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Imediatismo e compras de impulso

No documento Os Mitos Do Dinheiro - Gabriel Torres (páginas 46-54)

Como já estudamos, o imediatismo é um dos principais motivos das pessoas não ficarem ricas. Em geral, temos um desejo de consumo e queremos saciá-lo o quanto antes. Só que nessa de querer consumir imediatamente, duas coisas podem acontecer: geralmente acabamos entrando em algum tipo de

financiamento, se não temos o dinheiro para a compra, ou então nos desviamos de nossas metas financeiras de longo prazo, usando dinheiro de nossa reserva financeira que estava separado para o futuro.

Como você pode ver, mesmo que você tenha dinheiro para saciar um súbito desejo de consumo você poderá estar fazendo um mal negócio. Como havíamos mostrado no gráfico da Figura 1.1, tempo é fator primordial para investimentos financeiros funcionarem como o planejado. Quanto mais tempo o dinheiro ficar investido, maior é o poder dos juros compostos.

Vamos supor que hoje você tenha acordado com o desejo de comprar aquele fogão de R$ 8.000. Você tem os R$ 8.000. Mas será que vale a pena torrar essa grana em um fogão? Se você deixar esses R$ 8.000 investidos durante 10 anos em um investimento que renda 1% ao mês, você terá R$ 26.400 ao final desse

período. Após 20 anos esses mesmos R$ 8.000 teriam virado R$ 87.140. E após 30 anos, R$ 287.597. Veja como os valores aumentam exponencialmente. Para um cálculo mais preciso teríamos de descontar a inflação do período, mas nosso objetivo aqui é só alertá-lo para o que você está perdendo em nome do imediatismo.

Você pode estar pensando “ah, mas 30 anos é muito tempo! Eu nem sei se estarei vivo até lá! Eu não quero esperar 30 anos para poder ter meu fogão de R$

8.000!”. Claro, claro. Nem oito, nem oitenta. A minha ideia é você reduzir ao máximo esses consumos “mirabolantes” durante um período crítico de tempo e, após passado um período em que você colocou as suas finanças “em ordem” e outro período que você acumulou de uma boa reserva financeira, você poderá fazer, de vez em quando e dentro do seu orçamento, uma aquisição deste tipo (pela minha experiência, após você passar por essas duas fases é possível que você sequer sinta mais vontade de comprar um fogão de R$ 8.000).

Se você não tem dinheiro, a coisa se complica ainda mais, pois você

possivelmente pagará o preço de dois fogões para ter um, sem contar no aperto que você sentirá em seu orçamento enquanto durar o financiamento. E com um detalhe: se você está ferrado de grana, para que diabos você quer um fogão de R$ 8.000?

Infelizmente a maioria das pessoas cai nesta grande armadilha que é o consumo de algo que, convenhamos, ela não precisa “de verdade”. Normalmente isto ocorre quando estamos querendo substituir algo que está faltando em nossas vidas. Por exemplo, se estamos infelizes ou frustrados, achamos que este

problema emocional desaparecerá depois de comprar aquele produto caro que “sempre” sonhamos (“sempre” significando “desde cinco minutos atrás quando vi na loja”). É claro que na maioria das vezes fazemos isso sem pensar, sem saber o que realmente está acontecendo dentro da gente.

A melhor maneira de não cairmos nesta armadilha é obviamente não

comprarmos nada. Mas e se realmente estamos precisando de algo relativamente caro, como saber se a compra é verdadeira ou não?

