• Nenhum resultado encontrado

O algoritmo da multiplicação: sua importância escolar

CAPÍTULO I – Justificativa e objetivos da pesquisa

1.3. O algoritmo da multiplicação: sua importância escolar

Os professores do CP vêm discutindo as dificuldades recorrentes apresentadas pelas crianças com alguns conteúdos escolares e propondo trabalhos específicos, nas diversas áreas, como foi dito anteriormente, com o objetivo de possibilitar avanços na construção de conhecimentos, habilidades e atitudes.

Dentre as dificuldades apresentadas, especificamente, pelas crianças do II Ciclo, na área de matemática (que é o meu objeto de estudo), os professores têm organizado diferentes grupos de trabalho que envolvem, dependendo das necessidades apresentadas, o sistema de numeração decimal, a geometria, a resolução de problemas e as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão.

Acredito que essas dificuldades apresentadas pelas crianças são difíceis de ser superadas por elas mesmas, quando não conseguiram aprender juntamente com seus pares nas turmas regulares. Por isso, neste trabalho estarei me dedicando a estudar um outro espaço de aprendizagem, o trabalho desenvolvido no grupo de estudo de multiplicação, no 2º semestre de 2003, no CP. Investigarei a contribuição do GTD para possíveis avanços alcançados, pelas crianças, em relação à aquisição da compreensão do algoritmo da multiplicação.

Justificar a importância da compreensão e do aprendizado da técnica do algoritmo da multiplicação envolve aspectos relacionados com a continuidade de estudos na área e com o uso social da própria operação. A versão preliminar dos resultados do SAEB9 (2003), divulgada em junho de 2004, chama a atenção para a importância desse aprendizado, quando diz que não houve modificações significativas em relação aos resultados de 2001 (que não foram considerados

9

satisfatórios) quanto ao desenvolvimento de habilidades elementares como, por exemplo, resolver multiplicações por um algarismo, afirmando que

se o estudante não dominar esse pré-requisito10 estará prosseguindo em sua trajetória escolar com deficits que comprometem ainda mais o seu aprendizado. Além disso, saber somar, dividir, multiplicar e subtrair é essencial no próprio cotidiano da vida moderna para, por exemplo, pagar uma conta ou calcular os juros de uma prestação (BRASIL. Resultados do Saeb, 2004, p. 8).

A necessidade do aprendizado dos algoritmos das operações elementares é bem explicitada, também, em vários documentos oficiais, como, por exemplo, nas análises das propostas de livros didáticos apresentados ao Programa Nacional do Livro Didático - LD/2004 – MEC.11 Como parte da análise dos aspectos teórico-metodológicos o Guia de Livros Didáticos usa como referência se “o LD desenvolve adequadamente os conhecimentos relativos a números e operações [...] quanto a: [...] d) articulação e ao equilíbrio dentre conceitos, algoritmos e procedimentos” (BRASIL.Guia de livros didáticos, 2004, p. 41).

Na análise propriamente dita de cada obra, o Guia apresenta informações mais detalhadas sobre as qualidades e a pertinência do conteúdo didático e metodológico. A análise dos livros recomendados,12 e recomendados com distinção,13 se refere à importância da operação de multiplicação e de seu algoritmo em vários momentos, do seguinte modo:

• [...] a multiplicação aparece como adição repetida, como combinação de possibilidades, como proporcionalidade, ou como formação retangular. Uma clara preocupação da obra é a articulação entre as diversas representações matemáticas. [...]. Os conceitos, algoritmos e procedimentos são explorados de forma equilibrada (BRASIL.Guia de livros didáticos, 2004, p. 48);

• Contudo, observa-se que as idéias iniciais da multiplicação e da divisão só aparecem no volume da 2ª série [...]. Além disso, há bastante cuidado em equilibrar o tratamento conceitual com os algoritmos e procedimentos (BRASIL.Guia de livros didáticos, 2004, p. 59);

10

O pré-requisito se refere ao domínio das quatro operações. 11

O Programa Nacional do Livro Didático é uma iniciativa do Ministério da Educação que, por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, busca suprir as escolas públicas de ensino fundamental, devidamente cadastradas no censo escolar, com livros didáticos gratuitos e de qualidade, para as disciplinas de língua portuguesa/alfabetização, matemática, ciências, estudos sociais, história e geografia.

