• Nenhum resultado encontrado

A informação sobre consumo de medicamentos em ambulatório para efeitos de ajustamento pelo risco em Portugal

No documento RUN Tese de Doutoramento Rui Santana (páginas 130-139)

carga de doença

2.3. A utilização do consumo de medicamentos como proxy da carga de doença em ambulatório

2.3.2. A informação sobre consumo de medicamentos em ambulatório para efeitos de ajustamento pelo risco em Portugal

Um dos aspectos centrais no desenvolvimento de modelos de ajustamento pelo risco sob o ponto de vista operacional é a disponibilidade de informação de base nos seus mais diversos contextos aplicacionais. A escolha das variáveis a incluir no modelo e consequentemente a robustez dos resultados obtidos são fortemente influenciados pela possibilidade de dispor ou não de certo tipo de informação.

Previamente à descrição do estado de arte sobre as fontes de informação de consumos de medicamentos em ambulatório no nosso país, importa desde já clarificar a utilização do conceito de “consumo de medicamentos”, pois este pode ser vulgarmente interpretado como sinónimo de qualquer um de três momentos distintos que devem ser devidamente explícitos neste processo:

 A prescrição, que pode ser entendida como a indicação terapêutica do médico face ao diagnóstico efectuado com base em critérios de índole técnica e científica;

A dispensa, que se baseia no fornecimento dos medicamentos ao utente, habitualmente por parte de técnicos especializados independentemente do local físico onde ocorra (farmácia hospitalar ou farmácia de oficina);

A administração ou toma propriamente dita, que consiste no consumo efectivo do medicamento por parte do doente.

Como facilmente se pode deduzir, o registo de cada uma destas etapas pode gerar dados e informação díspar, pois o doente pode não adquirir toda a medicação que foi prescrita ou não consumir todos os medicamentos que foram dispensados e/ou prescritos. No nosso país, os consumos de medicamentos são sobretudo utilizados como sinónimo de dispensa de medicamentos ao doente, contribuindo para esta situação:

 A insipiência a montante dos sistemas de recolha de informação ao nível da prescrição e a jusante pela natural dificuldade de recolha de informação relativa ao consumo efectivo por parte de cada indivíduo;

 Pela abordagem contabilística do tema, pois na grande maioria das situações o registo do custo (óptica económica) incorre no momento da dispensa do medicamento, seja nas farmácias de oficina em regime de ambulatório, seja em ambiente hospitalar no momento em que a farmácia abastece os respectivos serviços internos.

Importa ainda referir alguns aspectos que são influenciadores das características da informação disponível nas bases de dados para aplicação dos modelos sobre consumos em medicamentos em ambulatório, nomeadamente:

O local de prescrição: onde se pode identificar a prescrição efectuada no ambulatório hospitalar, nos centros de saúde e extensões, privado e Instituições Particulares de Solidariedade Social e auto-consumo;

 O local de fornecimento dos medicamentos: os medicamentos podem ser fornecidos quer nas farmácias hospitalares, quer em farmácias de oficina;

 O tipo de prescrição efectuado: no que respeita ao tipo de prescrição são habitualmente identificados dois procedimentos distintos, quando a prescrição é realizada por via informática ou quando a prescrição é efectuada via receituário manual.

Estes conceitos são fundamentais para uma correcta análise das principais fontes de informação existentes em Portugal, pois as suas características variam em função destes

predicados específicos. As bases de dados onde se pode encontrar os consumos de medicamentos em ambulatório no nosso país são essencialmente quatro: i) a base de dados nacional de facturação de medicamentos (BDFM); ii) a base de dados de prescrição electrónica de medicamentos (BDPM); iii) a base de dados relativa aos medicamentos de cedência hospitalar obrigatória (BDCHO) e; iv) uma base de dados privada cuja propriedade e gestão pertence à indústria farmacêutica.

i) Base de dados de facturação de medicamentos (BDFM)22: constituída a partir do Sistema de conferência de facturas de medicamentos e receitas de diabéticos (SINGRA), que recolhe informação sobre toda a dispensa efectuada nas farmácias de oficina por parte dos utentes que possuam receitas médicas manuais ou electrónicas. Nomeadamente, engloba as dispensas originadas pelas prescrições efectuadas nos cuidados de saúde primários, as prescrições efectuadas no ambulatório hospitalar (consulta externa, hospital dia ou urgência) e as prescrições resultantes da prestação de serviços privados.

