente para assegurar a sobrevivência do que lhe diz respeito na percepção rememorada, mais na ação do que a na representação. Conclui-se, com isso, que o cérebro desempenhava o papel da própria percepção, de assegurar a ação eficaz sobre o presente (BERGSON, 1999). Neste aspecto, pode-se pensar na memória como movimento ou como ação, definida por Bergson como memória hábito, sobre a qual trataremos mais adiante.

O presente não deixa nenhum vestígio na memória, cuja impressão que se tem na imagem do passado e na consciência é resultado da impressão causada pela lembrança reavivada, considerando-se que esta seja a própria percepção ressurgindo de forma mais simples, como explica Bergson (2003, p. 50). Ao exteriorizar-se, o passado associa-se com a percepção do presente e agrega-se aos dados imediatos existentes nos sentidos, misturando a estes os detalhes das experiências passadas, das quais permanece apenas uma pequena parte da lembrança.

Aos dados imediatos e presentes dos nossos sentidos nós misturamos milhares de pormenores da nossa experiência passada. Quase sempre essas lembranças deslocam nossas percepções reais, das quais retemos apenas algumas indicações, meros signos destinados a evocar antigas imagens (BERGSON, 1999, p.183).

Neste sentido, Bosi (1994; p.47) corrobora esta afirmação argumentando que o passado se mistura às percepções imediatas, deslocando-as para ocupar o espaço da consciência onde a memória então aparece como força subjetiva profunda e ativa, latente, oculta e invasora. Dessa forma, à medida que as lembranças se aproximam mais do movimento e da percepção exterior, a operação mnemônica adquire uma importância prática maior.

A percepção pura é apresentada por este autor como a subjetividade total, que é desprovida de memória e não reflete na vida cotidiana, além de sua projeção ser instantânea, ou seja, ela ocorre como um flash quando recebe a imagem, e então já se torna passado. Portanto:

Na fração de segundo que dura a mais curta percepção possível de luz ocorreram trilhões de vibrações, a primeira das quais está separada da última por um intervalo enormemente dividido. Sua percepção, por mais instantânea que seja, consiste, portanto, numa incalculável quantidade de elementos rememorados e, na verdade, toda percepção já é memória. Na prática percebemos apenas o passado, sendo o presente puro o inapreensível avanço do passado roendo o povir. (BERGSON, 2003, p. 90).

Como exposto anteriormente, a percepção pura torna-se lembrança pura. Ela é a representação de um objeto ausente através de uma imagem que não pode ser vista no presente, mas é percebida como imagem do passado e conservada na consciência. Neste ponto está a principal divergência entre Bergson e Halbwachs – este último contrapõe a ideia de conservação do passado e de que as imagens-lembranças são evocadas. Neste sentido, Bosi (1994, p. 46) explica que, de um lado existe a teoria bergsoniana, centrada no princípio da diferença entre percepção e ideia, que surge de um presente corporal continuo; e, de outro, há o fenômeno da lembrança, explicado por uma dinâmica focada na reconstrução do passado e não em sua conservação, com ênfase na relação do sujeito com o seu meio social.

A última argumentação teórica de Bergson (1990, p. 187) está relaciona à teoria de Halbwachs, ou seja, à noção de memória. Este filósofo caracterizou a dinâmica da memória da seguinte forma: “[...] no que concerne à memória, esta tem por função primeira evocar todas as percepções passadas análogas a uma percepção presente, recordar-nos o que precedeu e o que seguiu, sugerindo-nos assim a decisão mais útil” (BERGSON, 1990, p. 187). Neste sentido, Bosi (1994) considera que:

A memória teria então uma função prática de limitar a indeterminação do pensamento e da ação e de levar o sujeito a reproduzir formas de comportamento que já deram certo [...] a percepção precisa valer-se do passado que de alguma forma se conservou (BOSI, 1994, p. 47).

Então, a memória seria essa reserva crescente a cada instante, que dispõe da totalidade da nossa experiência adquirida. Como afirma Cordeiro (2015, p.3 8), para Bergson não há