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Teste fi nal: encontro com o Presidente

No documento Globalização do ensino jurídico (páginas 102-106)

Para concluir, sugiro um teste de direção para avaliar o comprometimento da sua escola de direito com a criatividade social e com a formação do jurista criativo. Apresento este teste não para certifi car um modelo que, no fundo, não existe em nenhum lugar do mundo. Apresento-o mais como estímulo e provo- cação, para orientar a refl exão sobre o caminho que deve ser percorrido hoje para se construir uma escola criativa.

Imagine que o Presidente da República convide os 10 melhores profes- sores de sua escola para uma reunião (se a fi gura do Presidente não agradar, substitua-a por alguém com autoridade de fato, vontade real de fazer, e que se disponha a consultar algumas das melhores mentes do país). Ele as reúne em uma sala, no início da manhã, no centro do poder e pede que o ajudem a enfrentar e resolver um grave problema que afl ige o país. Imagine e escolha um problema atual — a melhoria da educação, a falta de segurança nas periferias, a saúde de baixa qualidade, o desenvolvimento econômico na Amazônia ou no Nordeste. No fi m do dia, o Presidente retorna à sala de reuniões e, com tom respeitoso, porém decidido, pergunta:

‘Senhores, como resolvo este problema em nosso país?’

Que tipo de respostas você pode esperar dos professores de sua escola? Se a resposta for algo do gênero: ‘É preciso realizar os direitos funda- mentais!’. ‘É preciso maior ativismo do judiciário’. ‘É preciso maior cobrança do Ministério Público’. ‘É preciso punir com mais rigor os políticos que não resolvem os problemas’. Ou se a resposta seguir o seguinte rumo: ‘É preciso organizar protesto na praça pública’. ‘É preciso criticar as decisões tomadas pelos líderes políticos’. ‘É preciso revelar os interesses escusos da elite domi- nante por trás das leis hoje produzidas’. Ou se os professores se limitarem a relatar, descrever, explicar, analisar, sem oferecer caminhos de ação. Nestes três casos, é provável que a forma de refl exão dos juristas de sua escola seja até relevante, porém largamente insufi ciente para orientar ação social real- mente transformadora.

Mas se a resposta, de algum modo, lembrar-nos da necessidade de mo- bilizar pessoas, angariar apoio político e/ou cultural, reunir recursos econômi- cos e advogar mudanças no ordenamento ofi cial, para imaginar e criar novos arranjos e, assim, prover novas formas de colaboração no enfrentamento de alguns dos graves problemas de nosso tempo; aí, sim, a escola de direito terá internalizado o centro de gravidade da vida social, e encarnado o nobre papel de oferecer novos caminhos para o futuro da sociedade. Neste caso, é provável que o Presidente agradeça e, se tiver a inteligência e a coragem que o cargo pede, determine aos seus ministros que coloquem imediatamente em prática algumas das propostas valiosas geradas na escola criativa.

CADERNOS

FGV

DIREITO

RIO

Autores Hart, Kelsen,

Rawls, Michelman, Ackerman, Dworkin, Shavell, Kaplow

Duncan Kennedy, David Kennedy, Roberto Unger (antigo)

Charles Sabel (que não é bacharel em direito!)

Método Método único (evolução linear) ‘Método’ crítico (saltos revolucionários na forma e no conteúdo)

Inovação institucional (micror-revolução na forma, macrorrevolução no conteúdo) Espaço prioritário

de ação

Tribunal (insider) Rua (outsider) Um pé dentro e outra fora do ‘sistema’ (insider e outsider)

Sucesso Aplicação do direito Revolução social Inovação institucional Herói Ministro da Suprema Corte ou de Tribu-

nal de Apelação

Advogado/líder de movimentos sociais Inovador social Escola modelo Harvard Law School,

Yale Law School, NYU School of Law

Sciences Po —

Diretor Martha Minow (HLS), Robert Post (YLS) Christophe Jamin (Sciences Po) — Cultura intelectual Monopólio dos métodos jurídicos, causa

única

Oligopólio de métodos jurídicos, causa única

Pluralidade de métodos e de causas Relação profes-

sor-aluno

Hierárquica e centralizada. Protagonis- ta do ensino é o professor — aluno é o meio de aprimorar e aplicar o método do professor

Hierárquica e (relativamente) descentra- lizada. Protagonistas são os professores — alunos são instrumentos de descons- trução

Colaborativa e descentralizada. Profes- sor e aluno são agentes que colaboram no processo de expansão do conheci- mento

Relação método- -conhecimento

Conhecimento fl ui do método Conhecimento emerge automaticamente da destruição do método

Conhecimento é fruto da criatividade, com amparo em distintos métodos

JURISTA

CRIATIVO

103

Jurista Clássico Jurista Crítico Jurista Criativo Estilo de aula Aula expositiva e tutoria, baseados na

transmissão da ‘teoria’ e da jurisprudên- cia, discussão de casos à la Langdell

Seminários e debates, baseados no apri- moramento da capacidade crítica

Discussão de casos, combinados com discussões dos limites das teorias Geografi a Estado nação Estado nação Desafi os locais e globais Disciplinas con-

vencionais

Direito constitucional, administrativo, econômico, propriedade e contratos

Direito de família, propriedade, contra- tos, previdenciário

Direito das cidades, social, ambiental, esportes, guerra, internacional, direito global, direito da sociedade civil, direito e desenvolvimento

Vestimenta Terno e gravata (ou vestido respeitoso), barba bem feita (ou maquiagem)

Calça jeans surrada, camisa amarrotada e barba por fazer, quando for o caso

Elegante e autêntico Palavra preferida Data venia... Companheiro, revolução Causa, criatividade, inovação Amizade Outro jurista clássico (teme que o jurista

crítico identifi que sua fraqueza)

Outro jurista crítico (nutre rancor pelo prestígio do jurista clássico e desconfi an- ça de ser traído)

Todos (sua força interior não o deixa abalar por roupa bonita ou personalida- de ácida)

Povo Completamente incapaz (precisa tutela) Completamente capaz (não precisa de tutela, embora goste da burocracia ‘socialista’)

Completamente capaz (em pequenos grupos) e profundamente cético em rela- ção à burocracia

Sentimento Contaminação da razão Impulso revolucionário Vida Jurista clássico Herói Fraude Frágil Jurista crítico Frustrado Revolucionário Menos frágil Jurista criativo Jurista crítico Jurista clássico -

Referências

BOLTANSKI, Luc. Les économies de la grandeur. Paris: Presses universitaires de France, 1987.

______; THEVENOT.  De la justifi cation. Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1991.

CASTORIADIS, Cornelius. The imaginary institution of society. Translated by Kathleen Blamey. Cambridge: Polity Press, 1987.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. A thousand plateaus: capitalism and schi- zophrenia; translation and foreword by Brian Massumi. London: Athlone Press, 1988, c1987.

LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. Laboratory life: the construction of scienti- fi c facts. Princeton: Princeton University Press, 1986.

SLOTERDIJK, Peter. Bubbles: microspherology. London: Semiotext(e), 2011. UNGER, Roberto. False necessity: anti-necessitarian social theory in the service of radical democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

______. Social theory, its situation and its task. Cambridge: Cambridge Univer- sity Press, 1987.

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No documento Globalização do ensino jurídico (páginas 102-106)

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