Há algumas dicas:

1. Pesquisar preços em mais de três lojas;

2. Pesquisar o máximo possível sobre o produto, incluindo opiniões de quem já tem ou já teve o produto (há vários sites deste tipo);

3. Verificar se não há um similar mais barato;

4. Verificar se não é melhor comprar um semi-novo (possivelmente de alguém que comprou e agora não está conseguindo pagar as prestações – a desgraça de um é a oportunidade de outro);

5. Ao sair para pesquisar e olhar o produto, deixar o talão de cheques e todos os cartões (débito, crédito, etc) em casa;

6. Responder à pergunta “para que eu quero isso”. Esta é a pergunta mais

importante. Imagine que você é funcionário de uma empresa e tem que justificar ao seu chefe uma compra. É a mesma coisa;

7. Aguardar pelo menos uma semana para ver se o desejo da compra “passa”. A não ser, é claro, que a compra seja realmente essencial, como uma geladeira, fogão ou máquina de lavar que se desintegraram de tão velhos que estavam. Aqui vale uma explicação mais detalhada do item seis. Seja honesto consigo mesmo. Ninguém vai ficar sabendo. Se no fundo, no fundo, o motivo é “para impressionar meus amigos”, esqueça. Você está pensando em comprar algo pelo motivo errado, por mais que você realmente queira o produto. Se a resposta for “porque eu preciso”, você terá de analisar se você está realmente sendo honesto consigo mesmo. No caso do fogão de R$ 8.000, você estaria mentindo para você mesmo, pois você falhou em ser honesto consigo mesmo no item três, “verificar se não há um similar mais barato” – é óbvio que existem fogões bem mais

baratos.

Apesar de pregar essas ideias, eu mesmo já falhei nesse “dever de casa” várias vezes. Por exemplo, quando eu comprei uma BMW 528 usada (quando ainda morava no Brasil), eu falhei miseravelmente nos itens dois e três. Só depois de ter comprado é que eu descobri que a manutenção era um problema crônico daquele modelo, e que a manutenção no Brasil era extorsiva (demorei para me tocar que poderia comprar peças nos EUA e, mesmo com a entrega no Brasil mais os

impostos devidos, seria muito mais barato). Se tivesse pesquisado sobre isso antes, teria economizado uma grana absurda. Também falhei ao não levar um mecânico para analisar o carro; confiei no papo do vendedor e acabei comprando

um carro que só dava problemas. Ainda no item dois, falhei em verificar que é um carro quase impossível de revender no Brasil. No item três, é óbvio que existem similares mais baratos. Pelo mesmo preço eu poderia ter comprado um bom carro zero. E por que diabos ter uma BMW? Neste caso específico foi porque eu queria me dar algo de presente por ter atingido uma das minhas metas

financeiras. Até hoje me arrependo, pois esse carro só meu deu dor de cabeça e se eu tivesse comprado um carro nacional e investido a diferença eu teria mais dinheiro hoje. E a bem da verdade, dado o meu estilo de vida, nem mesmo carro eu precisava ter!

Figura 3.1: essa era a minha BMW 528 1997 que tive entre 2005 e 2007 e que só

Marcas

Por falar em BMW, no mundo contemporâneo a maioria das pessoas encara marcas como a personalização de seu estilo de vida. A marca passa a ser mais importante do que o produto em si, e as marcas exploram isso ao máximo. Basta ver os anúncios da televisão. Se você usar o desodorante “x” as mulheres vão te atacar na rua. Se você dirigir o carro “y” você poderá visitar as praias mais bonitas do Brasil. Se você vestir a roupa “z” você será visto como uma pessoa que tem dinheiro. Se você beber “n” você será visto como uma pessoa requintada. E por aí vai.

É muito fácil cair nesta armadilha como um “pato”. Basta lembrar da sua adolescência: se todo mundo no colégio tinha um produto “x”, você também queria ter o produto “x” para não ficar “de fora”. O pior é que nós crescemos e continuamos levando este tipo de comportamento adiante. Com um detalhe: só tende a piorar. Esse comportamento de manada explica as bolhas especulativas, manias e modismos (falarei sobre este assunto no próximo capítulo).

O problema é quando passamos a consumir marcas para nos sentirmos “importantes” ou para que outras pessoas nos vejam de uma forma que fantasiamos. Quando isso ocorre, estamos metendo os pés pelas mãos, pois estamos consumindo marcas pelos motivos errados, para tentar resolver nossas frustrações e buscar o diabo do “reconhecimento”. Como se você fosse passar a ser famoso só porque você usa a mesma marca que uma pessoa famosa usa. E o pior, é justamente isso que acaba ocorrendo no dia a dia.

