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Se todo mundo está investindo em “x”, então é bom negócio

No documento Os Mitos Do Dinheiro - Gabriel Torres (páginas 68-72)

Provavelmente não, por vários motivos. Para começar, o que você entende de “x”? Se “x”, por exemplo, é “ações da empresa X”, o que você entende sobre o mercado de ações? Vá primeiro fazer um curso, ler livros, para então analisar se faz ou não sentido este investimento. Como já disse no primeiro capítulo, investir naquilo em que você não entende é receita certa para perder dinheiro.

Eu utilizei o termo “empresa X” de propósito. Muitas pessoas entraram na onda de investir em ações das empresas X de Eike Batista, sem se darem conta de que eram investimentos especulativos em empresas sem qualquer histórico de funcionamento e, portanto, recomendados apenas a investidores qualificados e, mesmo assim, para apenas uma pequena parcela do capital disponível. E depois que a bomba estourou, milhares de pequenos investidores perderam o capital investido. Eu concordo que o Eike Batista seja responsabilizado por promover suas empresas com empolgação exagerada e não ter divulgado notícias

relevantes negativas, e de não haver nenhuma norma para permitir o acesso a ações de empresas desse tipo apenas a investidores qualificados. Mas há de se convir que o pequeno investidor não tinha de estar colocando todo seu dinheiro em um investimento altamente especulativo. O problema é que muitos querem ficar ricos rapidamente com um investimento milagroso, e esta mentalidade é um chamariz para golpes, como voltaremos a falar. As ações das empresas X são um bom exemplo de modismo, e modismos devem ser evitados. Voltaremos a este assunto daqui a pouco.

Segundo, se o investimento “x” está tão popular a ponto de leigos estarem ouvindo falar, então possivelmente estamos diante de uma bolha especulativa, que é quando há um clima de euforia a respeito de um determinado investimento que faz com seu preço suba vertiginosamente em um curto período de tempo. É possível ganhar dinheiro com bolhas especulativas, se você sair dela antes de ela estourar. Do contrário você acabará com um “mico” nas mãos.

Investidores “profissionais” normalmente têm como lema que, quando pessoas “comuns” estão eufóricas a respeito de um determinado tipo de investimento, então é hora de sair porque a bolha vai estourar. Joseph Kennedy (rico investidor norte-americano, pai dos irmão Kennedy e primeiro presidente da SEC, Securities Exchange Commision, órgão equivalente à CVM nos EUA) saiu do mercado de ações pouco antes da quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929 quando sentou para engraxar os sapatos e o engraxate deu “dicas” de “ações quentes” a ele. O pensamento dele, que mostrou ser correto, é que “se até o engraxate está investindo em ações, então está na hora de sair!”3.

Bernard Baruch, especulador norte-americano, descreveu o clima antes da

quebra da bolsa da seguinte forma: “Motoristas de táxi me diziam o que comprar. O engraxate me dava um resumo das notícias financeiras do dia enquanto ele polia meus sapatos. Um velho mendigo que regularmente fazia ‘ponto’ na rua em frente ao meu escritório estava agora me dando dicas e, eu suponho, usava o dinheiro que eu e outros davam a ele no mercado. Minha cozinheira tinha uma conta em uma corretora de valores e acompanhava atentamente as cotações da bolsa.”4

Mais ou menos recentemente presenciamos duas grandes bolhas especulativas nos EUA com efeitos devastadores, a primeira foi a especulação com ações de empresas “ponto com”, empresas sem qualquer ativo físico vendo o preço das suas ações subir loucamente em um curto período de tempo. Muita gente ficou milionária em um curto período de tempo, mas houve inúmeras pessoas que perderam tudo e mais um pouco quando as ações começaram a cair e elas se recusaram a vender suas ações achando que o preço “voltaria”. O problema foi ainda mais sério porque muita gente nos EUA estava pegando dinheiro

emprestado (dando a casa própria como garantia, refinanciando a casa própria ou simplesmente usando o limite de saque do cartão de crédito) para investir nessas ações. Quando as ações viraram pó, além de perderem tudo o que tinham, ainda

3 DUNCLIFFE, William J. The Life and Times of Joseph P. Kennedy. New York: Macfadden-Bartell, 1965. 4 ROTHCHILD, John. When the shoeshine boys talk stocks it was a great sell signal in 1929. So what are the

shoeshine boys talking about now?. New York: Fortune Magazine, 15 abr. 1996. Disponível em

<http://money.cnn.com/magazines/fortune/fortune_archive/1996/04/15/211503/index.htm>. Acesso em: 12 jul. 2010.

tinham uma dívida enorme com o banco. É normalmente o que acontece quando pessoas ficam com “olho grande” e dão um passo maior do que a perna.

