• Nenhum resultado encontrado

O significado de ser membro da sociedade para a equipe

4. CONSTITUIÇÃO DO CAMPO

4.2 IMPRESSÕES E CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO

4.2.3 O significado de ser membro da sociedade para a equipe

Ser membro, de acordo com os relatos da equipe, passa a ter uma conotação relacionada a algum grau de parentesco, ao ser sugerido, por alguns, a sensação de ser parte da família e de ter construído uma relação de confiança, de amizade, ou seja, criação de vínculos mais sólidos. Além disso, são trazidas as ideias de união, carinho e afeto como características fundamentais na formação desses vínculos.

Seu Farinha, ao comentar sobre a sensação de sentir-se membro, apresenta a dificuldade disso ser descrito, afinal em decorrência da “chegada de tanta gente de fora se criou uma espécie de você é nativo, você é de fora. Os nativos fazem questão de me dizer, há um tempo atrás, que não, que eu sou nativo.” Assim, ao mesmo tempo que revela sua alegria com esse reconhecimento, o autor acrescenta alguns fatores relacionados a essa sensação como, por exemplo: “a forma como eles me abraçam, a forma como quando eu entro na casa deles eu sou um parente que chegou – isso, isso – entende? E a forma como eles entram em minha casa também, eles são meus parentes e pronto.” Em um de seus comentários, Seu Farinha cita um exemplo concreto de como percebeu a criação do vínculo a partir de uma experiência de abraço, em que considera ter ocorrido a superação de uma barreira cultural instituída na relação entre gêneros, após ter realizado um parto pouco tempo depois de ter chegado na cidade.

O primeiro sábado que eu encontrei ela na feira [...], ela me deu um abraço completamente diferente da forma como todo mundo aqui […]. Eu era novo aqui, então eu procurava dar um beijo e tal como uma forma de saudação, mas nem sempre […], algumas pessoas eu dava um beijo, mas a maioria não, era bom dia, apertando a mão e tal. Mas ela simplesmente me deu um abraço como se eu fosse uma mulher. Na hora que ela me

abraçou, eu tive a sensação de que eu era uma mulher e a partir daquele momento as mulheres começaram a me abraçar como se eu fosse uma mulher, porque eu tinha feito o parto. Eu achei aquilo uma coisa tão interessante, tão interessante, essas coisas se diluem com o tempo, essas coisas não são mais assim, mas naquela época eram.

Dona Socorro, apesar de ter nascido no lugar, o que lhe possibilitava “um certo conhecimento e um vínculo de amizade com a maioria das pessoas da comunidade", ainda revela que quando começou a trabalhar com as atividades formais de saúde, sentiu uma dificuldade inicial pelo fato de que “as pessoas não têm aquela confiança de início quando você começa, mas aos poucos foi construindo uma relação de confiança”. Hoje, as pessoas procuram por ela para realizar as primeiras etapas do atendimento e ela sugere que isso é decorrente do “vínculo de amizade e pela confiança que eles têm comigo. E, qualquer coisa que precisam, me procuram."

Uma dificuldade similar foi sentida por Dona Lia no início do trabalho, especialmente, quando precisava fazer perguntas mais íntimas da família ou da casa para preencher os questionários utilizados durante as visitas. “Eles se fecham um pouquinho, mas quando eles passam a conhecer o agente de saúde, passa a conhecer o profissional de saúde, elas já pega confiança e cria um vínculo”. A partir da superação gradual dessa dificuldade e com a efetiva aproximação é construído “um vínculo muito forte que [...] eles lhe considera como se fosse alguém da família, um irmão, um pai, sabe, assim e é legal [...] essa parte, mas no começo tem sim essa resistência, mas depois.”

Essa construção processual na interação da comunidade com a equipe de saúde é influenciada pelas relações construídas previamente, mas ainda assim há necessidade de um processo de adaptação e de construção da confiança diante da nova atividade desenvolvida. Porém, de acordo com Dona Lua, “quando as pessoas elas percebem que você faz um trabalho direito, que você faz seu trabalho afim, que você tem uma dedicação, que você se importa com ela, que você quer o melhor pra ela, que você respeita, é claro que isso fortalece muito a relação”. Esse é o período de construção da confiança e do vínculo com aqueles que passam a atuar na saúde, afinal

as pessoas aqui elas pesam muito isso. A relação de cuidado, de respeito que a gente aqui da equipe tem com seus usuários

[…]. Então, você tem essa ligação, entendeu? A população percebe que você se entrega, que você procura fazer o melhor e eles devolvem com carinho, com atenção (DONA LUA).

Dona Borboleta reforça a importância e influência do “vínculo” quando afirma que as pessoas do lugar “são mais unidas” e elas sentem que “tem mais o carinho, tem mais o afeto”. Seu Canuto também faz questão de trazer a sensação de ter criado vínculos familiares ao afirmar: “eu me sinto como filho, como irmão, como pai, como tudo, sabe? [...] eu me sinto abraçado aqui. O lugar é muito acolhedor.”

Essas falas acabam por convergir diante da importância dada pela equipe de saúde para a construção de vínculos e para fortalecer o sentimento de que são membros da sociedade. Para isso acontecer de maneira mais efetiva no SUS, Dona Paciência defende que todos os profissionais da saúde da família residam na comunidade em que atuam e considera que deveria ser “pré-requisito que nem os agentes comunitários, você morar no local em que você trabalha.” Como relato de experiência, Dona Borboleta comenta que isso "facilitou o contato, porque a gente já mora aqui [...] Então, já melhora o trabalho com as pessoas. Então, isso ajuda muito". Seu Farinha sugere que "aí se estabelecem vínculos mais profundos" e argumenta que as pessoas passam a participar das ações da unidade de saúde não por serem convidadas por um profissional qualquer da equipe de saúde,

é aquela pessoa específica que eu gosto, que eu amo […] e que me ama também, que me valoriza, que sempre me tratou bem, que, quando eu estive doente, veio me cuidar, que quando eu fiz aniversário da minha filha tava aqui e trouxe presente pra minha filha. [...] Essa é uma coisa extremamente importante para que as coisas deem certo.