É claro que não vamos andar por aí com a camisa furada ou fedorentos, por outro lado, só ter no armário Calvin Klein ou Donna Karan quando você está vivendo apertado de grana é demais.

Realmente há marcas que são melhores do que outras, mas será que você não vai encontrar produtos com qualidade similar de outras marcas ou até mesmo de marcas “desconhecidas”? Se você pesquisar com certeza vai encontrar. É claro que não estou falando para você fazer a “economia porca” de comprar uma falsificação chinesa via Paraguai, pois você estará fazendo besteira por dois

motivos: primeiro estará contribuindo para a existência do mercado de produtos falsificados (lembrando sempre não é só fabricar ou vender produtos falsificados que é crime2, mas a compra de mercadorias falsificadas também é crime3);

segundo você gastará dinheiro em uma imitação de qualidade inferior. Ou seja, você estará comprando por causa da marca e não por causa da qualidade – mais uma vez, fazendo uma compra pelo motivo errado.

Para provar o meu ponto, uma vez a Revista de Domingo do Jornal do Brasil (RJ) fez um “teste cego” com azeites de oliva. Um teste cego é aquele em que o produto é oferecido ao panelista sem que ele saiba qual é a marca que ele está degustando. O resultado foi surpreendente. O vencedor foi um azeite de marca própria de supermercado, que ganhou contra marcas famosas. Logo, essa coisa de comprar azeite extra virgem importado porque “é melhor” é pura balela. A revista mensal norte-americana Consumer Reports é outra que faz este tipo de teste com frequência, normalmente com resultados inacreditáveis: descobriram, por exemplo, que determinados vinhos de menos de US$ 10 que não tinham a menor diferença de gosto para vinhos caros4.

Portanto, essa coisa de marca é pura questão de percepção. E o mais engraçado é que em mercados distintos as mesmas marcas podem ser vistas de maneiras completamente diferentes. No Brasil, por exemplo, quem sai por aí vestindo marcas como Nike e Adidas está “arrasando”. Nos EUA possivelmente seria visto como “pobretão”, pois normalmente só quem não tem dinheiro para comprar roupa “tradicional” é que veste roupas esportivas no dia a dia. É preciso explicar que esta diferença de mercado se dá por conta da absurda diferença de preço que há dos produtos dessa marca no Brasil em relação ao preço praticado nos EUA.

2 Art. 184 do Código Penal 3 Art. 180 do Código Penal

4 CONSUMER REPORTS. Chardonnays for less than $10. Consumer Reports, Yonkers, jul. 2010. Disponível em

<http://www.consumerreports.org/cro/magazine-archive/2010/july/food/chardonnay/overview/index.htm>. Acessado em: 24 jul. 2015.

Um tênis Adidas de US$ 130 chega ao Brasil por R$ 9995 (lembrando que, para um

americano nos EUA, US$ 130 tem o mesmo valor “psicológico” e poder de compra similar a R$ 130 no Brasil). A diferença entre produtos mais caros é ainda maior. Fica comprovado que, no final das contas, o que a pessoa está procurando é o “status” que uma determinada marca pode dar: no Brasil, como produtos “de marca” são abusivamente caros, quem tem passa a ideia de que “tem dinheiro”. Aqui vale um pensamento importante. Os custos de importação brasileiros, que são exorbitantes, não explicam a enorme diferença entre os preços praticados no Brasil e fora do Brasil. A explicação mais plausível é que as marcas cobram alto porque as pessoas pagam. É justamente uma exploração comercial da

mentalidade brasileira de ter produtos de determinadas marcas “para se mostrar”.

Inclusive, um executivo da Mercedes-Benz falou isso com todas as letras: “Quem define o preço é o mercado e não o custo. E não há motivo para baixar os preços se o consumidor paga o que cobramos”6. O executivo foi imediatamente demitido

depois dessa sua declaração.

