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Capítulo 4 O uso das linguagens audiovisuais e prática pedagógica: uma perspectiva

4.1 Trabalho docente: dilemas e desafios na sociedade atual

4.1.1 Intensificação e precarização do trabalho docente

As aceleradas transformações sociais e culturais dos últimos anos trouxeram para a escola e para o profissional docente inúmeros desafios, exigindo que ele assuma uma quantidade cada vez maior de responsabilidades.

O professor, atualmente, segundo Esteve (1999), além de dominar os conteúdos de ensino, precisa ser também um facilitador de aprendizagens, saber administrar conflitos, cuidar do equilíbrio emocional e psicológico dos alunos, administrar o tempo, organizar e variar atividades, atender a comunidade e atualizar-se constantemente para não se tornar obsoleto diante das transformações no contexto social que demandam inovações educacionais. Esteve (1999) aponta, ainda, que, ao lado desse processo de ampliação das responsabilidades, observa-se um considerável afastamento de outros agentes educativos, principalmente da família, que tem negligenciado, por diversos motivos (saída da mulher para o mercado de trabalho, nucleação familiar, falta de estrutura etc.), suas responsabilidades, transferindo seu papel educativo quase completamente para a escola.

Pressionado pela cultura do desempenho, que valoriza aspectos como eficiência e eficácia, o trabalho docente se vê cada vez mais influenciado pela lógica das competências. Diante dessa realidade, exige-se que o professor busque novos índices de produtividade e (re)qualificação constante, porém sem que as condições objetivas sejam consideradas (FIDALGO, 2009).

Para Apple (1995), a ideologia do profissionalismo em educação impactua significativamente o processo de intensificação do trabalho docente. Segundo pesquisa

realizada pelo autor, “[...] os professores e professoras pensavam a si mesmos como sendo

mais profissionais à proporção que empregavam testes e critérios técnicos, aceitavam as horas mais longas e a intensificação de seu trabalho que acompanhava o programa” (1995, p. 43). Logo existe, no imaginário social, a ideia de que o aumento das responsabilidades e o acúmulo de funções gerenciais e administravas estão diretamente relacionados ao processo de profissionalização, o que representa um grande equívoco no meio educacional. Essa estratégia capitalista do profissionalismo tem sido eficaz para mascarar a proletarização docente, denuncia Apple (1995).

Para acentuar esse processo de intensificação e consequente proletarização do trabalho docente, observa-se uma relativa perda de autonomia dos professores, ao vivenciarem, no interior das escolas, diferentes formas de controle externo exercido por organismos nacionais e internacionais que interferem na organização do trabalho pedagógico, ditando normas e estabelecendo metas muito mais orientadas para a garantia de bons resultados que para a promoção da aprendizagem e do desenvolvimento humano e integral dos estudantes.

Essa situação afeta consideravelmente a autonomia dos professores, que se veem cada vez mais alijados da gestão do seu trabalho e das decisões sobre ele. De acordo com

Sacristán (2000, p. 142), “[...] o professor fica muitas vezes inevitavelmente preso na opção e no conflito de depender-resistir quanto à diretriz exterior. A longo prazo se provoca o desarme cultural, técnico e ideológico do professorado”.

Para Apple (1995), a intensificação do trabalho também afeta a sociabilidade de professores e professoras. A tendência, diante do acúmulo de atividades, é deixar para segundo plano o lazer, o cuidado com a saúde, com o bem-estar, o convívio social. Essa atitude de eliminar o que parece irrelevante, inevitavelmente, conduz ao aumento do isolamento social.

A esse respeito, Dal Rosso (2008) ressalta que o processo de intensificação tende a romper com as fronteiras que delimitam e separam os tempos de trabalho dos tempos de não trabalho. A invasão do tempo de trabalho nos tempos de não trabalho, que resulta em mais trabalho, afeta a vida individual e coletiva e traz inúmeros prejuízos para a sociabilidade dos sujeitos.

No entanto, o excesso crônico de trabalho e o aumento de responsabilidades demandadas dos professores no atual contexto não apresentaram, em contrapartida, melhorias das condições do trabalho docente. Kuenzer e Caldas (2009) sinalizam, a partir de estudos e da análise de entrevistas realizadas com professores, que, se as novas exigências educativas anunciadas pelas mudanças tecnológicas e pelas formas de organização da sociedade atual são frequentemente pontuadas pelas políticas educacionais, o mesmo não acontece com as condições de exercício da prática educativa, que acabam agregando funções sem a existência do suporte prático correspondente.

O que se observa são escolas sucateadas, com escassez de materiais didáticos, rotinas apertadas, baixos salários, crescente desvalorização do trabalho docente e grande mobilidade por parte dos profissionais, “[...] à espera de encontrar coisa melhor” (NÓVOA, 1999, p.25).

A questão da intensificação do trabalho docente foi bastante perceptível durante o processo de pesquisa em campo. Nas observações foi possível detectar que, além da programação normal da escola, a cada semana surge uma atividade inusitada na rotina pedagógica: projetos novos, pensados sem a participação dos professores, para serem desenvolvidos por eles, por exemplo, difundir na escola os perigos do trabalho infantil, a semana de educação para o trânsito, saúde e alimentação saudável, entre outros. Além disso, é comum os professores, nos momentos de coordenação, desdobrarem-se na realização de diferentes atividades concomitantes, como planejamento, reforço escolar, escrita de relatórios, preenchimento de diário de classe e atendimento de pais de alunos.

“Essa semana temos que conseguir um dia para pensar os reagrupamentos, precisamos ver como fazer isso com todo o grupo” (coordenadora pedagógica – momento de coordenação coletiva). Essa fala da coordenadora revela como é difícil acompanhar tudo o que se passa em torno do processo educativo e dar conta também das especificidades que cada realidade educacional exige sem se deixar atropelar pelas inúmeras atribuições que a escola abarca no seu cotidiano, as quais vão além da sua função de ensinar, de formar as novas gerações. Essa situação sobrecarrega os professores e fragiliza a atividade docente.