• Nenhum resultado encontrado

PRIMEIROS DIÁLOGOS EM CAMPO SOBRE O PROJETO

4. CONSTITUIÇÃO DO CAMPO

4.1 PRIMEIROS DIÁLOGOS EM CAMPO SOBRE O PROJETO

No dia 17 de abril de 2013 tive a oportunidade de conversar com o médico da unidade sobre este projeto. Existem diversas etapas importantes em uma pesquisa, mas essa primeira conversa pode ser crucial para a realização de todas as ações, pois é o momento em que se constrói uma interação saudável para a pesquisa ou é constituída a primeira barreira de relações que pode atrapalhar todo o andamento do trabalho. Isso gerou uma certa preocupação, pois ser aceito é completamente diferente de ter a pesquisa autorizada. Não adianta que este tipo de pesquisa seja feita por imposição ou por falta de opção e a clareza e a sinceridade em apontar potencialidades e fraquezas do projeto pode trazer contribuições para os processos em que a pesquisa é construída junto com os grupos sociais. Portanto, este trabalho distancia-se da ideia de possuir um objeto de estudo e traz uma postura de construir

uma relação de pesquisa com etnoprodutores de métodos. A conversa foi satisfatória no sentido de contribuir para a construção de uma proposta de pesquisa a ser desenvolvida com pessoas reais, imersas em situações concretas e, por isso, desviar do caminho de nos tornarmos apenas diretores de uma peça em que atores sociais vão se portar no intuito de atender nossas expectativas.

A conversa começou no carro e enquanto eu dirigia. Seu Farinha9 escrevia

com animação uma resposta para sua filha no intuito de contar as novidades do dia e de um curso que fazia, com recursos próprios, mas com objetivo de beneficiar a comunidade da qual faz parte. Após uma breve apresentação em que comentei sobre minha formação, sobre o mestrado em saúde comunitária e sobre alguns projetos de educação que tenho contribuído, ele começou a falar sobre a realidade com a qual iria me deparar. Em seu relato ficou clara a importância que dá aos trabalhos de educação, ao comentar sobre algumas ações desenvolvidas pela unidade de saúde e de outras experiências que acompanha.

No decorrer da conversa comentei mais sobre o projeto e começamos a esclarecer alguns conceitos como o de mídia e, nesse momento, ele contou um pouco da história de sua chegada ao vilarejo, trinta anos atrás, quando encontrou um posto gerido por uma senhora com a qual se aliou para dar continuidade às intervenções médicas. Esse processo parece ter sido o princípio da constituição e da sensação de pertencimento desse médico em relação à comunidade. Faço aqui uma ressalva, pois durante algum tempo, fiquei a me perguntar se a mídia produzida por um médico poderia ser considerada como uma construção etnometodológica representativa daquele grupo social. Porém, ao perceber a preocupação de envolver os membros da sociedade nas ações, o tempo de convivência com essas pessoas e a exteriorizada sensação de pertencimento fizeram com que o médico deixasse de ser considerado, por mim, como uma entidade distante da população ou mais uma voz interessada em monopolizar o poder de fala. Passei, então, a considerá-lo como um membro daquela sociedade. Desta maneira, o principal objetivo, ao produzir mídias, aparentava ser a busca por uma estratégia adequada para contribuir com a melhoria das condições de vida das pessoas com as quais ele conseguiu construir laços de amizade. Contudo, ficou evidente a sua angústia ao comentar sobre determinados comportamentos de amigos que, até o momento, não teve conversa que fosse suficiente pra ajudar. Portanto, as mídias, para a unidade de saúde, 9 Os nomes das pessoas entrevistadas são fictícios

poderiam representar uma outra alternativa de tentar mostrar para as pessoas a importância de determinados cuidados com sua saúde e com a saúde coletiva.

