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5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.2 Análises dos resultados dos alunos

5.2.7 Impacto da escolarização na vida dos alunos após a alfabetização

A proposta da AlfaSol no Município de Maracanaú-CE é alfabetizar e letrar jovens e adultos de localidades diversas no Município. Após a fase inicial da alfabetização do módulo pesquisado, investigamos esses sujeitos hoje que se encontram praticamente do mesmo modo quando iniciaram o curso. A maioria não aprendeu a ler e aqueles que sabem ler, na verdade, já sabiam quando entraram no projeto.

Com relação a trabalho, não houve muita alteração. Mesmo que os alunos fossem alfabetizados, a escolarização seria insuficiente para inseri-los no mercado de trabalho, restando- lhes apenas procurar subsistência nos empregos domésticos, na economia informal (vendedores não legalizados, prestadores de serviços sem carteira assinada, biscateiros) e nos programas de assistência social (Bolsa Família e outros).

Muitos alunos já passaram pela escola, por vezes, durante dois ou três anos, e de lá saíram sem haver aprendido a ler e escrever o quanto baste para atender a suas necessidades sociais. A diversidade nesses grupos é bem acentuada. Nas salas formadas, existem adolescentes, adultos e velhos, homens e mulheres, alguns já iniciados na leitura e na escrita, outros que não conheciam o alfabeto.

Apesar de a diversidade proporcionar a troca de experiências e saberes, a dificuldade de lidar com diferentes públicos e diferentes objetivos exigiu muito mais dos alfabetizadores do que eles supunham enfrentar.

Os alunos demonstram objetivos diferenciados; os homens mais maduros estão mais preocupados em aprender, em aprender a ler e a escrever para desenvolver melhor seu trabalho.

Percebem o quanto podem melhorar com mais esse conhecimento e mostraram prazer em aprender, reconhecendo o erro do passado por não terem dado importância aos estudos; apresentam um discurso mais consciente e politizado.

Os mais jovens que trabalham sabem que podem melhorar profissionalmente e se esforçam pensando no futuro. Os que não trabalham se mostram apáticos, indiferentes com a situação. As mulheres não se importam muito com a questão política, pois são donas de casa e se preocupam com o marido e os filhos, vivem com a renda do programa federal Bolsa Família e não questionam a vida que levam; a maioria trabalha como doméstica e uma pequena parte vive de biscates e, assim como os homens, sonham em ter o próprio negócio.

Na entrevista, observamos que os mais jovens estão muito desmotivados e demonstram uma falta de perspectiva. Quase não houve impacto da vida deles. Mesmo quando dizem que querem voltar a estudar, não convencem muito, pois respondem simplesmente para se livrar daquele momento e ir embora.

Quando pedimos para os alfabetizandos falarem sobre o impacto da alfabetização em suas vidas, ouvimos que houve uma melhora na vida, mas nada que pudesse alterar a questão profissional. O lado pessoal é o mais ressaltado por eles, pois falam do bem-estar e da alegria de poderem se reunir em grupos. Vejamos os exemplos:

(47) tudo é igual, nada mudou. (AL9M, 30).

(48) melhorou muito, ajudou no trabalho, eles me mandam estudar para melhorar no trabalho, tem que ter primeiro grau, o AlfaSol me ajudou a entrar no Brasil alfabetizado, eu não sabia de nada, eu estava no EJA 2 e não estava acompanhando, pedi pra voltar para o Brasil Alfabetizado, agora eu acompanho, vou ter aula de Internet agora e vou continuar o EJA, sei usar o celular, no banco minha esposa vai pra mim. (AL10M, 29).

(49) minha vida melhorou, porque hoje tenho mais conhecimento, lendo eu conheço o mundo sem sair de casa. Eu aprendi a ler, mas no fim do módulo eu desaprendi a ler porque passou mais de 1 ano sem ler e escrever. (AL8M, 31).

(50) acho bom, a gente aprende mais, a gente preenche o dia, a escola é um lazer, a gente se diverte com os amigos. (AL9F, 53).

(51) melhorei a letra, quero aprender cada vez mais, por isso não quero parar, eu acho muito ruim esses meninos mais jovens que não dão valor ao estudo, eu falo em sala de aula que é importante, digo que não façam como eu mas eles não levam nada a sério, não respeitam o professor. (AL13M, 62).

(52) melhorou, aprendi palavra que tem o R antes da palavra e depois, eu consegui saber fazer sem dificuldade mas eu desisti porque o óculos não prestava. Eu quero voltar

pro projeto mas não enxergo, eu sou matemático, aprendi sozinho, aprendi a ler sozinho, meu pai lia tudo pra gente e eu aprendi tudo sobre os estados e territórios. (AL2M, 66).

Os mais velhos sabem a importância do momento, mas também não veem perspectivas de melhorar profissionalmente; revelam já ter passado por outro programa e colocam obstáculos quando se fala em continuar estudando no EJA.

(53) mudou porque eu peguei uma grande prática, me deram até uma vaga, mas eu não quis ir para o EJA, eu tenho problema de visão, arranjei óculos para os meus filhos. (AL13M, 51).

(54) eu to pela 2ª vez no projeto, já sabia ler, melhorei mais a leitura, a escrita, as contas que eu tenho que fazer, uso mais a matemática, pra somar, por conta do comercio. O pessoal é muito desinteressado, eu acho bom sair da rotina, a hora passa mais rápido, vou ficar fazendo em casa o que?, eu não vou pro EJA porque aqui é muito perigoso e a escola é longe, se fosse perto eu ia. (AL12F, 62).

