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História (e) política: Maria de Fátima Bonifácio e a historiografia portuguesa

No documento História e historiadores no ICS (páginas 99-109)

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Maria de Fátima Bonifácio nasceu em Ovar, em 1948, e estudou em Lisboa, na Escola Alemã, e no Porto. Segundo uma entrevista que deu ao jornal Público,1 habituou-se a contactar com a Inglaterra quando

jovem, na década de 1960, e politizou-se durante os cerca de dois anos (Maio de 68 incluído) em que conviveu com a extrema-esquerda, em Genebra. A autora assume, sem complexos, o seu esquerdismo de ju- ventude, que opõe ao facto de hoje se autodefinir como «muito, muito, muito, muito conservadora». A oposição é só aparente. A militância po- lítica em Genebra foi expressão do «desejo» anarquista de «endireitar o mundo», mas recusando sempre o modelo de «obediência soviética». Ora, para quem nunca foi estalinista, não deve ter sido complicado evo- luir de anarquista para «muito liberal, muito individualista» – naquele sentido que Isaiah Berlin consagrou na sua expressão liberty from. E tanto é assim que Fátima Bonifácio, hoje, diz ser a liberdade pessoal «sagrada» e que mais escolheria «uma sociedade desigual livre do que uma socie- dade igual não livre».2

A reflexão política entrou portanto na sua vida aos vinte e poucos anos, ainda antes da reflexão histórica – mas este nexo, entre política e história, ou entre história e política, é central para se compreender a evo- lução intelectual subsequente. Tendo ingressado na licenciatura em His- tória na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1972, foi nela que Fátima Bonifácio viveu o 25 de Abril, a radicalização revolucionária e a normalização democrática. Segundo o seu relato, nesses anos pôde ver mais «coisas», num mundo «muito mais complexo do que supunha»,

1Público, 29-1-2012, acedido em http://anabelamotaribeiro.pt/maria-de-fatima-boni-

facio-86534 a 21 de Abril de 2015.

de uma maneira mais «objetiva» e mais «sábia» – e isso «moderou-me».3

No pós-revolução, nos últimos anos do curso, fez a passagem da esquerda para a direita, numa evolução que significou o desejo de intervir na so- ciedade e no país não pela política, mas pela história. Na entrevista ao Público que tenho estado a citar, Fátima Bonifácio afirma que «a História para mim funciona como um ersatz para a política. É uma palavra alemã que significa ‘substituição’. Se não fizesse História, iria para a política». Ser ou fazer política não a seduzia, por tudo o que isso quotidianamente implicaria; mas sucede que a história – continua a autora – «na medida em que é uma expressão do que eu penso sobre o mundo, é também uma maneira de agir no mundo. Digamos que é uma forma mediata de fazer política, [pois] não há história politicamente inocente».4

Eis aqui enunciadas, desde já, algumas características da escrita histó- rica de Fátima Bonifácio: se é certo que se trata de um discurso que não escapa ao que a própria descreve como «o bias de inclinações filosóficas quase instintivas», ele é no entanto impermeável «à má-fé» ou a qualquer contaminação «tendenciosa».5Uma outra forma de fazer política; uma

história com um ponto de vista, que escolhe objetos de estudo ou temas pela capacidade que estes têm de nos obrigar a pensar: é isso que pode- mos aprender na obra e na autora aqui homenageda. Não é aliás por acaso que Fátima Bonifácio sempre fez história política – porque mesmo quando fazia história económica e social, lembrava aos seus alunos que muitas das questões da economia e da sociedade não têm uma explicação causal determinista, sendo mais compreensíveis a partir de um ponto de vista da sua contingência político-ideológica.