A segunda foi a bolha do mercado imobiliário nos EUA. O preço das casas estava subindo tanto e tão rapidamente que pessoas estavam assumindo empréstimos imobiliários que elas sabiam não conseguiriam pagar. A ideia era a seguinte. Ela comprava uma casa financiada, pagava algumas poucas prestações, e dali a

poucos meses ela revendia a casa. Como os preços estavam subindo loucamente, ela conseguia revender a casa por um valor maior do que ela pagou, conseguia quitar o financiamento, cobrir todos os custos e ainda sair com um lucro. Em um determinado momento, os preços pararam de subir. Milhares de pessoas nos EUA tiveram que decretar falência, pois não só não conseguiam pagar as prestações como a dívida com o banco era em valor muito superior ao novo valor do imóvel, após a queda dos preços.

No Brasil não é muito diferente: de tempos em tempos aparecem algumas manias, alguém aparece com uma ideia e, pouco tempo depois, um bando de “imitões”. É possível ganhar dinheiro com essas manias? Possivelmente se você estiver na primeira “leva” de pessoas. Se você for um dos “retardatários” e entrar no mercado quando ele já estiver saturado, possivelmente perderá tempo e dinheiro.

Um bom exemplo é o das “vans” (chamadas de “peruas” em São Paulo e algumas outras cidades). Logo após a abertura do mercado de importação em 1992

começaram a aparecer as “vans” no Brasil – até então o veículo mais próximo de uma “van” que tínhamos era a Kombi –, especialmente as da sul-coreana Kia, como a Besta e a Topiq. Alguém teve a ideia de pegar uma “van” dessas e começar a fazer “lotações”, transportando pessoas entre localidades mal- atendidas pelo sistema de transporte público existente. Dali a pouco “todo mundo” estava com a mesma ideia e as grandes cidades, notadamente Rio de Janeiro e São Paulo, ficaram infestadas dessas “vans” fazendo serviço de

transporte (ilegal, a propósito). Com essa infestação, começaram protestos tanto contra e quanto a favor do serviço, que finalmente acabou sendo regulamentado. Não há dúvida que se você tentar entrar hoje no mercado de “vans”,

possivelmente não vai ganhar dinheiro da mesma maneira que os primeiros, especialmente agora que o mercado é regulamentado e há forte concorrência, inclusive com relatos da existência de “máfias” que assassinam concorrentes5.

Muita gente que abandonou a febre das vans acabou convertendo a sua van em carrocinha de cachorro quente. Sabe-se lá quem foi o primeiro a ter essa ideia, mas tudo o que sabemos é que em pouco tempo você podia ver uma “van”

transformada em carrocinha de cachorro quente em cada esquina. Mais uma vez, quem você acha que ganhou mais, o camarada que teve a primeira carrocinha ou o camarada que copiou a ideia e entrou no mercado para competir com 200 outras, depois que o mercado já estava saturado?

A cada verão aparecem novos modismos. Iogurte congelado (“frozen yogurt”, que já saturou e deu prejuízo aos retardatários), paletas mexicanas, o movimento de comidas “gourmet” e “food trucks”6 (que aposto saturarão muito em breve) são

apenas alguns exemplos mais recentes.

Para ter sucesso com um negócio, você tem de ter um negócio completamente diferente dos demais, um negócio que se reinventa de acordo com as mudanças de hábito dos consumidores e/ou um negócio com um diferencial grande o suficiente que permita que sua empresa sobreviva mesmo quando há muita concorrência ou após o término do modismo. Lembre-se: em negócios, você não ficará rico se fizer tudo exatamente como os demais fazem. Ou do contrário todos os empresários seriam milionários.

E não custa lembrar que, no Brasil, metade das empresas fecham com quatro anos de atividade7. Por isso acho incrível como há pessoas que compram

franquias “da moda” de empresas que estão há menos de dois anos no mercado!

5 AGÊNCIA ESTADO. Homem que testemunhou contra máfia das vans é morto. São Paulo: Agência Estado, 24 dez.

2008. Disponível em <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL934482-5598,00-

HOMEM+QUE+TESTEMUNHOU+CONTRA+MAFIA+DAS+VANS+E+MORTO.html>. Acesso em: 12 jul. 2015.

6 Aparentemente é mais “chique” chamar “caminhão de comida” de “food truck” (bem como “hot dog” em vez de

“cachorro quente”), e mais curioso ainda como, no Brasil, dão “glamour” a algo que em outros países é simplesmente “comida de povão”.

7 SEBRAE SP. Doze anos de monitoramento da sobrevivência e mortalidade de empresas. São Paulo: SEBRAE SP,

No documento Os Mitos Do Dinheiro - Gabriel Torres (páginas 68-72)