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O mito da casa própria

No documento Os Mitos Do Dinheiro - Gabriel Torres (páginas 87-90)

No mundo inteiro é perpetuado o mito de que “temos” de ter uma casa própria, que é melhor pagar um financiamento do que pagar um aluguel, pois o dinheiro do aluguel não volta, etc.

Fora do Brasil, o mito da casa própria é visivelmente perpetuado pela a indústria hipotecária. Nos EUA, bancos, cooperativas de crédito e financeiras

frequentemente vendem a ideia de que ter uma casa própria financiada é o “sonho americano”13. Na Austrália, vi a propaganda de uma empresa de

financiamento que dizia: “todo casal jovem precisa ter uma casa própria”. Já no Brasil, o mito da casa própria é uma herança dos nossos tempos de hiperinflação, onde imóveis eram uma das poucas formas de não ver seu dinheiro virar pó. E as recentes bolhas especulativas, inclusive no Brasil, ajudam a perpetuar a ideia de que imóveis são um excelente investimento porque o preço deles só sobe.

O problema é quando a pessoa, só porque “tem que ter” uma casa própria, acaba comprando uma casa na Casa do Chapéu (porque os preços dos imóveis perto do trabalho estão muito altos), e gasta as tais duas horas para vir e ir, mais os custos relativos ao carro... Veja como uma coisa está ligada a outra...

Ou então até compram um imóvel perto do trabalho, mas mudam de emprego para outro distante...

Eu já tive casa própria financiada, eu já tive casa própria quitada e já morei de aluguel. Para mim, ao levar em conta o estilo de vida que eu quero, a última opção é a melhor, pois me dá a liberdade para eu me mudar com maior agilidade quando quiser.

Financeiramente, com exceção de períodos de bolhas especulativas como os vividos recentemente no Brasil devido à expansão de crédito durante o primeiro governo Dilma (2010-2014), pode ser mais vantajoso alugar do que comprar.

13 De acordo com a Wikipédia em inglês, em uma tradução livre: “O sonho americano é o ethos nacional dos

Estados Unidos, um conjunto de ideais em que liberdade inclui oportunidade para prosperidade e sucesso, e uma mobilidade social ascendente para a família e filhos, atingida através de trabalho árduo em uma sociedade com poucas barreiras”. O próprio sonho americano, verdadeiro nos EUA pós-guerra, é atualmente um mito.

A matemática está explicada melhor no primeiro livro do Mauro Halfeld14, mas o

macete é descobrir o percentual que o aluguel vale em relação ao valor do imóvel. São poucos imóveis que são listados para venda e aluguel ao mesmo tempo, mas uma pesquisa no mesmo prédio ou bairro pode te dar pelo menos uma ideia.

Por exemplo, se um apartamento vale R$ 1 milhão e o aluguel pedido é de R$ 3.500 por mês, o percentual é de 0,35% (R$ 3.500/R$ 1 milhão). Isso significa que, não levando-se em consideração a valorização do imóvel, é um investimento que rende 0,35% para o proprietário. Se eu tenho R$ 1 milhão e invisto em renda fixa hoje (julho de 2015), tenho um rendimento seguro e certo de cerca de 0,8%, ou seja, R$ 8.000 por mês. Isso dá e sobra para pagar o aluguel, então é mais jogo alugar do que comprar, já que a diferença é reinvestida e meu patrimônio só aumenta.

Este exemplo foi dado com renda fixa, mas, como falei no capítulo anterior, eu particulamente invisto em fundos multimercado que rendem mais do que isso, portanto investir o dinheiro e alugar, para mim, faz mais sentido.

Mesmo que você não tenha uma reserva financeira, você acumulará mais

patrimônio no longo prazo se alugar e investir religiosamente todos os meses do que se comprar um imóvel financiado a taxas de juros tupiniquins de pelo menos 1% ao mês (obviamente se você tiver acesso a um financiamento a taxas de juros abaixo disso, a história muda) mais correção monetária (que é algo que não existe em países desenvolvidos).