Finalizada a licenciatura, em 1977, Fátima Bonifácio ingressou no an- tepassado do ICS, o GIS, Gabinete de Investigações Sociais, em 1978. Em 1981-1982, o GIS tornou-se ICS, e a autora passou a acumular fun- ções de assistente de investigação com as funções de assistente docente, a convite de Joel Serrão, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde faria as provas de aptidão cientí- fica e pedagógica, em 1982, e onde completaria o doutoramento, em 1990, e as provas de agregação, em 1997. Encerrou a lecionação na Uni- versidade Nova em 2006, e jubilou-se, como investigadora coordenadora do ICS, em 2013. Porque não pertenço ao Instituto de Ciências Sociais, e só de fora me habituei a admirar a instituição, estou à vontade para

3Público, 29-1-2012. 4Público, 29-1-2012. 5Público, 29-1-2012.

dizer que um dos aspetos que mais moldaram a persona académica e in- telectual da homenageada foi o ambiente do ICS e a figura inspiradora de Adérito Sedas Nunes. Mais do que uma vez vimos escrito nos seus li- vros, e eu várias vezes ouvi, referências ao ICS como uma escola com tempo e completa liberdade para estudar, investigar e escrever, onde o debate é rico e igualitário, onde se é avaliado pela qualidade e não pela quantidade e onde, existindo isto tudo, «só a asneira não [é] livre».6Foi

aliás, recordo, Fátima Bonifácio quem me apresentou o ICS quando, era eu seu aluno, me chamou um dia no fim de uma aula para me mostrar um número da Análise Social que tinha, entre os seis textos da secção de artigos, quatro trabalhos de história. «Leia-os porque lhe vão ser úteis», disse-me. E não foi só o ter conquistado mais um leitor o que a revista do ICS ficou a dever à autora, dado que Fátima Bonifácio foi membro da redação, do Conselho Consultivo e do board of referees da Análise Social e ali tem mais de uma vintena de artigos ou recensões publicados.

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Tal como analiso a obra historiográfica de Maria de Fátima Bonifácio, ela divide-se em dois tempos, de que a fronteira, ao menos simbólica, foi o ano sabático de 1991-1992, ocupado em Oxford, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian. Entre o início dos anos 1980 e o início dos anos 1990, a sua investigação (e lecionação) centrou-se fundamen- talmente em temas de história económica e social, sobre os quais cedo fez impender uma Weltanschauung ou uma Verstehen políticas – vocábulos germânicos que algumas vezes lhe ouvi e que significam ‘mundivisão’ e ‘compreensão’.7No seu artigo académico de estreia, em 1981,8iniciou a

revisão das velhas teses de Albert Silbert e de Victor de Sá, que estabele- ciam leituras sociológicas do setembrismo e do cartismo, e que a uma e outra destas correntes endossavam, de forma dicotómica, opções de po- lítica económica e diferentes responsabilidades na história dessa macro- questão então dominante que era o atraso nacional. Durante dez anos, culminando na sua tese de doutoramento, em 1990, depois resumida,

6Maria de Fátima Bonifácio, «Admirável universidade nova», Atlântico, 18, Setembro

de 2006, 16.

7Maria de Fátima Bonifácio, «Apologia da História Política», in Apologia da História

Política. Estudos sobre o Século XIX Português. Lisboa, Quetzal, 1999, 33 e 86.

8Maria de Fátima Bonifácio, «Os arsenalistas da Marinha na Revolução de Setembro

em 1991, no livro Seis Estudos sobre o Liberalismo Português, Fátima Boni- fácio desmontou aquela ortodoxia marxizante, enfrentando, com polé- mica, outros colegas da academia.9

Qual a visão alternativa que ofereceu? Centrando o olhar sobre a parte política da economia nacional de Oitocentos como mais do que um mero reflexo de adquiridos económico-sociais, apurou que o país, setem- bristas incluídos, estava longe de ser tão livre-cambista como se supusera e que portanto o import-export «desnacionalizador», de tão minoritário e geograficamente limitado, de pouco servia para sustentar a tese do atraso nacional por dependência e servilismo em relação à Inglaterra. Foi para este combate pela história – empregando a expressão de Lucien Febvre – que, às vezes, lembra a autora, foi um combate pela verdade factual ex- pressa nos documentos, que Fátima Bonifácio estudou os arsenalistas de Lisboa, a Associação Comercial do Porto ou a política alfandegária na- cional (as «pautas»), em cotejo com a política externa inglesa na Europa ao longo da primeira metade do século XIX, ao mesmo tempo que recen- seava a sociologia histórica e os modelos revolucionários de Theda Skoc- pol, escrevia sobre o comprometimento cívico dos historiadores, a pro- pósito de António Sérgio, e ia cimentando ideias sobre como – e cito uma frase sua de 1982 – «considerar o político na sua reconhecida auto- nomia (relativa)».10Onde outros viam divisões sociológicas nítidas nas