A estrutura de informação contida na BDFM encontra-se disponível por cada medicamento dispensado, sendo possível identificar dados relativos ao médico prescritor, local de prescrição e características dos medicamentos.

Os poucos estudos desenvolvidos no nosso país sobre financiamento e ajustamento pelo risco que recorreram a informação sobre os consumos com medicamentos em Portugal utilizaram esta fonte de informação para efectuar os seus cálculos, como podemos identificar nos trabalhos de IGIF (1999), Barros (2003) ou Costa, Santana e Boto (2008).

ii) Base de dados de prescrição de medicamentos (BDPM): esta base de dados é

constituída essencialmente pelo conjunto de informação resultante das prescrições electrónicas individuais realizadas nos cuidados de saúde primários (centros de saúde e extensões) recolhidas através do Sistema de Apoio ao Médico (SAM). Tratam-se de bases de dados que são geridas por cada uma das cinco regiões de saúde.

Por seu turno, a estrutura de informação contida na BDPM encontra-se disponível também por cada medicamento prescrito, sendo possível identificar dados relativos ao utente, ao médico prescritor, local de prescrição e características dos medicamentos. Dada a sua recente disponibilidade, até ao momento não é conhecida evidência científica que recorresse a este tipo de informação para efeitos de ajustamento pelo risco. A generalização da informatização dos sistemas de prescrição electrónica é um 22

Segundo a resolução do Conselho de Ministros nº96/2007, a base de dados do SINGRA encontra-se centralizada na ACSS e é gerida conjuntamente com o INFARMED. Tendo sido um projecto iniciado em 2003, o SINGRA é alimentado pelas sub-regiões de saúde (hoje centralizadas nas respectivas ARS) gerando um volume de conferência de receitas na ordem dos 60 milhões anuais.

objectivo do Ministério da Saúde, que pretende atingir até 2011 uma percentagem de utilização nacional na ordem dos 80%.

iii) Base de dados de medicamentos de cedência hospitalar obrigatória (BDCHO): esta

base de dados encontra-se em cada instituição hospitalar e resulta do estabelecido na portaria nº155/2007 de 31 de Janeiro, através da qual foi criado o Código Hospitalar Nacional do Medicamento (CHNM), que consiste num sistema de codificação atribuído pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. (INFARMED), a todos os medicamentos com autorização no mercado (AIM), autorização de utilização especial (AUE), autorização de utilização excepcional (AEX) e autorização de importação paralela (AIP). O CHNM é aplicado obrigatoriamente a todos os medicamentos utilizados nos hospitais e outros serviços do SNS.

A regulamentação da portaria supra mencionada, pode encontrar-se na circular informativa do INFARMED nº27/CA de 5 de Março de 2006. Esta prevê através do seu artigo 4º, que a base de dados do CHNM agregue informação relativa a medicamentos, nos serviços farmacêuticos hospitalares em ambulatório e medicamentos com legislação especial ou outras autorizações.

Salienta-se que a BDCHO compreende especificamente as dispensas efectuadas nas farmácias hospitalares para o seguinte conjunto de patologias: Artrite reumatóide, Espondilite anquilosante, Artrite psoriática, Artrite idiopática juvenil poliarticular e Psoríase em placas23; Fibrose quística24; Doentes Insuficientes Renais Crónicos e transplantados renais25; indivíduos afectados pelo HIV26; Deficiência da hormona de crescimento na criança27; síndroma de Turner28; Esclerose Lateral Amiotrófica29; Síndroma de Lennox-Gastaut30; Paraplegias espásticas familiares e ataxias cerebelosas hereditárias, nomeadamente a doença de Machado-Joseph31; Profilaxia de rejeição aguda de transplante renal alogénico32, Profilaxia de rejeição aguda de transplante cardíaco alogénico33; Profilaxia de rejeição aguda de transplante hepático alogénico34; 23Despacho n.º 24539/2007, de 12 de Outubro, publicado em Diário da República n.º 206 (2ª Série), de

25 de Outubro; Despacho n.º 20510/2008, de 24 de Julho, publicado em Diário da República n.º 150 (2ª Série), de 5 de Agosto.