Você pode fazer a seguinte simulação: supondo que você esteja pensando em comprar um imóvel financiado, veja quanto seria o aluguel de um imóvel

financiado e veja quanto seria a prestação. Com quase toda a certeza a prestação será mais cara do que o aluguel. Se você colocar em um fundo de renda fixa o montante que você ia dar de entrada e, mensalmente, a diferença entre o aluguel e o valor que seria o da prestação, você estará bem melhor (só não se esqueça de

aumentar anualmente o valor da parcela que você investirá para compensar a inflação).

Mas entendo que muitas pessoas tenham dificuldade de justamente investir parte da renda mensal em um fundo de renda fixa todos os meses e seguir o plano que apresentei no capítulo anterior, e que precisam de uma prestação para se forçar a poupar. Aqui trago apenas algumas ideias diferentes das habituais que

costumamos ouvir no dia a dia.

Obviamente essas contas são rudimentares pois não levam em conta a

valorização do imóvel nem a inflação, mas são um exercício para mostrar que, financeiramente, comprar um imóvel não é necessariamente melhor do que alugar.

Outra coisa que para mim pesa contra a venda de imóvel é que existe uma

diferença entre o quanto você acha que vale e o quando receberá na venda, todas as taxas, impostos e comissões que pagará na venda, além de ser um

investimento sem liquidez e com muita burocracia para se desfazer.

No caso do imóvel financiado, há outro problema mais complicado: você deve pagar os juros antes do principal. O que isso significa: nos primeiros anos do financiamento, as parcelas são para basicamente pagar os juros, portanto o seu saldo devedor diminui muito pouco. Se você decidir vender o imóvel muito antes do término do financiamento, verá que o montante que você já gastou baixou muito pouco o saldo devedor, restando ainda um valor considerável a ser pago ao banco. Além disso, como comentado, as parcelas são reajustadas anualmente de acordo com a inflação, e normalmente os salários não são ajustados dessa forma ou pelo mesmo índice, e você fica com uma bomba-relógio nas mãos. Só para um exemplo real, no primeiro imóvel que eu tive, que eu comprei na planta

financiado, as prestações no primeiro ano eram de cerca de R$ 830 e, cinco anos depois, já eram de mais de R$ 2.000 (essa diferença se deu por duas causas, uma cláusula que aumentava o valor após a entrega do imóvel e a correção

Há uma grande excessão a toda essa explicação, que é quando o seu saldo do FGTS for alto suficiente para comprar um imóvel. Aí o caso muda completamente de figura, pois o seu dinheiro fica preso no FGTS rendendo juros ridículos de 3% ao ano. No caso de uso do FGTS para dar entrada em imóvel financiado, você terá de fazer cálculos para ver se vale a pena. A sua maior preocupação deverá ser o aumento do valor das prestações ao longo dos anos, como dito no parágrafo anterior.

Mas há fatores que realmente pesam a favor de se comprar imóvel em vez de alugar: você achou o imóvel dos seus sonhos e pretende morar nele por várias décadas; você quer parte do seu patrimônio imobilizado propositalmente para deixar de herança a seus filhos e não quer que eles saiam torrando seu dinheiro caso deixe em ativos de maior liquidez; o efeito de psicológio de “ter” onde morar; entre outros. Note que tais fatores são mais psicológicos do que necessariamente matemáticos.

Poderíamos continuar discutindo por muito mais páginas essa dinâmica comprar

versus alugar; independentemente da sua opinião sobre o tema, meu objetivo

aqui foi apenas levá-lo a questionar se realmente comprar é melhor do que alugar, o que não necessariamente é verdade, mas é assumido como verdade absoluta pela maioria da população.

No documento Os Mitos Do Dinheiro - Gabriel Torres (páginas 87-90)