(55) ajudou muita coisa, faço o nome, conheço as letras, consigo ler algumas palavras e continuo estudando no EJA, eu aprendi na ALFASOL a fazer o nome e conhecer as letras. (AL10M, 45).

Os alunos de mais de sessenta anos se mostraram motivados. Criticam os mais jovens pelo desinteresse, falam dos exemplos e prejuízos que sofreram por não levarem a sério e educação na idade certa. A experiência de vida é sempre ressaltada e há um discurso politizado nas falas.

Kleiman e Signorini (2001) entendem letramento “como o conjunto de práticas sociais relacionadas ao uso, à função e ao impacto da escrita na sociedade, diferenciando esse conceito do conceito de alfabetização, o qual é mais restrito em geral interpretado como processo de aquisição do código da escrita e domínio individual desse código”. (P.19).

Muitos já haviam frequentado a escola antes e voltar à sala de aula para esses alunos significa enfrentar novamente o desafio de mudar as próprias condições de vida. Então, eles procuram algo mais do que a aprendizagem, buscando a integração, a socialização, um sentido para vida. O exemplo a seguir da aluna mostra que ela entrou no projeto com o objetivo de se atualizar, além da oportunidade de se integrar em um grupo.

(56) eu gostei porque sempre ensinava coisa nova, no meu tempo era diferente, tudo mudou, melhorou mais, facilitou muito no meu trabalho, coisas que eu

não entendia, acabou facilitando, eu já sabia ler, fiz até a 4ª série. (AL12F, 53).

Duas alunas relataram que aprenderam a ler e escrever, mas não disseram que foi durante o curso. Boa parte frequenta as aulas porque a professora pediu a ajuda para formar a turma, apenas duas alunas demonstraram vontade de continuar estudando. Há uma desmotivação aparente por conta dos afazeres domésticos, pois acham muito cansativo ir para aula depois de um dia inteiro de trabalho estafante. Uma aluna relatou que só frequenta as aulas por conta da filha que insiste. Vejamos os exemplos em suas falas:

(57) gostei muito por causa dos colegas, a professora, as palestras, melhorou um pouco a escrita, eu volto por causa da professora, das colegas. (AL13F, 67). (58) passei a ver coisas diferentes, penso em desistir mas minha filha não deixa, ela

quer que eu aprenda a ler, as vezes eu acho cansativo. (AL12F, 31).

(59) a gente nunca sai de casa, ia os dois juntos (ela e o marido), melhorou muito, passei a entender mais, a escrever melhor, a leitura também, mas não posso voltar, o trabalho não deixa. (AL11F, 32).

Para essa aluna não houve impacto nenhum na vida com a entrada no programa. Disse que tinha entrado de novo na AlfaSol, mas que já ia deixar; ela havia desistido da outra vez também.

(60) mudou muito não. (AL9F,36).

(61) não mudou nada, aprendi mais ou menos, tenho muita dificuldade em matemática. (AL8F, 47).

(62) melhorou muito, sei fazer o nome, palavras soltas, trabalho não melhorou.

(AL2F, 29).

(63) ta melhor porque a gente vive só dentro de casa, eu fui falar com o pastor pra dizer que eu ia estudar e ele me perguntou por que. A minha mãe acha que eu não aprendo mais, os filhos não querem que eu estude, também dizem que não aprendo mais, mas eu não vou pela cabeça dos outros. Deus vai me ajudar a ler e eu tenho vontade de compreender o que escrevo, vou pra escola pra aprender mesmo. (AL3F, 58)

Observamos que sempre deparamos as palavras divertimento, entretenimento, diversão, amizade, brincadeiras, ocupação de tempo, ou seja, o projeto serve para um propósito específico, o de preencher um vazio e uma solidão que as pessoas nessa faixa etária sentem. Vejamos as falas.

(64) tudo ficou muito bom, porque a gente fica se reunindo com os amigos, os amigos do colégio, gosto muito. (AL1F, 51).

(65) melhorou muito, passei a assinar meu nome, tinha amigos, mas deixei de ir porque era muito longe e a passagem era muito cara, não tinha dinheiro, eu e muitas outras também não iam por causa do ônibus. (AL3F, 57).

(66) mudou pra melhor, é divertido, a gente fica só brincando, ai eu paro e digo, agora vou estudar, gosto de ler o livro, ler tudo”. “Mudou pra melhor, é divertido, a gente fica só brincando, ai eu paro e digo, agora vou estudar, gosto de ler o livro, ler tudo. (AL1F, 60).

No exemplo (38), observamos a falta de perspectiva apontada pelo aluno ainda jovem, e no restante das falas há sempre o destaque para a falta de mudança que não ocorreu. Nos outros exemplos, podemos notar que a maioria não continuou no projeto ou já se predispõe a desistir, todos ressaltando a convivência agradável com os colegas em sala de aula.

Desse modo, ao compararmos os resultados dos dois grupos, alfabetizadores e alunos, verificamos, ao considerar os impactos na visão de cada um, que houve melhoras significativas para os alfabetizadores, que se sentem motivados com perspectivas positivas, em contraposição ao impacto dos alunos, que não alterou nada na vida deles,pois se acham desmotivados e sem perspectivas. Não houve benefício real para esses sujeitos.