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Capítulo 3 Teorias curriculares: lentes para compreensão e mudança

3.1 Por um currículo crítico, político e cultural

Pesquisadores como Michael Apple (2006) e Henry Giroux (1987; 1997), entre outros dedicados aos estudos sobre o currículo, contribuem de forma decisiva para a construção de uma concepção de currículo como construção social. Seus estudos possibilitam a compreensão das complexas conexões entre currículo, cultura e poder na sociedade capitalista.

Em seus estudos curriculares, Giroux encontrou apoio para suas ideias na produção teórica da Escola de Frankfurt, que se pautava na ênfase na dinâmica cultural e na crítica da razão iluminista e da racionalidade técnica (SILVA, 2011).

Dessa forma, sua crítica inicial centra-se numa reação às perspectivas empíricas e técnicas sobre currículo então dominantes. Em sua análise, as perspectivas tradicionais, ao se concentrarem em critérios de eficiência e racionalidade burocrática, deixam de considerar o caráter histórico, ético e político das ações humanas e sociais e contribuem para a reprodução

das desigualdades e das injustiças sociais. Ao se referir à pedagogia e ao ensino nesta abordagem curricular, Giroux (1987, p. 9) salienta que:

[...] A pedagogia, assim, é reduzida à implementação de taxionomias que subordinam o conhecimento a formas de reificação metodológica, enquanto as teorias de ensino tornam-se cada vez mais técnicas e padronizadas, no interesse da eficiência, do gerenciamento e do controle de formas limitadas de conhecimento.

E é, exatamente, no conceito de resistência que Giroux (1987) vai buscar o alicerce para desenvolver uma teoria crítica, porém alternativa, sobre a pedagogia e o currículo. Nesta perspectiva, ele elabora o conceito de pedagogia da possibilidade, que norteia as suas teorizações. Em oposição à dominação rígida das estruturas econômicas e sociais propostas pelas teorias críticas da reprodução, o autor afirma existirem mediações e ações no nível da escola e do currículo que podem trabalhar contra os desígnios do poder e do controle, em que deve existir também um lugar para a oposição e a resistência, para a rebelião e a subversão. Giroux (1987; 1997) compreende ser possível canalizar o potencial de resistência demonstrado por estudantes e professores para desenvolver uma pedagogia e um currículo que possuam um conteúdo claramente político e crítico dos processos sociais dominantes, capaz de promover a emancipação e libertação dos sujeitos envolvidos no processo educacional.

Três conceitos são centrais a essa perspectiva emancipadora do currículo e da pedagogia: a esfera pública, o intelectual transformador e a voz. Giroux (1987; 1997) argumenta que o currículo e a escola devem funcionar como local público e democrático no qual os estudantes tenham a oportunidade de exercer as habilidades da discussão e da participação e de questionar os pressupostos do senso comum da vida social; aponta os professores e professoras como intelectuais transformadores, vistos como pessoas ativamente envolvidas nas atividades da crítica e do questionamento, no sentido de viabilizar o processo de emancipação e libertação; e assinala o conceito de voz como sendo o espaço de valorização da participação dos sujeitos, para que os anseios, desejos e pensamentos dos estudantes sejam atentamente ouvidos e considerados.

Giroux (1987) vê a pedagogia e o currículo por meio da noção de política cultural. Nesse sentido, o currículo não se refere apenas à transmissão de fatos e conhecimentos objetivos. Envolve a construção ativa de significados e valores sociais e culturais que estão estritamente ligados a relações de poder e desigualdade, significados que são impostos, mas também contestados. Conforme as palavras do autor, isso significa:

[...] definir o trabalho docente como comprometido com o imperativo de desenvolver conhecimento e habilidades que dêem aos estudantes as ferramentas de que precisarão para se tornarem líderes e não simplesmente gerentes ou empregados qualificados, [...] isto significa lutar contra as práticas materiais e ideológicas que reproduzem os privilégios de poucos e a subordinação social e econômica de muitos (1987, p. 25).

Nesta perspectiva de teorização crítica e política sobre currículo, Giroux (1995; 2011) contribui de forma decisiva, ao dar ênfase à discussão sobre a problemática da cultura popular (tal como se apresenta no cinema, na música e na televisão), alertando para a necessidade de considerar os diferentes modos simbólicos de produção de conhecimento que permeiam os espaços públicos. Em sua análise, o autor os define como “textos públicos influentes que constroem significados e operam no contexto de uma diversidade de lutas e modos de contestação” (2011, p. 130).

Cabe, portanto, à pedagogia aprender a lidar, de forma crítica, com esses discursos que estão fora dos domínios tradicionais do conhecimento, problematizando-os, desvelando as conexões existentes entre autoridade e conhecimento e os regimes dominantes de representação. Essa seria uma forma eficiente de tornar o político mais pedagógico e o pedagógico mais político, como salienta Giroux (1997).

A compreensão do currículo como política cultural abre espaço para uma visão mais ampla da educação e do papel político da escola, na qual se consome e também se produz cultura. Todas as finalidades que são destinadas, implícita ou explicitamente, à escola, de socialização, de formação, de segregação ou de integração social, terminam por refletir os objetivos que orientam o currículo. De acordo com Sacristán (2000, p. 17), “por isso, o interesse pelos problemas relacionados ao currículo não é senão uma consequência da consciência de que é por meio dele que se realizam basicamente as funções da escola como instituição”.

No entanto, trazer o currículo para o debate na busca de melhor compreendê-lo, não pode ser um ato isolado ou solitário. Demanda a participação e compromisso de todos os atores educacionais. É nessa perspectiva que Moreira e Candau (2007) enfatizam a importância do papel do educador como artífice da construção dos currículos que se materializam nas escolas e nas salas de aula e salientam a obrigação dos profissionais da educação de participar criticamente e criativamente da construção de currículos mais democráticos, atraentes e fecundos.