fações da política liberal oitocentista, a autora passou a ver uma confli- tualidade revolucionária endémica que havia que explicar de outra ma- neira. Foi isso que definitivamente reorientou a sua carreira académica para o universo da política, das ideias e das instituições do século XIX, si- nalizável num dos seus melhores artigos, «A guerra de todos contra todos (ensaio sobre a instabilidade política antes da Regeneração)», dado à es- tampa em 1992.11

Fazer história política ou, mais rigorosamente, fazer história de um ponto de vista político, implicou novos temas e objetos de estudo e, ato contínuo, o que tão bem caracteriza a sua obra e a faz ser indispensável – uma reflexão atenta e continuada sobre as condições, os métodos e a identidade do ofício do historiador. Para fazer história e pensar sobre a história que se faz, o seu discurso sempre rumou contra ideias feitas, não

9Ver, sobretudo, «A via protecionista do liberalismo português (Política económica e

relações luso-britânicas antes da Regeneração)», in Seis Estudos sobre o Liberalismo Português. Lisboa, Estampa, 1991: 19-50.

10Maria de Fátima Bonifácio, «A Revolução de Setembro de 1836», Análise Social, 71,

1982, 332.

hesitando em ressuscitar o essencial – de factos, métodos e quadros epis- temológicos – no meio do ruído acessório que foi invadindo e descarac- terizando este particular e sensível ramo do conhecimento humano. Foi isso que levou a autora, algumas vezes, a uma assumida exposição pes- soal, ao escrever sobre os tipos de história que os historiadores fazem e sobre o tipo de história que os historiadores mais deveriam fazer.

A reflexão sobre a historiografia foi assim uma importante parte da obra redigida ao longo dos anos 1990. O filão começou com um texto mar- cante, em 1993, intitulado «O abençoado retorno da velha história».12

Anos mais tarde, em 2007, Fátima Bonifácio recordaria esse artigo como o texto sinalizador da sua «libertação dos cânones historiográficos impos- tos pelas várias novas histórias a partir dos anos setenta do sé culo XX».13 Que velha história era aquela, cujo regresso se saudava? Era a história na aceção mais clássica de um discurso narrativo que aborda, e cito, o «con- creto», o «singular», a «ação», o «acontecimento», o «contingente», em suma, o «indivíduo e os indivíduos» entendidos como «campo de co- nhecimento específico da história [...] essencialmente impermeável à ciência social»14, e que por isso mesmo renuncia à suposta objetividade

de uma história-ciência social total. Se aquela «velha história» estivera obscurecida por outros cânones historiográficos, tal ficara a dever-se, para a autora, ao influxo excessivo de questões, métodos e olhares das ciências sociais sobre a história, por intermédio do qual muitos tentaram conferir à segunda um «estatuto epistemológico mais elevado».15Acontece que

essa busca apenas servira para diluir a identidade da disciplina e para a fazer «adoecer», envolvida em temas alheios ao seu enfoque mais natural. Minorar o influxo das ciências sociais no campo da história não signifi- cava, no entanto, empurrá-la para o reino da efabulação literária. Por aqui se vê a natureza da história que Fátima Bonifácio quis reavivar: um co- nhecimento que está fundado em regras incontornáveis de heurística, cujo cumprimento é a garantia da verosimilhança e da validade do que se escreve, e que se apresenta, ao cabo de uma hermenêutica empática das coisas, sob um registo literário.

Se a história por que Fátima Bonifácio se distingue é mais literária do que científica, é porque essa opção lhe pareceu ser a melhor via para o

12V. Análise Social, XXVIII (122), 1993, 623-630.

13Maria de Fátima Bonifácio, Estudos de História Contemporânea de Portugal. Lisboa,

ICS, 2007, 9. Neste volume foi republicado o texto «O abençoado retorno da velha his- tória», 209-218.

