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Milionários não são perdulários

No documento Os Mitos Do Dinheiro - Gabriel Torres (páginas 55-61)

A visão mais comum entre as pessoas é que milionários podem comprar o que quiserem, por qualquer preço. Só que esta é uma visão fantasiosa. Só porque a pessoa tem dinheiro para comprar uma Ferrari, não significa que ela sentirá a necessidade de comprar uma!

Um dos pesquisadores mais conhecidos sobre o comportamento de milionários é Thomas Stanley, que publicou alguns livros sobre o assunto, em particular “O Milionário Mora ao Lado” e “Stop Acting Rich”. Ele entrevistou milhares de milionários norte-americanos e descobriu que apenas as pessoas que querem passar a imagem de bem-sucedidas e que não são milionárias é que normalmente gastam dinheiro com itens de luxo. Por outro lado, existem os milionários que ele chama de “milionários purpurina”, que são aqueles que realmente esbanjam e ganham a atenção da mídia, mas eles são a minoria e normalmente são pessoas públicas, como atletas e artistas, e que muitas vezes precisam dessa atenção da mídia para suas carreiras.

E isso faz todo o sentido. Se uma pessoa fica gastando todo seu dinheiro com itens supérfluos, ela nunca vai conseguir acumular patrimônio.

Logo que eu me mudei para os Estados Unidos, em 2007, meu primeiro carro foi um Honda CR-V, que é um carrinho bem classe média por lá. Eu fui a uma festa, e uma colega de trabalho me apresentou a um amigo dela, explicou quem eu era, o sucesso que eu tinha profissionalmente no Brasil e tudo mais. O cara vira e me solta a pérola: “mas se você é tão bem sucedido, por que você dirige um Honda? Eu esperaria que você tivesse pelo menos um Porsche!” Eu respondi que eu era bem sucedido financeiramente justamente porque eu não tinha um Porsche (eu só fui comprar o meu em 2009). Obviamente o cara não entendeu a minha resposta. Curiosamente esse camarada foi apresentado a mim como sendo uma pessoa “bem de vida”. Depois entendi que na realidade ele era um americano típico com alto salário que torrava tudo o que tinha e que não tinha, e que o referencial dele para medir se uma pessoa tinha ou não dinheiro era o carro que ela dirigia. E no referencial da minha colega, uma pessoa ter alto salário é

equivalente a “estar bem de vida”. Como estamos discutindo, esses dois parâmetros podem estar completamente equivocados (a pessoa pode ter um carrão e estar toda endividada, e pode ganhar horrores e ainda assim gastar mais do que ganha).

Figura 3.2: esse foi o meu primeiro carro nos EUA, um Honda CR-V

Toda a vez que eu vou ao Brasil eu me espanto com a quantidade de pessoas visivelmente pobres que têm smartphones de última geração. Já vi algumas declarações de milionários dizendo que eles mesmos não gastariam dinheiro com itens que pessoas que não são milionárias gastam.

Uma vez, eu fui em um jantar para jornalistas brasileiros durante uma feira nos Estados Unidos, na época em que morava lá. Devia ter umas 15 pessoas à mesa. De repente, começou um papo sobre smartphones e cada um ficou mostrando o seu celular, cada um mais incrementado (e caro) do que o outro. Eu fiquei quieto e, admito, com certa vergonha de mostrar o meu celular “de pobre” e que me atendia muito bem (“de cartão”, ver Figura 3.3; eu gastava apenas US$ 100 por ano com ele, ou seja, gastava menos por ano em comparação com o que os demais colegas estavam gastando por mês).

Figura 3.3: acredite, este foi o meu celular durante seis anos (2007 a 2013)

É até difícil colocar em palavras o que eu estava pensando no momento, mas vou tentar explicar. Para quem mora fora do Brasil, ter um smartphone de última geração é algo trivial. As pessoas não puxam do bolso para ficar mostrando aos outros, pois é algo todo mundo pode ter.

Há um lado na cultura brasileira, possivelmente porque no Brasil bens de consumo são geralmente muito mais caros do que no exterior, que é a

necessidade de mostrar aos outros que você tem ou pode ter algo que a maioria da população não tem condições de ter. Como se ter algo te colocasse em um seleto grupo de pessoas “melhores” do que as outras. Morando fora, pude aprender como isso é completamente irrelevante e um tipo de pensamento totalmente idiota. O grande tipo de preconceito que existe no Brasil é o dos que “têm” contra os que “não têm”.

