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5. O PROCESSO DE PRODUÇÃO DE MÍDIAS

5.1 O CASO DO PROGRAMA DE RÁDIO DESENVOLVIDO PELA EQUIPE

5.1.4 O caso a partir de uma visão etnoanalítica

5.1.4.3 Impacto para a saúde

Pelos relatos, os programas contribuíram para ampliar a discussão e a busca por informações sobre temas relacionados à saúde. Alguns tópicos importantes debatidos nos programas passaram a fazer parte da preocupação dos membros da sociedade como, por exemplo, o abuso do sal, a importância de beber água e o cuidado com a automedicação.

O programa ajudou muito, porque aqui tá o médico, ele atende, como eu te falei, ele tá atendendo, né? E é um atendimento que às vezes não dá pra falar de tudo que é uma consulta [...], mas quando você faz um programa ele fica mais aberto pras pessoas poder ouvir e conhecer mais a realidade, ter mais tempo, principalmente de passar pras pessoas. [...] A gente chegou a ir também pra esse programa e ajudou muito, porque [...] tinha pessoas que às vezes não vinha pra o posto, principalmente o homem que você sabe que o homem ele é mais aquele, aquela pessoa, que não é como a mulher que vem ao posto de saúde. Então, o homem ele tava [...] numa casa construindo, uma senhora que tava na cozinha, uma outra que tava no tanque lavando uma roupa, tava sempre ouvindo o programa da rádio. Quando o programa terminava, eu me lembro que eu ia pra visita, que a gente ficava ouvindo aqui também, né? E aí alguém dizia assim: – Ó, que bom, eu vi passando isso, que deve beber bastante água, que [Seu Farinha] disse que a gente deve beber bastante líquido de água, olhe que não comer o sal, a gordura, o caldo de galinha, olhe isso aí eu não sabia [...]. Aí assim, ajudava muito o trabalho [...], por exemplo, mesmo, minha amiga, uma senhora mesmo que ela usava sempre o caldo de galinha [...], ela dizia: – Olha, o [Seu Farinha] disse que não pode tá comendo esse produto na comida e eu não sabia e eu tou usando, entendeu? Agora não vou usar mais / Isso aí é uma mudança. [...] Até que a gente também, no grupo de estudo, a gente estuda isso, mas até [...] chegar nas pessoas tem que ter mais força [...]. Então, pelo

menos alguma coisa deixa com o ouvinte. Então, claro que houve mudança sim, muito bom, só as pessoa tá ouvindo e poder participar, porque de qualquer forma eles tão participando (DONA BORBOLETA).

Rapaz, eu falo assim: – Moço, eu faço parte dessa equipe mesmo? Esse é meu trabalho mesmo? / Ficava orgulhosa, né? De tá vendo ali, a gente poder tá ajudando as pessoas, pessoas que tavam ali acamado. Tinha uma senhora mesmo que eu ia assim, eu ficava muito emocionada quando chegava lá, porque eu ia, chegava, ela tava com um radinho perto da cama, toda feliz. É como se fosse uma festa pra ela, terminava o programa e ela não saia dali, porque ficava uma hora, duas horas, até duas horas ali, ela ouvia. E ela ia e falava, todo programa: – Você viu? Falou isso, falou aquilo, mandou um abraço pra mim, que coisa boa, dá um abraço lá no pessoal do posto. / E começava a falar e eu ficava escutando ali... É um acolhimento, né? (DONA LIA)

Rapaz, tinha gente que vinha pra consulta, porque falava certas coisas na rádio e então ele vinha pra consulta, porque eu tinha falado [...], muito legal, muito legal, muito legal. Talvez, a maior perda em termo de comunicação pro posto tenha sido a rádio parar de funcionar. É um assunto que me deixa mal, eu gostaria assim de conhecer algum ministro, alguém dessa área pra dizer pra ele […]: – Que sacanagem que fizeram com a gente, sabe? / Porque foi uma sacanagem, essa coisa da rádio foi uma sacanagem, sabe? Um prejuízo, rapaz, você não tem ideia do prejuízo que foi, um prejuízo enorme pro nosso trabalho, sabe? [...] Por exemplo, um programa sobre uso de medicações, automedicação. Rapaz, as pessoas devolviam remédios quando a gente ia lá, ou entregavam para as agentes, sabe? Ou diziam mesmo: [...] – Doutor, eu sempre usei, mas não quero mais usar aquele remédio que você falou, aquilo pode provocar isso? / Porque eu fiz uma lista que foram dois programas só sobre isso, sabe? E o pessoal telefonava: – E tal remédio, o que é que ele provoca? / E eu, pau, sabe? Algum que eu não sabia eu dizia: – Esse aqui eu não sei, mas vou estudar e vou dizer depois. / Cara, o pessoal me parava na rua por causa disso. Então, assim, tinha uma penetração muito grande. [...] Eu sei que teve [...] pessoas que pararam de fazer automedicação. Hoje em dia é muito comum uma pessoa vir no posto me dizer: – Tal pessoa me disse pra usar tal coisa, não, mas eu só vou fazer isso depois que eu for no posto e isso foi depois desse programa, entendeu? Então essas coisas aconteceram (SEU FARINHA). As pessoas elas perguntavam mais, por exemplo, elas perguntavam: – E aí, tal dia é dia disso mesmo? / Tinha muita gente que, por exemplo, falava sobre determinada coisa que era melhor pra se fazer, e ele falava assim: – Ele falou que é melhor fazer assim, vamu deixar. / Porque batia muito na tecla da coisa do sal, por exemplo, ai assim, muita gente deixou de comer sal. Porque tinha muita gente que não vinha na unidade, mas ouvia o rádio, entende? Porque hoje em dia ainda tem muita gente que não vem na unidade, mas assim não é que não vem na

unidade, porque não gosta da unidade ou porque não gosta da equipe, é porque muitas vezes acha que não precisa da unidade (DONA LUA).

Tem pessoas que já tem algum resultado, de pessoas que estão se alimentando melhor, pessoas que estão cuidando mais da saúde, vindo mais pra o posto pra fazer o acompanhamento. [...] As pessoas davam muito valor, comentavam muito os ensinamentos que [Seu Farinha] passava durante o programa e cada semana ele lidava com um tema diferente. Eu creio que, sem dúvida, ajudou muito (DONA SOCORRO).

O que eu sinto é o seguinte: tá melhorando o nível, a discussão, a preocupação dos pais com a saúde dos filhos, tá tendo uma melhora. O diálogo, a percepção de saúde bucal tá mudando pra melhor. Isso é claro, mas [...] eu ainda não posso te falar, porque o programa em termos de saúde bucal ele é bem tímido ainda, a gente precisa incrementar esse programa. Agora, a parte de saúde geral tá claro, uma mudança absurda, porque todo mundo ouve a rádio, entendeu? Mas eu espero, logo, logo, poder estar te falando em outra oportunidade: – Olha, bombou. Em todos os sentidos (*risos*) (SEU CANUTO).

Essa etnoanálise, apesar de não ter sido sistematizada em documentos formais pelos membros da equipe, faz parte do aprendizado proporcionado pela experiência vivida durante a realização dos programas de rádio. Esses pontos de vista servem de base para reflexões acerca das práticas etnometodológicas que podem ser desenvolvidas pelos autores sociais no intuito de superar barreiras na relação com os demais membros da sociedade da qual fazem parte.