14Bonifácio, Estudos..., 211. 15Bonifácio, Estudos..., 209.

ofício sair do gueto académico em que o hermetismo de muitos investi- gadores e o respetivo jargão científico o tinham acantonado. O que depois viria de livros e artigos ficou assim enunciado há mais de vinte anos – que uma história humana, redigida em registo literário, oferecendo «uma opinião informada sobre o mundo»,16só seria alcançável através de uma

aposta no renascimento e no exercício do que a autora já considerava, neste texto, ser a forma mais adequada do discurso histórico: a narrativa.

Lançada como manifesto em defesa da liberdade e da humanidade da história e do olhar do historiador, a defesa da velha história conheceria mais desenvolvimentos, que culminariam em dois outros textos. O pri- meiro é a «Apologia da história política», um longo ensaio de ego-histó- ria, que deu título a um livro de 1999, e cuja motivação e tese a autora assim resumia: «dada a reserva desconfiada com que nos meios acadé- micos geralmente se vê a narrativa política, leviana e erradamente depre- ciada como um simples registo de insignificâncias evenemenciais, entendi que era necessário explicar-me».17Qual o seu mote? A afirmação «de que

está longíssimo de ser líquido que a Nova História ou História-Ciência- -Social se tenha tornado científica, nada autorizando, por conseguinte, que em nome dessa cientificidade, afinal tão contestável e contestada, se haja proscrito a história política narrativa debaixo da falsa alegação de que ela nada explicaria».18Aceitando existirem, e válidas, «maneiras não

científicas de saber»,19encarando a história como past politics e a sua es-

crita como uma narrativa cujo objetivo era «a recriação plausível de um mundo possível»,20Fátima Bonifácio desenvolvia, nesse texto, uma de-

núncia do relativismo pós-moderno, zeitgeist dominante nas sociedades e universidades ocidentais desde há algumas décadas a esta parte.

Tal militância continuou, nesse mesmo ano de 1999, no artigo «A nar- rativa na época ‘pós-histórica’».21A partir de uma analogia com o esti-

lhaçamento de modelos estéticos na pós-modernidade artística, Fátima Bonifácio abordou aqui a questão do ressurgimento da narrativa como caminho a trilhar para a reconsideração da história no campo das huma- nidades. Se o assunto específico da história é «a dimensão épica da exis- tência humana», e se a estrutura da memória e das percepções de senso comum com que a humanidade se conduziu, em várias épocas, é linear

16Bonifácio, Estudos…, 217.

17Bonifácio, «Apologia da História Política»..., 10. 18Bonifácio, «Apologia da História Política»..., 11. 19Bonifácio, «Apologia da História Política»..., 114. 20Bonifácio, «Apologia da História Política»..., 86.

e causal, segue-se que a narrativa é «o modo espontâneo como se orga- niza e se confere sentido à experiência humana».22Elevando-se acima da

simples recoleção événementielle, a narrativa histórica tem uma «dimensão configurante», de «juízo sinóptico»23e de olhar empático de conjunto,

que explica narrando, porque narrar é contar mais e melhor. Fátima Bo- nifácio acrescentava mesmo que para quem não se contentava com as «conclusões» da sociologia ou da economia, e gostava antes de redesco- brir os «ensinamentos» da história, o narrativismo servia até a demanda de sentidos morais para cidadãos conscientes.24

Política e narrativa, como objeto de estudo e método expositivo, assu- miram-se assim como as características identitárias da segunda metade da sua obra – isto para não me alongar sobre um tipo específico de nar- rativa histórica em cujas definição e valorização académicas a autora muito se empenhou, que foi a biografia, escrevendo sobre os seus desa- fios, dificuldades e méritos e testando o seu registo e virtualidades com várias figuras.25Considerando apenas os seus catorze livros até à data,

