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Indústria cultural e infância – implicações curriculares e pedagógicas

Capítulo 2 Linguagem audiovisual e educação: possibilidades, motivos e implicações

2.1 Indústria cultural e infância – implicações curriculares e pedagógicas

Segundo Ariès (1981), até os séculos XI e XII, a sociedade tradicional do mundo ocidental mal via as crianças. A expectativa de que vingassem ao nascer e se tornassem adultas era pequena, por isso tinham pouco apego a elas. A infância era reduzida ao seu período de maior fragilidade e, quando conquistava certa independência física, misturava-se aos adultos, partilhando de seus trabalhos e jogos sem nenhuma distinção.

No entanto, o advento da sociedade moderna e os avanços significativos da ciência impulsionaram a busca por diminuir os altos índices de mortalidade infantil. Essa preocupação com a qualidade de vida da criança pequena fez que ela assumisse um papel na sociedade e adquirisse definitivamente uma personalidade. Ressalta-se que “[...] o apogeu da infância tradicional durou aproximadamente de 1850 a 1950. Durante este período, protegidas dos perigos do mundo adulto, as crianças foram retiradas das fábricas e colocadas em escolas” (STEINBERG e KINCHELOE, 2001, p. 12). Dessa forma, assumiram um lugar de cuidado especial no qual a atenção dos adultos voltou-se diretamente para elas no sentido de garantir- lhes o bem-estar físico, emocional, social e econômico.

11 Segundo Roger Silverstone (1999), citado por Buckinghan (2005, p. 89), a alfabetização midiática comporta

evidentemente “a capacidade de decifrar, valorizar, criticar e ajustar”, mas também requer uma compreensão mais ampla dos contextos sociais, culturais, econômicos e históricos nos quais os textos são produzidos, distribuídos e utilizados por parte da audiência.

Entretanto, essa realidade começa a se modificar a partir das mudanças geradas no campo econômico e social, aceleradas pelos processos de industrialização e mercantilização da economia. A saída da mulher para o mundo do trabalho, o maior acesso às informações e aos meios de comunicação de massa, a nucleação familiar vivenciada nas últimas décadas afetaram de forma significativa a vida dos sujeitos na sociedade contemporânea.

A infância, compreendida como uma construção social, histórica e cultural, sofre igualmente os impactos das grandes transformações ocorridas no mundo moderno. Steinberg e Kincheloe (2001) denunciam que infelizmente poucos observadores perceberam que a explosão de informações vivenciada na era contemporânea contribuiu para desvirtuar as noções tradicionais de infância, dando-lhe novos rumos.

Na sociedade atual, as crianças participam ativamente do meio cultural e social no qual estão inseridas. Isso representa, na concepção de Buckinghan (2007), uma forma contraditória e perigosa de inserção, pois, ao mesmo tempo em que se supõe que seus desejos e vontades estão sendo respeitados, são também expostas a uma gama cada vez maior de informações sobre o mundo adulto que modifica de forma drástica os modos de ser e viver próprios da infância. Segundo Steinberg e Kincheloe (2001, p. 33), “[...] o acesso das crianças contemporâneas à cultura infantil comercial e à cultura popular não apenas as motivou a se tornarem consumidoras hedonistas, mas também lhes minou a inocência”. Desprotegidas, as crianças se tornaram, na atualidade, um alvo fácil e ao mesmo tempo promissor para a indústria cultural.

O termo indústria cultural tornou-se conhecido a partir da obra Dialética do

Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, publicada em 1947. A intenção dos autores ao

cunhar esse termo era denunciar que, na relação de troca de mercadorias a que foram reduzidas as relações sociais, o produto cultural perde seu brilho, sua unicidade, sua especificidade de valor de uso. Ao se transformar em valor de troca, descaracteriza a verdadeira arte ou cultura. De acordo com Zuin (2007, p. 154), “[...] na sociedade capitalista avançada, a produção e reprodução da cultura, sob a égide da padronização e da racionalidade técnica, obedece à mesma lógica da produção e reprodução de qualquer outro tipo de mercadoria”.

Na leitura que faz dos autores Adorno e Horkheimer, Zuin (2007) afirma que o intuito da indústria cultural é entorpecer os homens da moderna sociedade de massa por meio da veiculação de produtos culturais criados para ocupar os espaços vazios destinados ao ócio, ao lazer e, assim, impedir que percebam as injustiças e irracionalidades do sistema capitalista. Ao cumprir o seu papel de seduzir as massas para o consumo, ideologias são disseminadas,

identidades são construídas, e as pessoas se encontram cada vez mais enredadas nos simulacros produzidos para esse fim. Induzidos pela promessa de felicidade, os consumidores se transformam em indivíduos acríticos e inconscientes.

No que se refere à infância, a indústria cultural tem revelado um potencial educativo bastante significativo, sendo muitas vezes mais eficiente que a própria escola na educação das crianças pequenas. Conforme pontua Giroux (1995), por meio de um currículo pensado a partir de sonhos e fantasias, “[...] constroem um mundo imaginário de segurança, coerência e inocência infantil onde as crianças encontram um local para se situar em suas vidas emocionais” (p. 52). Por se dedicar a conhecer as crianças muito mais do que a própria escola o faz, é também, mais rápida e eficiente na comunicação de seus valores e divulgação de sua cultura e produtos.

Na mesma direção, Steinberg e Kincheloe (2001) advertem que esse currículo cultural não foi criado por organizações educacionais e trazem em sua gênese interesses comerciais. Sendo assim, não buscam o bem social das crianças, mas objetivam o bem individual, no caso, a formação de consumidores. Os autores avaliam que não é possível proteger as crianças desse mundo apresentado pelos meios de comunicação e dos conhecimentos engendrados pela indústria cultural sem destiná-las ao isolamento, mas argumentam que é preciso fazer frente a eles por meio de uma educação que, além de informar, também crie espaços de discussão, compreensão e interpretação desses discursos áudio-imagéticos.

Nesse sentido, Martin-Barbero (2000, p. 60) afirma que “precisamos de uma educação que não deixe os cidadãos inertes diante dos poderosos estratagemas de que, hoje, dispõem os meios de comunicação para camuflar seus interesses e fazê-los passar por opinião pública”, reiterando a necessidade de um sistema de ensino capaz de interagir com essas novas formas de aprendizagem que o ambiente comunicacional abre, apontando a importância estratégica que adquire hoje uma escola capaz de fazer uso criativo dos meios audiovisuais.

Para tanto, faz-se necessário, de acordo com o autor, que a escola transforme seu modelo de comunicação (sua práxis) e invista na construção de um currículo escolar descentralizado e plural, capaz de superar a centralidade na sequência linear e unidirecional

que encadeia graus, idades e grupos de conhecimentos e que “[...] assuma os desafios que as

inovações tecnoprodutivas apresentam aos cidadãos em termos de linguagens e saberes” (Ibid., p. 60).

Ao superar a forma dicotômica com que o conhecimento é tratado dentro da instituição escolar, que separa os sujeitos entre os que sabem (professores) e os que não

sabem (estudantes), a escola estará em melhores condições para propor mudanças necessárias que vão além da simples modernização tecnológica. Em sintonia com autores como Martín- Barbero (2000) e Queiroz (2003), acredita-se que em uma sociedade profundamente influenciada pelos meios de comunicação de massa e por um sistema comunicativo caracterizado pela interatividade, pela descentralização do saber e da informação, não há espaço para um sistema educativo centralizador, rígido e disciplinador.