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Para contribuir com uma melhor aplicação dos valores e princípios da educação intercultural e multilíngue no ensino de línguas, o Fórum de Políticas para os Direitos dos Alunos a uma Educação Igualitária e de Qualidade21, realizado em novembro de 2010 na

20 O Caderno de atividades de Intercompreensão em Línguas Românicas será visto com mais detalhes no tópico

3.2.1.

21 Forum politique Le droit des apprenants à la qualité et l’équité en éducation – Le rôle des compétences

Suíça, preparou um documento22 com ideias e propostas desenvolvidas como recursos de referências à educação intercultural e que se encontra publicado em uma plataforma na internet. No documento do Fórum, o que denominam de uma educação plurilíngue e intercultural,

[...] responde ao direito de todos à educação de qualidade; habilidades, conhecimentos, disposições e atitudes; diversidade de experiências de aprendizagem, a construção individual e coletiva da identidade cultural e que ao mesmo tempo serve para aumentar a eficácia do ensino e melhorar a contribuição das lições para o sucesso escolar das populações mais vulneráveis, bem como para a coesão social (FORUM POLITIQUE, 2010, p. 3).

O texto do documento é construído em três etapas: primeiro oferece princípios de construção ou melhoria de mudanças didáticas e pedagógicas no currículo escolar que considera os efeitos da educação multilíngue e intercultural; em seguida, apresenta um aprofundamento sobre como identificar e integrar o conteúdo curricular e os objetivos específicos dessa proposta educacional, respeitando as especificações de cada uma das línguas envolvidas; apresenta, ainda, ferramentas e listas de referência para os formadores por meio de materiais de leitura disponíveis na plataforma anteriormente mencionada.

O termo competência multilíngue é definido como a capacidade de mobilizar variados recursos linguísticos e culturais para atender às necessidades de comunicação ou interação, e se refere ao repertório que cada indivíduo possui acerca dos recursos adquiridos em todas as línguas conhecidas ou aprendidas e às culturas associadas a esses idiomas. A competência intercultural, por sua vez, é apresentada como uma capacidade que permite estabelecer ligações entre a aprendizagem cognitiva e afetiva às novas experiências que vão desempenhar um papel de mediação entre os participantes em, no mínimo, dois grupos sociais e/ou culturas, ou mesmo à possibilidade de questionar aspectos geralmente considerados como evidentes em seu próprio grupo cultural.

Andrade, Melo-Pfeifer e Santos (2009) apresentam algumas possibilidades de trabalho com a intercompreensão na educação básica, especificamente o que compreende, no Brasil, o nosso nível de educação fundamental – que vai até o 9º ano de ensino. Com base em curtos projetos de intervenção nesse nível, foi observado, por exemplo, em uma escola primária pública portuguesa, a capacidade de crianças em identificar várias línguas românicas por meio do contato com uma estória escrita em diferentes idiomas, descobrindo algumas semelhanças e diferenças entre elas, e até mesmo sendo capazes de construir uma noção de

22 Guide pour le développement et la mise en œuvre de curriculums pour une éducation plurilingue et

família linguística, pela descoberta de raízes latinas. Sendo esses procedimentos guiados por professores, o trabalho permitiu que essas crianças compreendessem melhor o funcionamento

da língua, “as suas especificidades, as suas semelhanças, as suas relações, as suas histórias e os contatos que mantiveram com diferentes universos linguísticos” (ANDRADE, MELO-

PFEIFER e SANTOS, 2009, p. 291).

Quanto à aprendizagem de línguas, Byram & Zarate (1994) destacam o processo político-cultural, em particular, como fator fundamental, uma vez que a linguagem, sendo utilizada como intercâmbio social, implicará em que as atitudes e motivações dos alunos em relação ao aprendizado da língua alvo aos falantes da língua e sua cultura afete na maneira como eles responderão à atividade a que são expostos. Em outras palavras, essas variáveis afetivas podem determinar o ritmo e o grau de aprendizagem da LE e da LM.

O aspecto cultural mostra-se, nesse contexto, como sendo fundamental para o desenvolvimento de experiências comunicativas, uma vez que, segundo Hutchinson & Waters (1996), a essência da aprendizagem consiste em ligar novas informações ao conhecimento prévio sobre determinado tópico, a estrutura ou o gênero textual, de forma que as estratégias de aprendizagem e a construção dos significados dependem da habilidade do aprendiz em refletir, controlar, planejar, monitorar a compreensão e revisar os usos dessas estratégias.

Exemplo dessa habilidade pode vir da leitura como fonte de diversos tipos de informação sobre uma língua, o povo que a fala e sua cultura, sendo o contexto ideal para apreensão de vocabulário e sintaxe em contextos significativos, permitindo ao aluno a assimilação das novas informações apresentadas, tornando esse contexto como sendo também importante e fundamental à expansão do conhecimento, além de explicitar uma função maior para o ensino de LE nas escolas públicas, qual seja: ajudar o aluno a se inserir, enquanto cidadão, em um mundo plural ou mesmo melhorar o seu desempenho em habilidades na sua própria língua.

