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Capítulo 2 Linguagem audiovisual e educação: possibilidades, motivos e implicações

2.2 O audiovisual e as políticas públicas educacionais: um espaço aberto?

ABERTO?

Na passagem do século XX, com a difusão do cinema, da fotografia, dos jornais, das revistas, do rádio e da televisão e com as próprias mudanças na configuração do mundo urbano com o surgimento da publicidade associada às imagens, assistiu-se a mudanças significativas nas formas comunicacionais e nas formas de apreensão e compreensão do mundo pelos sujeitos. As próprias lógicas com que as diferentes linguagens (cinema, telejornalismo, telenovelas) articulam seus signos se direcionam no sentido de potencializar uma naturalização da realidade apreendida seja no universo da ficção seja na realidade cotidiana veiculada (ALMEIDA, 2004; MARTIN-BARBERO, 2009).

Diante dessas transformações sociais, surge a necessidade de reorientação curricular para integrar as novas formas de construção social da realidade aos processos de ensino e aprendizagem. Isso porque se torna cada vez mais urgente que professores e estudantes dominem os códigos dessas novas linguagens que circulam na sociedade, tanto para possibilitar formas mais críticas de leitura dos meios de comunicação de massa quanto para construir conhecimentos por meio desses novos canais tecnológicos.

Nesse sentido, cabe às políticas públicas para a educação pensar meios de inserção da nova realidade comunicacional aos processos pedagógicos. Soares (1995), ao fazer referência ao projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, afirma que ela (Lei federal n. 9.394), promulgada em 20 de dezembro de 1996, veio fazer jus aos anseios de educadores e pesquisadores que buscam a modernização do ensino sem, contudo, perder de vista “[...] uma filosofia de educação voltada essencialmente para a formação do cidadão cultural e politicamente ativo” (p. 21).

É preciso lembrar que o texto final da referida Lei sofreu modificações que se distanciam de forma significativa das inovações referidas pelo autor. Entretanto, acredita-se que a inclusão da tecnologia no art. 32 e no art. 36 como conteúdo curricular, pressupõe a introdução do computador, do rádio, do vídeo e outros meios como instrumentos e conteúdos de aprendizagem, não apenas como recurso didático. Reconhecer oficialmente que a educação básica necessita preocupar-se e ocupar-se com as mensagens produzidas e veiculadas pela indústria cultural representa um dos maiores avanços da nova LDB (SOARES, 1995).

A LDB, ao inserir no contexto escolar as formas contemporâneas de linguagem e ampliar a relação educação e meios de comunicação de massa, inaugura, oficialmente, novas possibilidades de pensar o currículo dentro do contexto social e cultural no qual a escola está inserida. Ao garantir o direito aos educandos de saber sobre informática, jornal, vídeo, cinema, televisão, entre outros, “[...] a Lei introduz, no Brasil, uma prática pedagógica que já vem se tornando costume consagrado nos países de Primeiro Mundo” (SOARES, 1995, p. 22).

A partir da LDB, abre-se espaço para essa discussão nos documentos curriculares oficiais subsequentes. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), lançados em 1997 com o objetivo de constituir um referencial de qualidade para a educação em todo o país, fazem referência a essa temática, a fim de alertar os educadores para essa nova realidade cultural e comunicacional que se delineia no cenário social – repercutindo em mudanças significativas

nos modos de viver e conhecer – e que se materializa, consequentemente, na presença das

tecnologias de informação e comunicação na sala de aula.

Entretanto, mesmo trazendo como um dos objetivos gerais do ensino fundamental “[...] saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos” (BRASIL, 1998, p.8), uma discussão mais abrangente sobre as linguagens audiovisuais e educação está presente, de forma evidenciada e intencional, somente no documento de introdução aos PCN dos Anos Finais do Ensino Fundamental (terceiro e quarto ciclos), no qual há um capítulo inteiro dedicado à temática, a quinta parte do documento intitulada “Tecnologia da Comunicação e Informação” (BRASIL, 1998, p.133- 154).

O foco principal do referido documento é apontar as contribuições que esses meios podem dar para a melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem, porém há o alerta

de que a simples presença do “[...] aparato tecnológico não garante a mudança nas formas de

enriquecer o ambiente educacional, propiciando a construção de conhecimentos por meio de uma atuação ativa, crítica e criativa, por parte de alunos e professores” (ibidem, p.140).

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de Nove Anos, Resolução nº 7 de 14 de dezembro de 2010, Parecer CNE/CEB nº 11/2010, ganha maior visibilidade a necessidade de acesso dos educandos e educadores às tecnologias da comunicação e informação como espaço de aprendizagens e produção de saberes. O art. 6º, que enumera os princípios norteadores das políticas educativas e das ações pedagógicas dos sistemas de ensino e das escolas, aponta como princípios estéticos o cultivo da sensibilidade ao lado da racionalidade, enriquecimento das formas de expressão e criatividade e da valorização de diferentes manifestações culturais (inciso III). No art. 7º, a compreensão das tecnologias se apresenta como um dos objetivos previstos para essa etapa da escolarização: “a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, das artes, da tecnologia e dos valores em que se fundamenta a sociedade” (inciso III).

O art. 28 dessas diretrizes, ao se referir à utilização qualificada da tecnologia, traz novamente para as discussões a necessidade da formação adequada dos professores. Um impasse, visto que a escola é um espaço que, por diversas razões (culturais, políticas, econômicas) ainda trabalha prioritariamente com a oralidade (transmissão) e a escrita. As discussões em torno dos processos de formação docente também tendem a privilegiar essas linguagens, muito embora se perceba um interesse crescente em incluir os discursos audiovisuais nessas reflexões em virtude da relevância social que as imagens adquiriram na sociedade atual.

Todavia, a abordagem da utilização das linguagens audiovisuais (cinema, vídeo, TV), seja na sala de aula seja na formação de professores, ainda é muito genérica e não aprofunda nem as especificidades do meio, muito menos as questões de natureza didática. Ressalta-se que um desenvolvimento didático com os audiovisuais é tão complexo quanto a didática para o ensino da leitura e da escrita. O uso das linguagens audiovisuais como fonte de prazer e conhecimento exige, no mínimo, processos formativos diferenciados. A falta de intencionalidade e de objetivos faz com que essas atividades geralmente sejam realizadas no interior das escolas de modo que minimizam o potencial formativo dessas linguagens e inviabilizam as infinitas oportunidades de os sujeitos assimilarem e acomodarem conteúdos das mais variadas vivências.

CAPÍTULO 3 TEORIAS CURRICULARES: LENTES PARA COMPREENSÃO E