12

São obras com qualidades inequívocas, contendo propostas pedagógicas elogiáveis, criativas e instigantes, segundo a avaliação do Guia de Livros Didáticos (MEC).

13

São obras que cumprem plenamente todos os requisitos de qualidade exigidos, segundo a avaliação do Guia de Livros Didáticos (MEC).

• Além disso, é dada insuficiente atenção à padronização dos procedimentos associados às operações fundamentais .[...] Sugere-se ao professor que promova a sistematização dos conteúdos e a dos algoritmos em algumas instâncias da obra em que essas tarefas são insuficientemente realizadas (BRASIL,Guia de livros didáticos, 2004, p. 71);

• Números, operações, [...] são apresentados com amplo leque de recursos, favorecendo, por exemplo, a compreensão do sistema de numeração decimal e dos algoritmos das operações (BRASIL.Guia

de livros didáticos, 2004, p. 78);

• No bloco temático dos números e operações, os tópicos relativos ao sistema de numeração decimal, ao conceito de fração, às quatro operações, com os números naturais (no que se refere tanto às idéias como aos algoritmos e procedimentos) são trabalhados com uma cuidadosa abordagem em espiral (BRASIL.Guia de livros didáticos, 2004, p. 98);

• O trabalho feito com as operações fundamentais de adição, subtração, multiplicação e divisão é pertinente, explora todos os significados dessas operações e constrói seus algoritmos” (BRASIL.Guia de livros didáticos, 2004, p. 101).

Diante o exposto acima, fica claro que os livros recomendados para as escolas públicas do Brasil abordam o estudo da operação de multiplicação, incluindo o seu algoritmo. Suponho, então, que o trabalho com a multiplicação é, ou, pelo menos, deveria ser um dos focos de atenção dos professores dos quatro primeiros anos, no mínimo, do ensino fundamental das escolas públicas.

Em termos de referências curriculares, em nível nacional, existem ainda os Parâmetros Curriculares Nacionais14 (PCN) – matemática - SEF - MEC, que são um instrumento de relevante importância e referência para o professor porque podem

auxiliá-lo na execução de seu trabalho, compartilhando seu esforço diário de fazer com que as crianças dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel com nossa sociedade. [E para isso oferecer recursos que] incluem tanto os domínios do saber tradicionalmente presentes no trabalho escolar quanto as preocupações contemporâneas (BRASIL.Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, 1997, p. 4).

Em relação ao estudo das operações, os PCN indicam que

14

São publicações do MEC que “têm por objetivo estabelecer uma referência curricular e apoiar a revisão e/ou elaboração da proposta curricular dos estados ou das escolas integrantes do sistema de ensino”.

o primeiro ciclo tem, portanto, como característica geral o trabalho com atividades que aproximem o aluno das operações [...] E, no segundo ciclo tem como característica geral o trabalho com atividades que permitem o aluno progredir na construção de conceitos e procedimentos matemáticos (BRASIL.Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, 1997, p. 46-54).

Orienta, ainda, em relação aos conteúdos conceituais e procedimentais, sobre a importância da “resolução das operações com números naturais, por meio de estratégias pessoais e de uso de técnicas operatórias convencionais na compreensão dos processos nelas envolvidos (BRASIL.Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, 1997, p. 55, grifo da autora da dissertação). Os PCN - matemática - dão orientações didáticas em relação à operação de multiplicação, sugerindo situações que explorem as várias formas de abordagem para essa operação:

• Uma relação entre a multiplicação e a adição, em que a multiplicação é vista como uma adição de parcelas iguais, com papéis definidos para o multiplicando e o multiplicador. Veja o exemplo:

Tenho que tomar 4 comprimidos por dia, durante 5 dias. Quantos comprimidos preciso comprar?