Ao discutir o conceito de mídia, mergulhamos na compreensão da mídia como um meio, porém ele comentou sobre um conceito que, durante o diálogo, denominou de "mídia oculta" ou "mídia invisível" ao considerar que todas as ações prévias voltadas para educação, de certa forma, sofreram influência do processo intercultural de construção e definição da identidade local. Todo esse processo, acabou sendo permeado por uma mídia que ele denominou de invisível, pois as construções sociais alteraram pensamentos e comportamentos de um povo sem uso de mídias "formais" ou formalmente construídas e apresentadas. Essa abordagem tem uma relação próxima com o conceito de mídia radical de Downing (2002), ao trazer a ideia de mídias que acontecem espontaneamente sem dependência de complexos aparatos tecnológicos.

A conversa fluiu bem e a receptividade ao projeto não poderia ser melhor, afinal ele pareceu interessado diante da possibilidade de ampliar o debate a respeito da produção midiática na unidade de saúde. A despedida foi em meio a discussões sobre educação e, de minha parte, com um pensamento otimista de ter encontrado um parceiro para construir esse e outros projetos. Ficou apenas em aberto uma definição, pois, a todo instante, ele colocou-se como representante de um grupo e, portanto, deveria se reportar a eles antes de qualquer definição. Depois dessa conversa, trocamos alguns e-mails que resultaram em uma visita para apresentação e avaliação do projeto por parte da equipe de saúde antes de iniciar qualquer atividade. O resultado dessa apresentação foi favorável à realização do projeto e fica o sincero agradecimento pela abertura e receptividade de toda a equipe.

Entre os dias 25 de julho e 02 de agosto de 2013 acompanhei um pouco da rotina da unidade de saúde enquanto aguardava pelo melhor momento para realizar cada uma das entrevistas. Por ser um curto espaço de tempo optei por não fazer muitas referências a essa observação participante como parte da análise, mas essa convivência foi essencial para iniciar uma aproximação que me ajudou a compreender melhor as relações e a perspectiva da construção de vínculos. Até a reunião do dia 26 de julho de 2013 ainda pairavam dúvidas a respeito de como seria a aceitação da pesquisa pelos membros da equipe, mas, mesmo depois da autorização unânime, tive a impressão que o trabalho ainda não estava totalmente aceito. Porém, esse período de convívio parece ter contribuído para uma melhor

compreensão da proposta, um maior interesse e apoio ao projeto, além de um maior cuidado e atenção comigo. Passei a considerar esse período como um passo inicial para a criação de vínculos com essa engajada equipe de saúde.

Para citar as falas dos membros da equipe, utilizaremos, ao longo do trabalho, nomes fictícios. Alguns dos nomes foram escolhidos pelo grupo após uma apresentação dos resultados preliminares desta pesquisa - Seu Farinha, Seu Canuto, Borboleta, Paciência e Lua. Não conseguimos fazer contato com todos os membros por conta de licença ou férias no período da apresentação, portanto fiz a escolha de alguns dos nomes, baseado em características percebidas durante a pesquisa. Foram acrescidos os termos “Dona” e “Seu”, pois é uma forma de tratamento respeitosa e comum no local da pesquisa.

A equipe entrevistada conta com Dona Socorro, técnica de enfermagem, que permanece na unidade desde a primeira ação governamental de estruturação de um posto de primeiros socorros, pessoa extremamente respeitada na comunidade; Seu Farinha, um médico que atendeu muitos moradores gratuitamente sem vínculo estatal durante mais de 20 anos – ao longo da pesquisa, convivi com frequentes relatos de suas contribuições em diversas mudanças com objetivo de melhorar as condições de vida da população – ; além de Dona Dora, profissional de serviços gerais; as agentes comunitárias Dona Borboleta e Dona Lia e a agente administrativa Dona Lua, todas nascidas ou criadas desde muito novas pelos membros da sociedade. A equipe conta também com Dona Paciência, enfermeira, e Seu Canuto, dentista, que, apesar do menor tempo de moradia no local, construíram relações e cultivam tanto respeito pelas pessoas e pelo lugar quanto os antigos moradores. Além da equipe de saúde, entrevistamos Seu Iamandu, responsável pela parte técnica durante a produção dos programas de rádio sobre saúde.