doze inscrevem-se nestes quadros. Se era já político o estudo sobre as Memórias de José Jorge Loureiro (1986), tudo foi narrativa política a partir da História da Guerra Civil da Patuleia (1993). Em pouco mais de uma década, a autora publicou Apologia da História Política, em 1999, O Sé - culo XIX Português, em 2002 (depois alargado e reeditado em 2010 sob o título A Monarquia Constitucional (1807-1910)), a Segunda Ascensão e Queda de Costa Cabral, 1847-1851, também em 2002, D. Maria II, em 2005, Ma- dame de Staël-D. Pedro de Souza. Correspondência, em 2006, Estudos de His- tória Contemporânea de Portugal, em 2007, Uma História de Violência Política. Portugal, 1834-1851, em 2009, as Memórias do Duque de Palmela, em 2011, e Um Homem Singular. Biografia Política de Rodrigo da Fonseca Magalhães, em 2013. Se aos catorze livros se somarem mais umas quatro dezenas de artigos, recensões ou papers, alguns inéditos, apresentados tanto em Por- tugal como no estrangeiro (Inglaterra e Espanha), alcança-se a soma de umas quatro mil páginas, com que Fátima Bonifácio enriqueceu o nosso conhecimento histórico e se constituiu como referência incontornável sobre a contemporaneidade nacional, muito em particular sobre um hoje algo desvalorizado século XIX.

22Bonifácio, Estudos..., 229-230.

23Bonifácio, «Apologia da História Política»..., 116-117. 24Bonifácio, Estudos..., 239.

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Recordemo-lo: a história é um ersatz da política, uma forma mediada de fazer política. Como Maria de Fátima Bonifácio afirma, os temas e as personagens que estudou e estuda servem para extrair ensinamentos sobre o mundo deles e também sobre o nosso, no que esses ensinamen- tos têm de intemporal. Estudar as eleições ou o parlamento oitocentistas ajuda a compreender, ainda hoje, a sobressaliência do governo e do Es- tado na vida dos partidos políticos e na sua alternância; estudar D. Maria II ou Rodrigo da Fonseca Magalhães ajuda a compreender, ainda hoje, atavismos ou desafios da vida política nacional, como a construção e a fragilidade do poder ou a incapacidade para o compromisso entre os seus agentes; estudar o Estado Novo – e refiro-me neste particular à incursão que Fátima Bonifácio fez pela historiografia do salazarismo, num texto de 199926– ajuda a compreender do que é que falamos quando falamos

sobre fascismo e sobre as especificidades do autoritarismo e do subde- senvolvimento que marcaram o país durante décadas, com resquícios até aos dias de hoje.

História (e) política levaram Fátima Bonifácio a escrever regularmente para vários jornais, fazendo opinião e, de caminho, amigos e inimigos – n’O Jornal, no Expresso, no Independente, no Público ou no Observador. Não faz sentido discutir aqui o comentário político que a autora tem expen- dido na imprensa, porque é pessoal e não académico. Mas isso não sig- nifica, e por isso muitos as leem, que cada uma dessas colunas de opinião não revele e não releve de um conhecimento histórico original e sólido que sustenta o que a autora diz sobre a atualidade. Quero com isto di - zer que a indústria dos colunistas tem-nos, muitos, com pouca espessura e muita agenda pessoal, e menos com espessura e sem agenda pessoal, ou seja, com conhecimento de raízes e independência de juízo. Fátima Bonifácio está entre estes últimos.

A meio caminho entre a coluna de opinião e o artigo académico, devem ainda referir-se os ensaios que escreveu para a revista Atlântico, como «A nostalgia fracturante» (2005), sobre as desventuras da direita portuguesa nos últimos duzentos anos, ou «Admirável universidade nova» (2006), um texto que não é de ataque contra a sua Universidade Nova, onde ensinou durante 26 anos, mas contra alguns aspetos hoje ca- racterísticos do ensino superior em geral. Este último tema levar-me-ia

26Maria de Fátima Bonifácio, «Historiografia do Estado Novo», in Dicionário de História

de Portugal (Suplemento), orgs. António Barreto e Maria Filomena Mónica. Porto, Livraria Figueirinhas, 1999, vol. VIII, 187-198.

muito longe, mas não posso deixar de destacar a lucidez e a justeza de alguns dos reparos feitos pela autora, neste texto e noutras ocasiões, acerca das universidades e das condições de investigação e de reconheci- mento das humanidades. Que «admirável universidade» (o título encer-

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