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Minha jornada pessoal: tornando o pensamento crítico relevante na Colômbia

No documento Globalização do ensino jurídico (páginas 43-48)

QUANDO IDEIAS VIAJAM: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A GLOBALIZAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO E A CIRCULAÇÃO DA

2. Minha jornada pessoal: tornando o pensamento crítico relevante na Colômbia

Quando terminei meu doutorado nos Estados Unidos, retornei a Colômbia para dedicar minha vida à academia jurídica. Isto signifi cava tentar defi nir as formas que tomariam as teorias jurídicas de esquerda em que eu estava imersa. Este processo demorou alguns anos e é outro exemplo de como o contexto deter- mina a jornada de ideias. Afi nal, as críticas que são relevantes nos Estados Uni- dos não são necessariamente relevantes na Colômbia. Os parágrafos seguintes descrevem minha tradução dos modos críticos de se pensar sobre o direito no contexto local.

No processo de engajamento com diferentes projetos acadêmicos ao lon- go dos anos, cheguei à conclusão de que a rigidez que caracteriza a distri- buição de recursos na Colômbia é determinada pelo uso instrumental da lei e dos direitos que somente leva em consideração as transformações legais e constitucionais e apenas marginalmente observa a regulação administrativa, a transformação institucional e a interação entre diferentes regimes jurídicos.

Portanto, decidi me engajar criticamente com a estrutura das transforma- ções jurídicas redistributivas na América Latina, tomando a Colômbia como o primeiro exemplo. Meu principal objetivo é compreender por que, diante de uma série de reformas neutras quanto a gênero e classe social desde o início do século XX, a Colômbia continua a ser um país caracterizado por altos níveis

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de desigualdade em termos de redistribuição de recursos e acesso a trabalho, com desníveis em função de classe e gênero.

Tradicionalmente, na Colômbia e em toda a região, tem havido uma enor- me crença na capacidade do direito de transformar sociedades. Em momentos de convulsão social, o primeiro impulso é reformar a constituição existente, e uma reforma jurídica é sempre parte da receita contra problemas de distribui- ção de recursos ou discriminação. Muito tem sido escrito sobre argumentos favoráveis à reforma jurídica e pouco sobre o papel da lei em reproduzir injus- tiça social.

De um ponto de vista progressista, o direito tem sido encarado de dois modos instrumentais: a interpretação ortodoxa marxista, que vislumbra o di- reito como uma ferramenta que possibilita a reprodução das hierarquias exis- tentes de classe social e, por outro lado, a interpretação liberal humanista, que vê no direito o modo último de proteção da liberdade (através do estabeleci- mento constitucional de direitos civis e da correspondente aplicação jurídica destes) e a promoção das condições iniciais de igualdade pela promulgação de leis promotoras da redistribuição de recursos (tal como leis de reforma urbana ou agrária ou sistemas de tributação progressiva).

Ambas as posições cometem o equívoco de superestimar ou subestimar o papel do direito na mudança social. O marxista ortodoxo subestima o papel do direito quando deixa de reconhecer o papel que críticas progressistas do direito têm produzido, tal como os direitos trabalhistas na década de 1940 ou a efetiva adjudicação dos direitos econômicos e sociais, como o direito à saú- de pelo corte constitucional colombiano. Por outro lado, o humanista liberal superestima o papel do direito, porque não está consciente das possibilidades de captura do direito por conservadores para mudanças conservadoras (como uma emenda constitucional proposta na Colômbia para forçar juízes a levar em consideração as restrições das fi nanças públicas quando estiverem reconhe- cendo direitos) ou para efetivamente produzir mudança, como o desmanche dos sistemas de tributação progressiva em favor da tributação indireta ou a re- gulação de serviços públicos através de agências mistas (privada e pública) ao invés da intervenção do Estado. Finalmente, os liberais também superestimam o papel do direito, quando acreditam que a articulação de um direito como uma proposição geral irá necessariamente produzir resultados progressistas em situações concretas.

Minha proposta é que deixemos de pensar sobre o direito em termos de crença ou incredulidade total. A interpretação ortodoxa marxista e a liberal humanista não devem impedir que pensemos sobre diferentes possibilidades e abordagens. Ao revés, devemos adotar uma atitude crítica que conscien- temente evite fazer estes julgamentos genéricos sobre o papel do direito na

sociedade. Uma atitude crítica começa por questionar sobre como o direito realmente funciona, quem são os vencedores e os perdedores em um cenário jurídico específi co e qual é o conteúdo político concreto do direito.

Outra importante ferramenta crítica que tenho traduzido para o ambiente acadêmico colombiano é a teoria feminista. A relevância da teoria feminista pode ser explicada pela seguinte história. Doze anos atrás, quando terminei meu doutorado em direito, tive uma entrevista com o diretor de Desigualda- de de Gênero na América Latina no Banco Mundial. Naquela conversa, ele me disse que, em termos de direito e regulação, a América Latina não tinha feito nada do que era necessário. Esta declaração continua a me desconcertar até o presente, porque ainda que seja verdade que existem cláusulas de proteção à igualdade na maioria das constituições, leis criminalizando violência doméstica e uma série de regulamentações incluindo mulheres, o fato é que a distribuição desigual de recursos por conta de gênero continua a ser prevalente no conti- nente e na Colômbia.

Existem várias interpretações teóricas com o objetivo de revelar as causas e possíveis soluções para esta desigualdade. Dentro desta discussão, o ensi- no jurídico possui um papel fundamental em ampliar a conscientização sobre questões urgentes relativas à desigualdade e o efetivo exercício dos direitos existentes, bem como expandir a discussão acadêmica quanto à redistribuição de recursos entre gêneros diferentes. Logo, a questão que temos tentado res- ponder em nossa faculdade é: Qual é a melhor maneira de criar um espaço inte- lectual na academia jurídica que promova pensamento, produza conhecimento e melhore a distribuição de recursos através dos diferentes gêneros?

Em consequência, nos últimos doze anos, um grupo de professores da Es- cola de Direito Los Andes tem pensado ativamente e desenvolvido estratégias sobre diferentes maneiras de incorporar uma perspectiva de gênero no modo em que o direito é lecionado, praticado e pensado. Estes esforços incluem uma série de intervenções: na teoria do direito; no ensino jurídico; na produção aca- dêmica doutrinária; na teoria jurídica feminista; nas pesquisas empíricas e nas práticas cotidianas.

3. Conclusões

Ideias viajam de várias maneiras. A globalização pode ocorrer pela demanda por reforma legal em busca de desenvolvimento econômico e modernização. Também acontece através da difusão de teorias na educação superior. Nesta jornada, o estilo e o conteúdo das ideias críticas são ajustados ao contexto lo- cal. Este ensaio proporciona um exemplo de como teorias têm mudado de um lugar para outro, que resistência elas têm encontrado e como elas têm tomado a forma de um pensamento jurídico crítico local.

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Referências

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No documento Globalização do ensino jurídico (páginas 43-48)

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