Embora não tenhamos encontrado experiências que apontem para trabalhos longitudinais sobre o assunto, os quais apresentassem um sistema educacional de ensino público ou privado com uma disciplina própria de ILR (em sua totalidade na literatura e produção científica em didática de ensino de línguas ou na área de estudos da linguagem) e considerando o ineditismo deste projeto comprovadamente atestado na fase de acompanhamento da pesquisa (detalhes no capítulo 4), destacamos relatos bem sucedidos em áreas como didáticas de línguas para o ensino de línguas estrangeiras e em estudos sobre o próprio plurilinguismo.

Essas experiências práticas relatadas em vinte anos, mesmo que não apareçam no âmbito da inserção de uma disciplina específica na matriz curricular de qualquer um dos ciclos da educação para a finalidade de aperfeiçoamento da aprendizagem em língua materna, apontam para experimentos vitoriosos com a inserção dessa abordagem em escolas, principalmente na Europa, dada a heterogeneidade das turmas de grande parte dos países dessa região, mesmo com a finalidade de facilitação do processo educacional como um todo, bem como da comunicação.

Nesse sentido, Budach, Erfurt e Kunkel (2008) apresentam algumas perspectivas internacionais sobre a educação plurilíngue, mostrando que por meio de uma compilação de experiências em escolas da França, China, Suécia, Estados Unidos, Suíça, Alemanha, Romênia e Espanha, são ilustradas as contribuições de aspectos culturais e interacionais do bilinguismo e plurilinguismo.

Esses autores criticam a forma tradicional do ensino de línguas que não contempla esse novo estágio da nossa história marcado pela globalização que, principalmente no final do século XX, tem pressionado as escolas à adaptação a um novo currículo educacional no qual a linguagem apareça como fator central dentro de outros elementos que permitem e integram mudanças demográficas, geopolíticas e linguísticas.

A esse respeito, Cortier e Meglio (2005; 2008) defendem o modelo multilíngue educacional, indicando que as normas linguísticas que são permitidas ou integram elementos de várias línguas românicas propiciam a ideia de uma sociedade que reflete essa linguagem comum no seu próprio plano regional, trazendo, então, um olhar para as línguas anódinas. Parece-nos estranho o tipo de classificação recorrente de línguas como sendo mais ou menos importantes, ainda mais quando trabalhamos a língua como a identidade de um povo, no entanto, sabemos que essa separação é real e infelizmente aceitável por muitos linguistas de acordo com a mensuração do status quo de línguas mais utilizadas em processos comunicativos universais.

Gogolin e Neumann (2007), por sua vez, apresentam resultados interessantes sobre um programa com duração de quatro anos, realizado na Alemanha, que aponta para uma evolução na motivação e aprendizagem de estudantes imigrantes que estudavam em algumas escolas em que se adotava o projeto em um modelo de aprendizagem que incluía a LM desses alunos – português, italiano, espanhol e, posteriormente, o turco – no processo de aprendizagem. Mesmo com a limitação da pesquisa no controle de grupos monolíngues, o estudo foi capaz de evidenciar e validar um novo desenho educacional que pode, no futuro,

ajudar a confirmar o que programas desse tipo é capaz de desenvolver nos alunos no âmbito da aprendizagem de línguas.

Não temos dúvidas quanto às possibilidades variáveis e marcadamente colocadas por todo o corpo teórico descrito neste trabalho sobre o papel da intercompreensão na melhoria da compreensão da escrita em LM. Teóricos e pesquisadores, como alguns aqui citados, trabalham há mais de duas décadas na comprovação de ganhos principalmente nas áreas de didática de ensino de línguas e multiculturalismo, perpassando pela influência coletiva do processo educacional plurilíngue que resulta em acesso a variadas formas de ensino e aprendizagem quanto às competências linguísticas em LM e LE.

Isso sugere que esse ganho não se limita ao processo de aprendizagem. Pesquisadores como Morin (1999) e Gadotti (2000) defendem que o mundo está cada vez mais acessível a todas as culturas. Desse modo, a consciência da pluralidade por parte dos alunos nada mais é do que uma consciência de suas identidades pátrias, de se saber estar no planeta, partilhar, comunicar, viver e estar integrado em um universo que é ligado concentricamente as nossas famílias, regiões, nações, ou seja, uma sociedade integrada, globalizada e mais humanizada no plano do conhecimento e na promoção de uma cidadania plural.

Essa identidade cultural deve ser preocupação da escola em fazer com que os alunos pressuponham o reconhecimento de pertença ao mundo, sendo a sala de aula, nesse caso, o local privilegiado no qual nós, professores, devemos manter uma postura mais abrangente, com senso crítico e avaliativo para tomarmos as decisões necessárias, de modo a garantir que os nossos alunos se sensibilizem para a realidade de um mundo diversificado, em línguas e culturas distintas ou semelhantes, fomentando a atitude de intercompreensão que leva ao respeito por si próprio e pelo outro.