24Despacho nº 24/89, de 2/2; Portaria nº 1474/2004, de 21/12.

25 Despacho n.º 10/96, de 16/05; Despacho n.º 9825/98 (2ªsérie), 13/05, alterado pelo Despacho n.º

6370/2002, de 07/03 e pelo Despacho n.º 22569/2008, de 22/08.

26Despacho nº 14/91, de 3/7; Despacho 8/93, de 26/2; Despacho 6/94, de 6/6; Despacho 1/96, de 4/1;

Despacho 280/96, de 6/9; Despacho 6 778/97, de 7/8; Despacho nº 5772/2005 (2ª série), de 27/12/204.

27Despacho conjunto, de 26/1/93. 28Despacho conjunto, de 26/1/93. 29Despacho 10 413/97, de 16/10. 30Despacho 13 622/99, de 26/5.

31Despacho n.º 19 972/99 (2.ª série), de 20/9.

32Despacho n.º 6818/2004, de 10 de Março, alterado pelos Despachos n.º 3069/2005 (2ªsérie), de 24 de

Janeiro, Despacho n.º 15827/2006, de 23 de Junho e Despacho n.º 19964/2008, de 15 de Julho.

33Despacho n.º 6818/2004, de 10 de Março, alterado pelos Despachos n.º 3069/2005 (2ªsérie), de 24 de

Janeiro, Despacho n.º 15827/2006, de 23 de Junho e Despacho n.º 19964/2008, de 15 de Julho.

34Despacho n.º 6818/2004, de 10 de Março, alterado pelos Despachos n.º 3069/2005 (2ªsérie), de 24 de

Doentes com Hepatite C35; Esclerose múltipla36; Doentes acromegálicos37; Doença de Crohn activa grave ou com formação de fístulas38.

Quadro XIX - Resumo da informação contida em cada base de dados por tipo de prescrição, local de prescrição e local de dispensa

BDPM BDFM BDCHO Tipo de Prescrição Electrónica    Manual   Local de Prescrição Ambulatório Hospitalar   Centro de Saúde   Privado e IPSS  Local de Dispensa Farmácia Oficina   Farmácia Hospitalar 

Importa ainda salientar que nenhuma das fontes de informação atrás identificada capta o consumo de medicamentos de dispensa directa que não são sujeitos a prescrição médica e são fornecidos directamente pela farmácia de oficina.

Base de dados IMS Health: Para além das fontes oficiais de informação relativa aos consumos em medicamentos, existem também bases de dados que são utilizadas para fins comerciais (venda de informação à indústria farmacêutica). A mais reconhecida a nível nacional e internacional é a base de dados da IMS Health.

Conforme se pode constatar, verifica-se que nenhuma das fontes de informação existente no nosso país cobre todos os dados relativos à prescrição/ consumo de medicamentos em ambulatório, sendo a sua disponibilidade influenciada sobretudo pelo tipo de prescrição, local de prescrição e local de dispensa. O cruzamento entre estas variáveis e as bases de dados disponíveis encontra-se resumido no Quadro XIX.

35Portaria n.º 1522/2003, de 13/11; Portaria nº274/2004, de 02/02.

36 Despacho n.º 11728/2004, de 17/05; Despacho nº 5775/2005 (2ª série), de 18/02; Rectificação nº

653/2005, de 08/04.

Após o enquadramento teórico do tema em estudo, no presente capítulo definem-se os objectivos gerais e específicos do trabalho.

Conforme se verificou ao longo da revisão de literatura, o financiamento de serviços de saúde representa um dos aspectos mais debatido no âmbito da gestão de organizações de saúde.

