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5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.2 Análises dos resultados dos alunos

5.2.3 Informações escolares

Muitos dos alfabetizandos já haviam frequentado algum tipo de escola antes (76,9%). Observou-se que as salas de aulas funcionavam mais como um espaço de socialização. Quando perguntados sobre o impacto que a alfabetização causou na vida deles, sempre se referiam à oportunidade de fazer novos amigos, às conversas que podiam ter em sala e às boas risadas que davam com os amigos. Para a maior parte dos alunos, os encontros sempre eram divertimentos e acompanhados de uma boa conversa. Poucos se referiam à aprendizagem em si. Segundo Mortatti (2007), o sujeito depende essencialmente do outro:

(...) na perspectiva interacionista se considera que o processo de aprendizagem do sujeito depende essencialmente da interação com o “outro” e, sobretudo, das “relações de ensino”, no caso da aprendizagem escolar. Trata-se, assim, de um processo social, porque acontece entre sujeitos, em situações reais de interlocução, nas quais a linguagem/língua tem função constitutiva, constituidora e mediadora. ( P. 162).

Verificamos que a maioria não aprendeu a ler e a escrever durante o curso. Os que sabiam, aprenderam antes de entrar na AlfaSol e aqueles que não sabiam ler, nem escrever, diziam que não aprendiam mais por conta da idade. Para eles, aprender a fazer o nome já era o bastante, frequentavam as aulas sem muita expectativa com relação à aprendizagem, mas gostavam do convívio com os colegas.

Sabemos que a alfabetização não pode ficar restrita ao processo de codificação e decodificação. Existem mais coisas em uma sala de aula de jovens e adultos que devem ser levadas em conta, tais como a leitura de mundo que cada um dos alunos traz para a classe e que não podemos desconsiderar. Para Freire (2001),

Alfabetização implica reconhecer o ponto de partida de leitura do mundo, implica pensar em que níveis a leitura do mundo está se dando ou quais são os níveis de saber que a leitura do mundo revela e a partir do aprendizado da escrita e da leitura da palavra que se escreveu, voltar agora, como o conhecimento acrescido, a reler o mundo. (P.137).

Na visai de Freire, essa alfabetização proposta é centrada no ente humano como ser gnosiológico, que se sabe inacabado e por isso busca o conhecimento. Ele relativizou o saber na prática pedagógica, valorizando o conhecimento do aluno e do saber popular, desmistificando o poder absoluto do conhecimento científico em detrimento do saber popular. Dizia que ninguém sabe tudo e ninguém é ignorante de tudo.

Muitos alunos já haviam passado pela escola formal antes (76,9%), quando criança ou quando adulto jovem. Estudaram em grupos escolares, ou em aulas particulares, sem método algum, e em escolas públicas. Esses sujeitos vivenciaram espaços de aprendizagem com pouca infraestrutura. Alguns alunos relataram na entrevista que recebiam muito castigo por não aprender; preferiam brincar no caminho da escola, não se sentiam motivados e desistiam. Sabe-se que frequentar a escola não quer dizer aprender a ler e escrever. Tfouni diz que “Freqüentar a escola por si só não garante ao sujeito níveis mais altos de letramento, nem o domínio da escrita”. (2006, p.18)

Na verdade, alfabetizar designa algo mais do que a “mera” aquisição inicial da técnica ou habilidade de leitura e escrita, ou seja, para designar a condição de pessoas ou grupos que não apenas sabem ler e escrever, mas também utilizam a leitura e a escrita e seus usos e funções, incorporando-as em seu viver e transformando, por isso, sua condição (SOARES, 1995).

Alguns alunos, apesar da boa vontade, eram obrigados a desistir de estudar, ou porque os pais não queriam, no caso das mulheres, por achar que não precisavam aprender a ler e escrever, ou por conta do trabalho na roça ou em casa de família. Normalmente quem realizava o trabalho doméstico não tinha a permissão dos patrões para estudar. Com os homens também não era muito diferente: paravam porque precisavam trabalhar desde cedo para ajudar os pais.

