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SALA DE AULA TRANSNACIONAL

No documento Globalização do ensino jurídico (páginas 130-132)

RÔMULO SILVEIRADA ROCHA SAMPAIO1

A refl exão apresentada neste trabalho é muito mais descritiva de uma expe- riência de cinco anos lecionando em uma “sala de aula transnacional” do que um produto com o rigor que se espera de um artigo acadêmico. Com essa res- salva, inicio agradecendo o convite para participar desta obra e aproveito para enaltecer a iniciativa do Prof. Pedro Fortes e da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO). O compromisso da FGV com métodos de ensino inovadores e a ênfase em metodologias de aula e de pesquisa diferenciada tornam esta Escola referência nacional e internacional no mundo jurídico.

Após um longo período de estudos nos EUA, eu tive a oportunidade de mergulhar no método socrático aplicado naquele país e testemunhar o com- promisso na busca da inovação. A grade de matérias nas faculdades de Direito dos EUA é bastante diversa. Um ciclo básico no primeiro ano é complementado por uma série de disciplinas que fomentam o estudo do Direito de forma multi e interdisciplinar. E vão além. Buscam, através de parcerias com universidades do mundo inteiro, expor os alunos norte-americanos à experiência de aprende- rem sobre ordenamentos jurídicos de outros países.

Essa riqueza de matérias não se compara com o engessado e super-regu- lado sistema de ensino jurídico no Brasil. Por aqui, as reuniões de “colegiado” são campo fértil para que cada catedrático defenda a importância de sua maté- ria e a consequente necessidade de aumento de sua carga horária. Tudo é tão importante na visão dos nossos colegiados que um aluno de Direito no Brasil não pode se formar sem conhecer processo penal. Ou sem conhecer direito de família. Ou ainda direito ambiental (matéria que leciono e citada aqui para evitar que eu caia na mesma armadilha que ora denuncio).

1 Doutor e Mestre em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Nova York/ EUA. Mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Professor de Direito Ambiental da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO). Professor Adjunto da Pace University School of Law, Nova York-EUA. Professor Visitante da Georgia State University College of Law em Atlan- ta/EUA. Advogado.

Soma-se aos interesses de cada membro de um colegiado no Brasil o con- trole exercido por uma elite rotativa nos órgãos de regulação. Essa elite que se alterna no poder regulatório das faculdades de direito também é tomada pela sensação de que, do alto da formação e sabedoria dos seus membros, apenas pelo exercício do controle restrito do Estado sobre as faculdades de Direito é possível “controlar” a qualidade dos cursos que se multiplicam pelo país. Essas “forças” constituem-se em obstáculo à inovação e acabam exercendo pressão para que a faculdade de Direito no Brasil continue presa a um mesmo núcleo de formação secular desde a sua mais remota concepção.

Outra força a engessar a inovação nas grades dos cursos de Direito é a in- dústria do concurso público. Com salários e benefícios sem paradigmas nos pa- íses desenvolvidos, muitos alunos (arrisco-me a dizer se tratar de uma maioria) ingressam na faculdade de Direito em busca do “sonho” do prestígio, dos bene- fícios e do salário de um bacharel concursado para algumas das tantas funções públicas disponíveis para o profi ssional com essa formação. Os exames públicos cada vez medem menos as competências e a vocação deste profi ssional ao exigirem uma habilidade de memorização das clássicas áreas do Direito. Resul- tado: os próprios alunos pressionam as suas faculdades para o ensino clássico sob o argumento de que precisam conhecer o básico (o mais do mesmo) para terem chance de competir com os egressos das faculdades mais tradicionais.

No cenário de inovação nos EUA, fui convidado para participar como professor adjunto de uma matéria oferecida todos os anos na Pace University School of Law em Nova York. A faculdade de Direito da Pace University nos EUA é constantemente ranqueada entre as três melhores daquele país no en- sino do direito ambiental. Em sua grade há uma diversidade muito grande de matérias sobre essa área do Direito. Uma delas, da qual faço parte, denominada Direito Ambiental Comparado: EUA e Brasil.

Os alunos que se inscrevem nessa matéria são em sua grande maioria gra- duandos (nos EUA os alunos de Direito são pós-graduandos, em razão de dife- renças entre os nossos sistemas) e uma minoria são mestrandos do Brasil e de outros países. O curso acontece todo primeiro semestre de cada ano (por lá o equivalente ao segundo semestre — fall — em razão de o ano letivo se iniciar em agosto). O curso começou a ser ministrado por videoconferência e atual- mente utiliza-se da tecnologia da internet, fazendo uso de qualquer computa- dor conectado a uma rede de alta velocidade. Ao fi nal, os alunos e o professor responsável pela parte norte-americana do curso viajam ao Brasil para um ciclo de dez dias de aulas no Rio de Janeiro e visitas de campo em alguma outra região do país com valores e atributos ambientais.

Os detalhes e o funcionamento dessa dinâmica são apresentados ao lon- go deste breve ensaio. Antes, contudo, penso ser importante pontuar algumas

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questões relacionadas ao ensino jurídico norte-americano para melhor contex- tualizar a sala de aula transnacional. Trechos dessa primeira parte foram em- prestados de um breve ensaio de minha autoria publicado no sítio eletrônico do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (IBRAJUS) em 2008.

A abertura para a inovação na estrutura do ensino jurídico

No documento Globalização do ensino jurídico (páginas 130-132)

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