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O iluminismo na ciência

No documento Filosofia, Comunicação e Subjetividade (páginas 51-54)

TRANSFORMAÇÕES PÓS-MODERNAS DAS HUMANIDADES E DA COMUNICAÇÃO:

2. O iluminismo na ciência

Terá sido na ciência que o programa iluminista conheceu o seu optimis- mo mais destemperado, numa crença que hoje vemos como ingénua de desocultação e dominação da natureza, que seria o seu destino inevitável, sustentando uma ideologia que para os seus críticos6 tomou o nome de

cientismo.

5. A palavra foi originalmente utilizada pelo gregos para referir os outros povos não gregos: egípcios, persas, indianos, fenícios, etruscos, macedónios, cartagineses, turcos... e tinha um sentido claramen- te pejorativo. Os romanos utilizaram o termo para designar germanos, celtas, gauleses, trácios e ibé- ricos em geral. A palavra vem de βάρβαρος (bárbaros) e tem uma origem onomatopaica: para o ouvido gregos o falar dos outros povos que não se expressavam na língua grega soava como bar-bar-bar, pala- vreado sem sentido, daí a expressão “bárbaros”, que encontramos nas línguas atuais por via do latim.

<http://www.etymonline.com/index.php?term=barbarian>(consultado a 22 mai 2018). 6. Entre os quais se contam Popper, Apel, e Putnam, entre outros.

Os positivistas e neopositivistas acreditavam na tese de uma ciência unifi- cada, na qual as ciências do espírito decalcariam os métodos bem sucedidos das ciências naturais. O positivismo de finais do século XIX “encontra, já no final dos anos vinte do século XX, a sua consagração definitiva na ‘conceção científica do mundo’ do Círculo de Viena” (Serra & Branco, 2014).

Este Positivismo Lógico do Círculo de Viena será o programa epistemológico que melhor corporizou o espírito das luzes e a mundividência iluminista. O grupo, que incluía entre outros Hans Hanh, Kurt Godel, Otto Neurath e Rudolph Carnap, reuniu-se a partir de 1924, em torno de um seminário privado leccionado por Schlick na Universidade de Viena.

Em 1929 é publicado o manifesto do Círculo de Viena, o folheto

“Wissenschaftliche Weltauffassung – der Wiener Kreis”. Autorado por Carnap,

Hahn e Neurath, fora concebido como uma homenagem e agradecimento a Schlick, que acabara de declinar um convite para leccionar em Bona, deci- dindo permanecer em Viena (Gradim, 2014).

As principais teses do manifesto, e que viriam a caracterizar o movimento, são bem conhecidas: rejeição do essencialismo e da metafísica tradicional; defesa do empirismo e do positivismo (o conhecimento só pode provir da experiência, ou a ela ser reconduzido); negação da possibilidade de juízos sintéticos a priori; utilização da análise lógica e da lógica simbólica para a re- construção, em todas as áreas, dos conceitos fundamentais da ciência, que uma vez operada conduziria à ciência unificada (Carnap, Neurath & Hahn, 1979).

Animados do espírito do iluminismo e da pesquisa anti-metafísica factual, oposto ao “pensamento metafísico e teologizante”, os autores do manifesto declaram-se partidários de um modo de pensamento fundado na experiên- cia e avesso à especulação e partilhar uma mesma “concepção científica do mundo” (Carnap et al., 1979, p. 2) que se propõem defender e propagar.

Entre os traços que distinguirão o movimento contam-se a recusa de todas as formas de essencialismo e idealismo, de Platão a Kant. Tudo o que não puder ser clarificado com recurso à análise lógica e trans- formado numa questão empiricamente verificável é declarado um pseudo-problema. A tarefa da filosofia é de clarificação de problemas e asserções através da análise lógica, que reconduz os enunciados até ao dado empírico, ou os desmascara como carecendo de significado por não denotarem estados de coisas nem poderem ser verificados. O Cír- culo rejeita a metafísica escolástica, o idealismo alemão, e também “a metafísica oculta de Kant e o apriorismo moderno”, ou seja, a existência de juízos sintéticos a priori, próprios da epistemologia kantiana (Gra- dim, 2014).

Serra e Castelo Branco resumem a concepção científica do mundo do Positivismo Lógico a quatro aspectos fundamentais: i) recusa da metafísi- ca: só existe conhecimento da experiência, baseado no dado imediato: ii) Aplicação do método da análise lógica (da linguagem); iii) Os factos (o “dado”) como critério de significação; iv) Negação dos juízos sintéticos a priori: a ciência reduz-se aos enunciados analíticos da lógica e aos enunciados expe- rimentais sobre objetos (Serra & Branco, 2014, p. 48).

O Círculo de Viena mantém a visão de que os enunciados do realismo (crítico) e do idealismo sobre a realidade ou não realidade do mundo externo e de outros sujeitos são de carácter metafísico, porque estão expostos às mesmas objecções dos enunciados da velha metafísica: não têm sentido porque não são verificáveis nem têm conteúdo. Para nós, algo é real apenas porque está incorporado na estrutura total da expe- riência (Carnap et al., 1979, p. 6).

O derradeiro objectivo da ciência, ao aplicar a análise lógica aos diversos ramos do conhecimento, é atingir a “ciência unificada” através da redução dos conceitos das diversas áreas a proposições empiricamente verificáveis. “Com a demonstração e a designação da forma do sistema total dos concei- tos será perceptível simultaneamente a referência de todos os enunciados

ao dado, e, com isso, a forma estrutural da ciência unificada” (Carnap et al., 1979, p. 7).

O programa de uma ciência unificada, nunca alcançado, não será abando- nado pelo positivismo lógico. Em 1938, já nos Estados Unidos, o Círculo de Viena inicia a edição da Enciclopédia Internacional da Ciência Unificada, da qual apenas a primeira secção, Fundamentos da Unidade da Ciência, dois volumes contendo dezanove monografias, viria a ser publicado. O projecto original, que pretendia ser uma manifestação da unidade do movimento cien- tífico, era grandioso, prevendo 26 volumes e 260 monografias. A II Guerra e a morte de Neurath, em 1945, adiaram indefinidamente a conclusão do empreendimento, que nunca passou dos dois primeiros volumes (Morris, 1969).

Mais que os detalhes epistemológicos e científicos, o que há a reter do pro- grama do positivismo lógico é a sua crença e anseio de completude: seria possível “encerrar” as ciências de uma vez por todas, uma vez que a física, a química, a matemática e todas as outras, estivessem “completas”, compon- do o grande (o impossível) programa de uma Ciência Unificada.

Este modelo que hoje vemos como datado, constituiu uma verdadeira lu- minária contra o obscurantismo. Seria forçado a ceder em várias frentes, incluindo a concepção de uma ciência unificada, e a noção de “completude”, num dos muitos movimentos que, nas diversas áreas sociais, dariam ori- gem ao pós-modernismo.

No documento Filosofia, Comunicação e Subjetividade (páginas 51-54)