Em tempo: desde que eu vi aluguel de iPhone para pessoas “tirarem onda” na “night”78, eu não duvido de mais nada.

O quanto antes você conseguir se libertar do mito da marca, melhor.

Se um dia você tiver a oportunidade se encontrar comigo pessoalmente, você vai achar que tudo o que eu estou pregando é “da boca para fora”, pois afinal de contas no meu guarda-roupas você vai encontrar basicamente Calvin Klein, Tommy Hilfiger, Guess, GAP, etc. O que pouca gente sabe é que eu só compro roupa em lojas de ponta de estoque (“outlet”). E daí que a roupa que eu estou comprando é da coleção do ano passado? Como se eu (ou qualquer pessoa

5 Pesquisado em 08 de julho de 2015, com o câmbio a R$ 3,14. Ver http://www.adidas.com/us/springblade-drive-

2.0-shoes/D69793.html e http://www.adidas.com.br/tenis-springblade-drive-masculino/S85400.html

6http://www.lunaticoos.com/2012/08/entenda-por-que-o-brasil-possui-os.html

7https://br.noticias.yahoo.com/blogs/vi-na-internet/aluguel-de-iphone-para-ostentacao-na-balada-rende-ate-

182843423.html

normal) conseguisse dizer qual é a diferença. Certa vez eu dei US$ 10 à minha ex- esposa para ir ao outlet comprar uma calça Jeans. Ela voltou com US$ 5 de troco! Se você um dia tiver a oportunidade de ir aos EUA a passeio, não deixe de visitar uma loja da cadeia TJ Maxx (eles têm mais de 800 lojas nos EUA) nem aos

milhares de outlets existentes.

Apesar de atualmente eu ter como comprar todos esses produtos “de marca” pelo preço “de tabela”, ao lembrar dos anos no vermelho e do esforço para economizar e juntar meu patrimônio, eu simplesmente não consigo mais entrar em uma loja e pagar o preço de tabela se eu sei que consigo comprar mais barato em uma ponta de estoque! Passou a ser questão de hábito, que eu sinceramente espero que você o cultive também. É realmente impressionante: depois que você muda seus hábitos, fica difícil voltar a ter hábitos “ruins”.

Essa coisa de se libertar do mito da marca tem seus momentos cômicos. Quando minha ex-esposa chegava do supermercado às vezes tinha a impressão de que estava na ilha do Lost9, pois todas as latas e pacotes pareciam ser da Iniciativa

Dharma10, já que ela comprava praticamente tudo da marca própria do Wal-Mart

(mesma qualidade de produtos “de marca” e custam bem menos). Ou quando ela foi em uma festa e uma amiga elogiou a roupa dela e perguntou onde ela

comprou; você precisava ver a cara de decepção e nojo da fulana quando ela disse “Wal-Mart”. Ou seja, se a mulher não tivesse perguntado, ela nunca saberia que a minha ex-esposa estava vestindo um casaco de US$ 10 do Wal-Mart, e continuaria pensando que era de uma marca “chique”.

Um amigo, que compartilha o que discuto ao longo do livro, certa vez fez algo muito engraçado. Em uma festa de amigo oculto11, ele tirou uma mulher que era

ligada a essa coisa de marca. Ele comprou uma lembrancinha de uma marca “famosa”, mas colocou o presente em uma caixa da loja C&A. Diz ele que a cara

9 Seriado de TV veiculado de 2004 a 2010 sobre um grupo de pessoas que sobreviveu a um desastre aéreo em uma

misteriosa ilha.

10 Todos os produtos na ilha são dessa “marca”. 11 “Amigo secreto”, se você não for carioca.

dela de frustração e tristeza ao receber a caixa, mas de alívio e risadas ao abrir, foram impagáveis. Mas obviamente ela não deve ter entendido o recado.

No documento Os Mitos Do Dinheiro - Gabriel Torres (páginas 46-54)