• Uma relação entre a multiplicação e a divisão, onde as situações podem ser classificadas em quatro grupos, sem qualquer hierarquização:

a) multiplicação comparativa:

Ex. - Pedro tem R$5,00 e, Lia, o dobro dessa quantia. Quanto Lia tem? a) proporcionalidade:

Ex. - Marta vai comprar 3 pacotes de chocolate. Cada pacote custa R$ 8,00. Quanto ela vai pagar pelos 3 pacotes? (1:8 assim como 3:24) b) configuração retangular:

Ex. - Num pequeno auditório, as cadeiras estão dispostas em 7 fileiras e 8 colunas. Quantas colunas há no auditório?

c) combinatória:

Ex. - Tenho 2 saias e 2 blusas, de quantas maneiras diferentes posso me vestir? O trabalho desenvolvido a partir das situações anteriores constitui-se num suporte para a ampliação de diferentes procedimentos, como a introdução dos algoritmos escolares que se faz necessária quando se percebe que:

É bastante difícil, principalmente tratando-se de cálculos envolvendo números com vários dígitos, armazenar na memória uma grande quantidade de resultados. Assim, a necessidade de registros parciais acaba originando procedimentos de cálculo escrito (BRASIL.Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, 1997, 2004, p. 71).

Os algoritmos das operações, em especial, no meu caso, o da multiplicação, têm também sido motivo de estudos com os mais diversos olhares (PIAGET, 1977, BROWN; BURTON, 1978; CARPENTER, 1982; VERGNAUD, 1982 e CARRAHER; CARRAHER; SCHLIEMANN, 1988), todos eles reforçando a importância e/ou necessidade do seu aprendizado.

Carraher, Carraher e Schliemann, (1988, p. 38), em seus estudos sobre a necessidade de se usar a matemática oral e escrita nas escolas, e de entender as “múltiplas lógicas corretas na resolução de cálculos” afirmam, que essa análise

não implica abolir o ensino das operações aritméticas na escola sob a alegação de que as crianças já sabem. Os algoritmos escolares têm algumas características que os tornam amplificadores culturais da capacidade já existente. [ Continuam o raciocínio afirmando que] as condições nas quais as soluções escolares são praticadas tendem a promover certos aspectos do conhecimento de operações aritméticas que amplificam o poder das habilidades de raciocínio quando as pessoas estão resolvendo problemas. [E, também, que, ao usar um instrumento, pode-se diminuir as exigências] de processamento mental simultâneo” [que estão presentes em cálculos orais] (CARRAHER; CARRAHER; SCHLIEMANN, 1988, p. 156).

Acreditando, também, na importância do domínio do algoritmo da multiplicação, no II Ciclo de Formação Humana — crianças de 9 a 11 anos — não posso perder de vista que o GTD de multiplicação tem uma característica peculiar: o trabalho faz-se a partir de conhecimentos já estudados. O conhecimento a ser adquirido não é novo. O trabalho com o algoritmo da multiplicação é continuidade de estudos feitos, nas salas de aula regulares, a respeito da compreensão da multiplicação e suas diferentes abordagens. Tanto é assim que, como se verá no decorrer do trabalho, os primeiros estudos realizados com as crianças nas aulas do GTD de multiplicação buscavam identificar e trabalhar os diversos aspectos da multiplicação que os alunos já compreendiam, antes de enfatizar a técnica do algoritmo, relacionando-a com a compreensão do sistema de numeração decimal e os valores relativos dos algarismos.

A partir das justificativas apresentadas para o ensino dos algoritmos das operações elementares, entendo que essas são estratégias que devem ser aprendidas na escola. Tenho clareza

da importância do aprendizado de outros aspectos como, por exemplo, o desenvolvimento de habilidades que capacitem o indivíduo a enfrentar as demandas de sua vida cotidiana e a compreensão das informações que são apresentadas em termos matemáticos nos meios de comunicação. Sei que esses e outros aspectos vão para além do conhecimento das operações matemáticas, acredito, porém, que elas fazem parte desse aprendizado.

Nesse momento, mesmo sabendo que outras demandas estão, em paralelo, presentes nas discussões relacionadas ao desenvolvimento e à aprendizagem da matemática, meu trabalho estará voltado para o algoritmo da multiplicação porque, como mostram os resultados do SAEB de 2003 e a demanda dos alunos do CP no GTD de multiplicação, o desenvolvimento da competência dos alunos do II Ciclo em relação ao algoritmo da multiplicação precisa ser mais discutido.