Por outro lado, tenho que admitir que eu era justamente assim quando mais jovem. Achava que pessoas bem sucedidas “como eu” tinham que, por exemplo, ter um carro zero importado e usar roupas da marca “x”. Não importava se eu estava todo endividado. Se eu tivesse continuado nesse caminho, eu não teria acumulado o patrimônio que acumulei, e continuaria a viver uma vida bastante apertada.

Por outro lado, a partir do momento que “caiu a ficha” e comecei a fazer modificações radicais em meus hábitos de consumo, passando a operar com planilhas de gastos e orçamentos, acabei me disciplinando de tal forma que hoje é difícil inclusive eu gastar dinheiro com roupas, por exemplo. Eu tenho que esperar a sola do tênis descolar para eu me tocar que eu tenho que visitar o outlet.

O que mudou foi que minhas prioridades passaram a ser outras, e coisas que eu achava que eu tinha que ter “quando fosse rico” passaram a ser completamente irrelevantes.

Hoje em dia, quando eu vejo algo e acho “que coisa legal”, eu não compro, volto para casa (ou saio da frente do computador) e me pergunto se realmente preciso daquilo, se vou ter espaço para aquilo e como vai ser se eu me mudar para outro país (recentemente foi um sistema de áudio de home theater). Em geral, a

resposta é negativa e acabo não comprando. Ainda mais atualmente (2015), que estou no movimento de aprender a viver com menos coisas materiais em minha vida, não mais. É um grande desafio.

Isso não significa, de modo algum, que você tenha de ser um sovina, um Tio Patinhas, e andar com calça furada e ficar contando centavos. A questão toda é a importância e o motivo do que é consumido. Inclusive acho importante você se dar “presentes” ou “sonhos de consumo” quando você atinge metas que você estabeleceu para si próprio. Mas, curiosamente, eles não precisam ser caros; o importante é que eles tenham relevância para você.

Como eu comentei no primeiro capítulo, eu cheguei a ter um Porsche nos EUA, que comprei à vista. Antes que você pense que isso é algo do outro mundo, era o modelo de entrada (Boxster), que comprei zero mas em uma promoção de

queima de estoque antigo, então saiu por US$ 50.000. Como o dólar na época por volta de R$ 2,00, era mais barato que um Honda Civic no Brasil. Sem contar que custos de IPVA, seguro e manutenção do Porsche eram possivelmente mais baratos que os de um Gol no Brasil (IPVA por volta de US$ 500/ano nos primeiros anos e seguro por volta de US$ 500 por semestre nos primeiros anos; cada

revisão ficava por volta de US$ 175). Coloco esses valores não para você ficar com raiva do Brasil e querer pegar o primeiro avião para fora, mas para reforçar a ideia

de que possivelmente um cidadão classe média no Brasil está mais ferrado com um Gol branco do que eu com o meu Porsche nos EUA (eu hoje realmente não teria um Porsche no Brasil, mais por causa de toda a questão de segurança pessoal).

Figura 3.4: meu Porsche, que tive entre 2009 e 201312

Ou seja, o problema é o cidadão “colocar a carroça na frente dos burros” e gastar além das suas condições.

O meu sonho de consumo particular é ter uma Ferrari ou uma Lamborghini. Apesar de eu ter dinheiro para ter uma, quando eu paro para pensar o quanto

12 As fotos que que adicionei a este capítulo foram apenas para ilustrar as histórias e tornar meus

testemunhos mais “palpáveis”; em momento algum a minha intenção foi de “me mostrar”. Espero que você goste das fotos.

esse dinheiro (e os custos associados com seguro e manutenção) poderia estar rendendo e bancando viagens que eu quero fazer, eu desisto da ideia!

Obviamente, tudo isso que estou discutindo nesta seção tem a ver com quais são as prioridades e valores de cada um, e certamente variam de pessoa para pessoa. Mas no geral, o self-made man (ou woman) que realmente tem grana (e não apenas tem a aparência de ter grana) não esbanja dinheiro, pois sabe o quanto ele teve que “ralar” para obtê-lo, conforme comprovado nas pesquisas do Dr. Stanley.

Portanto, se você acha que a maioria dos milionários sai por aí gastando dinheiro com qualquer besteira que vê pela frente, sinto desapontá-lo!

No documento Os Mitos Do Dinheiro - Gabriel Torres (páginas 55-61)