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III — Algumas das principais funções dos periódicos jurídicos

No documento Globalização do ensino jurídico (páginas 188-190)

Os rankings acima confi rmam o que afi rmei anteriormente: não há, se com- pararmos Estados Unidos e Europa, correlação estável entre os modelos de periódicos jurídicos ou seus híbridos e posição em ranking ou prestígio. Este achado deve ter efeito liberador para aqueles encarregados de formular po- lítica de periódicos jurídicos. Este efeito liberador, na medida em que existe, deve porém ser canalizado para um retorno aos fundamentos da questão dos periódicos jurídicos e imaginação construtiva a partir deles.

Com isto em mente, chamo atenção para oito funções para as quais os periódicos jurídicos podem servir.

1) A primeira e mais óbvia função dos periódicos jurídicos é selecionar, veicular, compilar, organizar e dar acesso a produção de conhecimento jurídi- co. Esta função combina elementos de patrulhamento das fronteiras daquilo que se considera conhecimento jurídico legítimo, controle de qualidade do tipo legítimo de conhecimento jurídico, arquivamento sistemático do produto deste conhecimento e, por fi m, facilitação do acesso a este conhecimento.

No que diz respeito a esta primeira função, há vantagens relativas da parte dos vários modelos de periódicos. E as vantagens mudam de lado de quando em quando. Para citar um exemplo apenas, atualmente o modelo europeu de revisão por pares é mais efi ciente no controle da qualidade da erudição mani- festada em artigos, enquanto o modelo americano de edição por estudantes melhor organiza, arquiva e dá acesso a conhecimento jurídico.

2) Correlata da função anterior é servir de fonte de conhecimento e análise jurídicas. Democracias constitucionais e estados de direito benefi ciam-se da disponibilidade no espaço público de conhecimento e análise jurídicas conve- nientemente acessíveis. O benefício é tanto para atores sociais quanto para o pano de fundo cultural, diante do qual ocorrem relações sociais e operações institucionais. Sem acesso a conhecimento jurídico acumulado, a esfera pública das repúblicas padece de um de seus elementos formadores, reprodutores e de permanente autocrítica.

3) Aquém das funções ligadas à esfera pública e sua qualidade está a de criar domínio que facilite discussão focada e especializada sobre temas recor- rentes ou de importância conjuntural. Dito de outro modo, além da função de informar a sociedade sobre sua ordem jurídica passada, presente ou futura, pe- riódicos jurídicos servem como foco de diálogo e locus de evolução de conhe- cimento especializado desenvolvido por juristas acerca de questões perenes ou conjunturais.

4) Servir de instrumento de autorregulação da qualidade da produção inte- lectual na área jurídica é outra função dos periódicos jurídicos. Com a crescente racionalização e especialização das disciplinas acadêmicas ao longo da moder-

nidade, desenvolveu-se paralelo impulso de trazer a produção acadêmica dis- ciplinar sob as rédeas de consensos epistemológicos, ontológicos, temáticos e estilísticos. Periódicos jurídicos, mesmo os editados por neófi tos, à medida que crescentemente monopolizam publicação de pesquisa jurídica tanto de ponta quanto ordinária, servem de instrumento para o patrulhamento das fronteiras epistemológicas, ontológicas, temáticas e estilísticas do pensamento jurídico.

5) A modernização da universidade ocidental a partir do fi nal do século XIX, a expansão do acesso à educação superior desde o fi nal da Segunda Guer- ra e a correlação positiva entre educação superior e acesso a oportunidades profi ssionais, renda e status social transformaram profundamente a dinâmica até então vigorante entre pupilos, intelectuais e instituições de ensino e pesqui- sa que abrigam ambos os grupos.

Em nossos dias, instituições competem pelos melhores candidatos discen- tes e docentes para seus quadros. Os educandos cortejados pelas instituições mais prestigiosas tendem a ser aqueles que oferecem desde o início a menor demanda sobre seus recursos pedagógicos ao mesmo tempo em que oferecem a maior promessa de sucesso após a graduação. Desde que, naturalmente, tal sucesso possa ser percebido como correlacionado à educação que receberam em tais instituições. De seu lado, educandos buscam instituições mais presti- giosas, conhecidas por atrair, reter e formar os melhores estudantes. A espe- rança dos educandos é que o acesso a instituições prestigiosas aumente suas chances de sucesso após a graduação. Este quadro de escambo de expectati- vas engendra profecia de autocumprimento sobre a correlação entre qualidade institucional, qualidade dos estudantes e o sucesso pós-graduado destes.

Acrescente-se ainda a este cenário a competição por recursos públicos e privados para compor a receita das instituições de nível superior. A sinergia entre estas forças tem gerado extraordinária pressão para criação de critérios quantitativos e qualitativos de comparação entre instituições, com crescente ênfase no desempenho de docentes nas áreas de pesquisa, ensino e publica- ção. Tal ênfase, por sua vez, leva instituições a buscar, atrair e reter docentes cujo desempenho contribua, melhor e mais rapidamente, para elevação da po- sição em ranking e prestígio das respectivas instituições.

Assim é que outra função dos periódicos jurídicos tem sido a de expor a produção docente usada para auferir quantidade e qualidade da produção intelectual de indivíduos e instituições, provendo elemento adicional aos pro- cessos de hierarquização e atribuição de prestígio acadêmico no direito.

6) Periódicos jurídicos permitem ainda, ao criar um foro para artigos, um tipo de foco intelectual, análise e argumentação monográfi cos que, ao contrário dos gêneros de literatura jurídica que se manifestam em cursos, introduções, te- orias gerais e tratados, não depende necessariamente da troca de profundidade

CONSIDERAÇÕES PARA UMA POLÍTICA DE PERIÓDICOS JURÍDICOS 189

por abrangência. Periódicos jurídicos têm desse modo a função adicional de servir a este gênero específi co de manifestação de pensamento jurídico.

7) Sobretudo nos E.U.A., periódicos jurídicos editados por estudantes his- toricamente facilitaram a integração entre discentes (como gate-keepers não ortodóxicos) e acadêmicos juniores (como potenciais reformadores intelectu- ais) no desafi o de manter porosas as fronteiras epistemológicas, ontológicas, temáticas e estilísticas da produção acadêmica em direito. Esta função, por razões sociológicas, políticas e culturais que não me permito desenvolver nos confi ns deste parecer, é ainda hoje mais necessária.

8) Por fi m, periódicos jurídicos permitem a concentração de capacidade intelectual e energia imaginativa coletivas em problemas prementes encontrá- veis no âmbito da geografi a imaginária (local, regional, nacional ou global) de cada periódico. A importância histórica e futura desta função parece sufi cien- temente clara para dispensar maiores elaborações.

No documento Globalização do ensino jurídico (páginas 188-190)

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