Segundo Soares (2004), ”Um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e è significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita” ( P.24).

Para os que nunca frequentaram nenhuma escola, existe um contexto que deve ser levado em consideração: os pais, por serem analfabetos, não se importavam muito com escolas e, sim, em colocar os filhos para trabalhar - as meninas em casa de família ainda criança ou até mesmo na roça, os meninos desde cedo na labuta com os pais. Além disto, a insuficiência de vagas e a falta de motivação eram fatores agravantes para o afastamento desses alunos da escola, segundo depoimentos deles próprios.

Não podemos, entretanto, desconsiderar a experiência de vida desses alunos, que condiciona sua leitura do mundo e o domínio dele mediante as ações de cada sujeito.

Historicamente, os seres humanos primeiro mudaram o mundo, depois revelaram o mundo e a seguir escreveram as palavras. (...) Os seres humanos não começaram por nomear A! F! N! Começaram por libertar a mão e apossar-se do mundo.

Não existe muita motivação entre essas pessoas. Vejamos alguns exemplos nas falas dos alunos sobre a falta de interesse em frequentar a escola e por que desistiam:

(32) não me interessava. (AL7M, 55).

(33) meu pai não deixava, ia buscar no colégio, achava desnecessário, pra ele trabalhar dava mais lucro. (AL3F,49).

(34) não tive oportunidade; morava no mato; morava muito distante. (AL7F,43). (35) o trabalho não dava condições. (AL5M, 51).

Quando perguntamos sobre a modalidade de ensino que haviam frequentado, 76,9% disseram que foram alunos da escola formal, pública ou particular. Segundo os alunos, as escolas não tinham nenhuma infraestrutura, os espaços eram desmotivadores e os profissionais pareciam não ter muita didática para tratar com os alfabetizandos, usando com frequência castigos físicos.

Os alfabetizandos relataram que não iam para aula com frequência, faltavam para brincar ou para trabalhar, não se importavam muito. Os próprios pais, às vezes, tiravam os filhos da escola, os motivos eram os mais diversos, a família se mudava ou os pais tiravam os filhos para poder trabalhar, a professora dava muito castigo para os meninos. O fato é que eles sempre abandonavam a escola; na época não existia nenhum programa do governo para obrigar os pais a manter os filhos estudando.

Quando se abordou sobre parar ou desistir de estudar, 94,2% disseram que desistiram de estudar. Desses, 48,1% desistiram pelo menos uma vez e 19,2% quatro vezes ou mais. Quando perguntamos o motivo, 36,5% alegaram trabalho, 25,0% família, 25,0% a escola não atendia as suas expectativas, 17,3% dificuldades financeiras e 26,9 % mudança de bairro ou cidade (cf. tabelas 31 35).

A maioria dos alunos sempre desistia de estudar, fazia só tentativas frustradas; não havia as condições mínimas necessárias de funcionamento na escola. Como dito anteriormente, não havia motivação para a permanência deles, tampouco a informação apropriada para os pais. Segundo os alunos, na época não era tão fácil estudar, mal começavam e logo desistiam, havia outras prioridades bem mais importantes para toda a família, a luta pela sobrevivência. Vejamos os exemplos em algumas falas dos alunos:

(36) eu desisti porque tinha que trabalhar muito cedo, trabalhei até os dezoito anos quando fui para o exercito, foi lá que aprendi a ler. (AL5M, 59).

(37) eu desisti porque naquele tempo as coisas era mais difícil, eu me casei, tinha que trabalhar, família pra sustentar, vida difícil, minha mãe tinha vontade que eu soubesse ler e escrever pra ser padre, ela achava muito bonito. (AL9M, 55). (38) eu era doente e não conseguia ficar na escola, sempre iam me buscar, era doente

dos nervos. (AL10F, 71).