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5. O PROCESSO DE PRODUÇÃO DE MÍDIAS

5.1 O CASO DO PROGRAMA DE RÁDIO DESENVOLVIDO PELA EQUIPE

5.1.3 Linguagem

A preocupação com a linguagem é essencial em qualquer produção midiática e pode ser uma vantagem estar próximo dos grupos sociais com os quais busca-se dialogar por meio das mídias. Para McLeish (2001), o produtor

não pode ficar apenas restrito a seu mundo da radiodifusão, deve envolver-se física e mentalmente com a comunidade que ele está tentando servir […]. Ideias para programas devem basear-se solidamente nas necessidades e na linguagem do público a que são dirigidas (p.199).

A abordagem e a linguagem adotadas nos programas estavam imersas nas referências indexicais assimiladas e produzidas a partir da interação com os membros da sociedade, mas sem desconsiderar as contribuições das diversas ciências, em uma incessante busca por integrar esses conhecimentos, no intuito de construir com a população e propor o desafio para novas aprendizagens. Outro aspecto fundamental, era o compartilhamento de histórias e casos do lugar e da população com uma evidente preocupação em adotar metodologias para ampliar o interesse das pessoas nos temas discutidos. Uma fala de Seu Farinha evidencia uma preocupação

da equipe em desafiar interlocutores e trabalhar com as diversas linguagens de maneira a torná-las inteligíveis. Para o autor, respeitar a linguagem do lugar

é uma coisa importante, mas não quer dizer que a gente deixe de usar uma linguagem científica, mas acoplar as linguagens. Contar muito caso. Eu acho que isso é uma coisa que faz com que as pessoas aprendam. Contar muito caso. Pelo fato de morar aqui há trinta anos, eu tenho muitas histórias do povo daqui. [...] Aí eu conto, falando, por exemplo, o termo hipertensão, aí eu explico que é pressão alta. Ou eu uso, quando eu falo em artérias eu digo: – Olhe, lembre, não temos esse negócio aqui que leva o sangue e traz, a gente chama artéria que leva o sangue que sai do coração e a veia o que leva para o coração, mas é tudo a merma coisa que a gente chama de vasos sanguíneos e tal, entendeu? Quer dizer, eu acho que esse é um instrumento de que as pessoas se sintam valorizadas, entendeu? É importante que você fale em linguagens que desafiem elas, ao mesmo tempo em que fale numa linguagem que elas entendam claramente. Eu penso que assim, isso pelo menos tem dado certo quando eu falo com as pessoas aqui pelo menos tem sido uma coisa muito legal e eu percebo que [Dona Paciência] faz a mesma coisa.

De acordo com Seu Iamandu, as pessoas “compreendiam bem” as explicações compartilhadas por Seu Farinha, “porque ele explicava de maneira mais simplificada. E um toque que eu dei pra ele, foi de ele não ficar muito tempo explicando o assunto, porque se você lança muita informação na cabeça da pessoa, a pessoa não consegue assimilar”. Diante disso, considera que “era um programa bem fácil, de ser, digamos, de ser interpretado.”

Para Dona Paciência, uma das profissionais que apresentou alguns programas, é importante “falar de uma forma parecida com o que eles falam, pra atingir melhor. Então, usar a linguagem do povo [...] e de acordo com o que eles estão solicitando.” A maneira como era construído o diálogo aproximava mais as pessoas e, de acordo com a autora, “sempre tava tocando no nome de alguém, de uma família. Alguma coisa assim, tentando falar com o povo daqui mesmo e dava certo. Aí, por isso que parecia que era pro povo daqui mesmo.” Seu Canuto relata uma situação vivenciada em sua primeira participação no programa e que proporcionou muitas reflexões e mudanças na sua forma de lidar com as atividades educativas.

No meu primeiro programa eu fiquei preso a termos técnicos em odontologia. Aí chegou uma senhora assim na rua no primeiro dia e falou assim: – Olha, eu gostei do programa docês dois, mas só não gostei, porque você falou muito difícil, [Dona Paciência] não.

Em outros momentos da entrevista com Seu Canuto, essa experiência foi citada como algo marcante e transformador. Essa ajuda trouxe um recorrente questionamento para o autor: “que linguagem que eu vou usar?”. Essa preocupação também é acompanhada da reflexão a respeito do “tipo de diálogo que você vai estabelecer com esse público.” Portanto, serviu como um alerta: “olha eu vou falar o quê? Pra quem?”

Para Dona Lua, a estrutura e a abordagem do programa é bem atrativa e ele “é bom, descontraído, dá vontade de você ficar ouvindo, porque é um bate-papo bem legal assim, foge daquela formalidade”. Para a autora, é um diferencial adotar uma linguagem que as pessoas estão acostumadas para tornar o diálogo mais acessível. Ela complementa:

é transformar a coisa em algo que seja de fácil entendimento pra todo mundo usar, palavra do cotidiano das pessoas. Então, acho que essa era a grande sacada. Assim, era como eu falei, como se estivesse na rua tendo uma conversa, claro, usando informações corretas, mas de uma forma que atraísse o pessoal, [...] que atingisse mesmo a população.

Essas características do programa aparecem como um grande diferencial do produto e do processo, pois a relação próxima com a população que escutava a rádio possibilitava trocas mais rápidas e diálogos mais constantes, no intuito de melhorar a produção. A rádio, caso seja construída com participação da sociedade, pode ser um elemento de fortalecimento das identidades e contribuir para revelar diferenças. Por ser um elemento essencial no processo identitário, a linguagem utilizada pelos autores que desenvolvem mídias deve ser considerada nos debates e nas definições sobre os modelos de produção midiática. Portanto, fomentar produções nas diversas localidades pode contribuir para fortalecer culturas e estimular trocas entre diferentes grupos que acabam invisibilizados em uma perspectiva centralizada e de atendimento de interesses privados nas mídias comerciais.