Se historicamente a existência de uma ULS no nosso país já exigia uma atenção específica no que respeita aos aspectos relacionados com o seu financiamento, mais recentemente, a criação de novas unidades de prestação de cuidados de saúde que pretendem caminhar para um processo de integração vertical potenciou a necessidade de alinhar os incentivos financeiros nestes contextos organizacionais. De facto, a modalidade de pagamento aplicada à única experiência de ULS portuguesa – Matosinhos - durante os últimos dez anos, mostrou-se desadequada no que respeita à sinalização fornecida pela entidade pagadora (Costa, Santana e Boto, 2008). É plenamente reconhecido que a unidade de pagamento mais adequada para organizações de saúde verticalmente integradas é a capitação, sendo necessário proceder ao devido ajustamento pelo risco (Ackerman, 1992; Devers et al., 1994; Shortell et al., 2000; Sobczak, 2002).

Por motivos relacionados com a indisponibilidade de informação, não é possível aplicar/ testar em Portugal os modelos internacionais mais reconhecidos nesta área, como são os casos dos ACGs (Weiner et al., 1991; 1996a;1996b; 1998), DCGs (Ellis e Ash, 1995; Ellis et al., 1996; Ash et al., 2000, 2001; Pope et al., 2000; 2004) ou CRGs (Hughes et al., 2004). A falta de centralização da informação no utente e a ausência de codificação das actividades de produção realizadas no ambulatório são factores que contribuem fortemente para esta realidade.

No entanto, sobretudo a partir de 2007, a experiência de prescrição electrónica de medicamentos veio permitir dispor de um conjunto de informação que poderá ser de bastante utilidade para o futuro do processo de ajustamento pelo risco em Portugal. Nomeadamente destaca-se a sua capacidade de contribuir para a determinação da carga de doença em ambulatório (proxy) (Johnson, Hornbrook e Nichols, 1994; Van de Ven e Ellis, 2000; Iezzoni, 2003; Fishman e Shay, 1999; Lamers, 1999a). É neste contexto que se definem os objectivos do presente estudo.

Segundo Iezzoni (2003) o primeiro aspecto que deve ser considerado num processo de definição de um modelo de ajustamento pelo risco é a determinação do seu objectivo. Esta autora refere uma panóplia relativamente alargada de aplicações destes modelos, sendo que neste caso, o processo dirige-se essencialmente para o financiamento capitacional de organizações de saúde (risco financeiro).

O problema de partida que esteve inerente à realização deste trabalho foi o de definir e aplicar um modelo de financiamento por capitação ajustada pelo risco em contexto de

prestação de cuidados de saúde integrados, recorrendo para o efeito a informação sobre o consumo de medicamentos em ambulatório no nosso país. Tendo como referência esta problemática, foram definidos objectivos gerais e específicos de investigação que adiante se descrevem:

Objectivos gerais:

Contribuir para o debate sobre o financiamento de organizações de saúde em Portugal;

Potenciar a utilização da informação sobre os consumos com medicamentos existente para efeitos de ajustamento pelo risco;

Identificar as principais dificuldades/ limitações no desenvolvimento de modelos de capitação ajustados pelo risco;

Apresentar um conjunto de sugestões e recomendações que possam contribuir para uma melhoria dos sistemas de ajustamento pelo risco para efeitos de financiamento de serviços de saúde em Portugal.

Objectivos específicos:

 Descrever o estado de arte internacional sobre o financiamento por capitação e ajustamento pelo risco;

Adaptar e aplicar o modelo Rxem Portugal;

 Propor um modelo de financiamento por capitação ajustado pelo risco para contextos de integração vertical de cuidados de saúde no nosso país;

Nos trabalhos prévios de definição dos pressupostos iniciais do estudo a realizar, importa desde já também esclarecer qual a perspectiva inerente à prossecução dos objectivos acima expostos, sobretudo no que respeita ao debate identificado na revisão de literatura: o town vs gown problem. Pelas vantagens comparativas já anteriormente identificadas e posteriormente discutidas39, neste estudo pretende-se utilizar as necessidades em saúde como dimensão fundamental para distribuir os recursos financeiros.

IV. METODOLOGIA

No documento RUN Tese de Doutoramento Rui Santana (páginas 130-139)