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Implicações da visão sócio-histórica no ensino de matemática

CAPÍTULO II – A construção teórico/metodológica

2.2. Implicações da visão sócio-histórica no ensino de matemática

A perspectiva de que a criança tem que estar pronta para que seja iniciado um novo processo de aprendizado em relação a um certo conteúdo escolar, isto é, o aprendizado sendo orientado tendo em vista os níveis de desenvolvimento já atingidos, entra em choque com a perspectiva teórica proposta por Vygotsky (2003). O conceito de ZDP nos mostra que uma criança pode realizar tarefas com a ajuda de outra, que, sozinha, não daria conta. Então, uma proposta de ensino-aprendizagem deve, de certa forma, se adiantar ao desenvolvimento, dirigindo-se à zona de desenvolvimento proximal e, assim, estimular processos internos de funções que ainda não estão totalmente desenvolvidas e que acabarão por se efetivar, porque

aprendizado não é desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do

processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.[...] A maior conseqüência de analisar o processo educacional desta maneira é mostrar que, por exemplo, o domínio inicial das quatro operações aritméticas fornece a base para o desenvolvimento subseqüente de vários processos internos altamente complexos no pensamento das crianças (VYGOTSKY, 2003, p. 118).

O desenvolvimento mental realizado via aprendizado direcionado faz avançar a estrutura cognitiva, estimulando o desenvolvimento de conceitos científicos18. O desenvolvimento desses conceitos pressupõe um processo de interação entre aluno e professor/alunos, com estratégias adequadas onde o professor atua como mediador entre o objeto de conhecimento e o aluno. Nesse processo, a criança é capaz de executar uma tarefa, que antes não conseguia, “porque o professor, trabalhando com o aluno, explicou, deu informações, questionou, corrigiu o aluno e o fez explicar. [Mais tarde, o aluno] utiliza dos frutos dessa colaboração” (VYGOTSKY, 1998, p. 133) de forma independente. O ensino, nessa perspectiva, representa um papel relevante na

aprendizagem. Moysés (2000) explica, uma a uma, as expressões usadas por Vygotsky,

apontando a sua contribuição para um ensino que considera voltado para a compreensão:

a) trabalhando com o aluno. A preposição com revela uma atitude de interação. Trabalham professor e aluno. E o que é esse trabalho? […]

b) explicou e deu informações. Explicar é muito mais do que fazer uma mera

exposição. É buscar na estrutura cognitiva dos alunos as idéias relevantes que servirão como ponto de partida para o que se quer ensinar. É caminhar com base nessas idéias, ampliando os esquemas mentais já existentes, modificando-os ou substituindo-os por outros mais sólidos e abrangentes. Nesta tarefa desempenham papel fundamental a exemplificação e o enriquecimento do que está sendo explicado com um número suficiente de informações.

c) questionou e corrigiu o aluno, isto é, procurou verificar se a sua fala havia

sido compreendida, e, diante de possíveis erros, vai corrigindo-os.

d) ...e o fez explicar. Talvez resida aqui o ponto alto de todo o processo. Ele é, em essência, o próprio mecanismo de internalização se fazendo presente. Ao pedir que o aluno explique, o professor pode detectar se está havendo, no plano intrapsicológico, uma reestruturação das relações que ocorreram no âmbito interpsicológico. Para isso, é necessário que esse aluno consiga expor com suas próprias palavras o assunto tratado, deixando perceber possíveis relações com outros temas; que exemplifique com dados tirados do seu cotidiano; que faça generalizações etc. (MOYSÉS, 2000, p. 38).

Nesse processo, a estreita interação do professor com os alunos pressupõe compartilhar significados. Eles possibilitam a comunicação entre o indivíduo e o mundo real constituindo-se

18

em um “filtro através do qual o indivíduo é capaz de compreender o mundo e agir sobre ele” (OLIVEIRA, 1998, p. 48, grifo da autora da dissertação).

Os significados são dinâmicos e construídos ao longo da história dos seres humanos e podem evoluir a partir das relações deles com o mundo. Tanto o professor como os alunos podem enfrentar dificuldades se não buscarem conhecer o significado e o sentido19 atribuídos às palavras que fazem parte da discussão de um assunto. O ensino voltado para a compreensão — quando enfatiza o explicar, dar informações, questionar, fazer explicar — pode minimizar as dificuldades enfrentadas, porque os envolvidos

estão num constante movimento de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados. [...]. O processo pelo qual o individuo internaliza a matéria-prima fornecida pela cultura não é, pois, um processo de absorção passiva, mas de transformação, de síntese (OLIVEIRA, 1998, p. 38).

Não é diferente no ensino da matemática. Para a comunicação não ser prejudicada, é necessário compartilhar significados para todos os que estão envolvidos no processo compreenderem o significado atribuído a um símbolo, a um processo, ou mesmo a uma idéia. O desentendimento por questões ligadas ao conhecimento dos significados é muito freqüente no ensino de matemática. Nele utilizam-se, por vezes, símbolos ou palavras análogas às dos conceitos espontâneos,20 mas com significados muito distintos. Um exemplo bem simples é o símbolo que identifica uma operação de multiplicação (x) usado na vida cotidiana com significados diferentes do ensino de matemática, como, por exemplo, indicando a disputa entre dois times. Por isso, é preciso estar sempre atento para as questões abordadas nas discussões em sala de aula, buscando uma aproximação de significados, de procedimentos, conceitos, idéias etc, utilizados pelo professor e pelos alunos. Ao acreditar que as dificuldades que os alunos apresentam, relacionadas com esse compartilhar de significados, fazem parte natural do processo de aprendizagem e podem ser explicitadas e minimizadas através das interações que acontecem em sala de aula, a teoria de Vygotsky vem ao encontro de minhas necessidades. O que pretendo ressaltar aqui é a possibilidade de o professor identificar e procurar sanar, através das interações em sala de aula, dificuldades no aprendizado do aluno.

19 O sentido de uma palavra depende do contexto em que ela surge ou é empregada e das vivências de cada indivíduo.

20

A necessidade de compreender os sentidos e os significados da multiplicação (e de seu algoritmo) construídos nas interações que acontecem em sala de aula me levou à utilização de dois referenciais que ajudam a esclarecer como se dá a negociação de significados nessas interações.