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A metodologia de desenvolvimento

No documento RUN Tese de Doutoramento Rui Santana (páginas 124-130)

carga de doença

2.3. A utilização do consumo de medicamentos como proxy da carga de doença em ambulatório

2.3.1.2. A metodologia de desenvolvimento

A metodologia utilizada para desenvolvimento dos modelos Rx é relativamente consensual na literatura, podendo ser estruturada basicamente em duas etapas principais (Clark. et al., 1995; Gilmer et al., 2001; Sales et al., 2003; Fishman et al., 2003; Smith

 O trabalho de estruturação do modelo, que compreende todas as tarefas e procedimentos necessários para definição do modelo. Nomeadamente podem encontrar-se aqui: i) a escolha das categorias a incluir no modelo; ii) o estabelecimento ou revisão da classificação efectuada entre categorias terapêuticas e os princípios activos; iii) a revisão do formulário terapêutico utilizado (caso seja necessário) e; a iv) definição de um algoritmo informático de suporte ao modelo. Para a concretização desta etapa habitualmente é constituída uma equipa de peritos que auxilie na realização destas actividades;

A sua aplicação, que corresponde ao conjunto de acções necessárias para a sua operacionalização prática. Neste procedimento efectua-se: i) a recolha de informação mais adequada para o efeito (base de dados da população em estudo); ii) a aplicação prática do modelo; iii) a sua validação estatística.

No que respeita ao trabalho de estruturação do modelo, podemos identificar como etapas mais relevantes:

i) A necessária escolha das categorias a incluir no modelo. De uma forma genérica, as

categorias representam entidades homogéneas em termos patológicos, sendo que a cada categoria corresponde directamente a uma condição de natureza crónica. Nem todos os modelos seguiram a mesma nomenclatura em dimensão e nível de detalhe, existindo diversas adaptações consoante os objectivos de cada estudo. Esta constatação poderá ser observada com recurso ao Quadro XVII, onde se verifica a título de exemplo que o modelo de Sloan et al. (2003) utilizou 45 categorias enquanto o modelo de PCG (Lamers, 1999) considerou apenas 7 categorias.

Existem variados critérios para justificar a existência de diferentes categorias, sendo de destacar a criação de categorias específicas para determinadas patologias como é o caso das doenças psiquiátricas, determinados escalões etários como é o caso típico da pediatria (Fishman e Shay, 1999; Gilmer et al., 2001) ou determinadas populações como é o caso da Medicaid ou Veterans Affairs (Liu et al., 2003), Por outro lado, no caso de Lamers (1999), o rationale de apresentar um menor número de categorias crónicas assenta sobretudo no argumento de que a sua agregação poderá constituir um bom instrumento para reduzir as possibilidades de identificação dos ganhos inter categorias, minimizando concomitantemente possíveis comportamentos perversos de prescrição de medicamentos por parte das unidades prestadoras.

Como a grande maioria dos trabalhos desenvolvidos consistiu na adaptação do modelo original, a revisão da classificação já existente através de um painel de peritos representa uma das tarefas triviais nesta etapa (Roblin 1998; Fishman e Shay, 1999; Gilmer et al., 2001; Fishman et al., 2003; Kuhklutau et al., 2005; Liu et al., 2005; Maio

et al., 2005). Dependendo dos objectivos iniciais de cada modelo, alguns dos critérios

utilizados foram os seguintes (Clark et al., 1995; Sloan et al., 2003):

Um dos critérios de inclusão de determinadas categorias terapêuticas pode passar pela natureza das condições (crónicas ou não) e pela sua importância em

termos de custos e utilização de cuidados (Clark et al., 1995). No caso do CDS revisto, foram incluídas por exemplo a depressão e outras doenças mentais;  As categorias devem ser consistentes com o modelo original sempre que isso

fosse possível;

Assegurar a validade clínica de cada categoria através de uma cuidadosa revisão clínica e farmacêutica;

Todas as categorias deveriam ter pelo menos 300 “sujeitos” a não ser que fossem clínica ou economicamente relevantes.

Vejamos a título de exemplo no Quadro XVIII a correspondência das categorias de patologia crónica e os respectivos princípios activos no modelo de Maio et al. (2005).

ii) Numa segunda etapa procede-se à correspondência entre as classes definidas e os

princípios activos dos medicamentos que lhe devem estar associados, ou seja, realiza-se um mapeamento entre os grupos de medicamentos mutuamente exclusivos e as entidades de patologias clinicamente relevantes (Sales et al., 2003). Nesta etapa, os medicamentos da mesma classe terapêutica podem ser alocados a diferentes patologias, isto é, a mesma classe pode surgir em várias condições crónicas, no entanto, um medicamento específico apenas é classificado numa e só uma condição crónica. Desta forma um indivíduo pode ser classificado numa determinada categoria crónica apenas com a dispensa de um medicamento que se encontra agrupado nessa mesma categoria (Fishman et al., 2003), tal como se poderá encontrar classificado em mais do que uma categoria caso lhe seja associado o consumo de medicamentos em mais do que uma condição crónica.

No caso de existir informação sobre os diagnósticos de ambulatório, estes representam informação relevante para validação da classificação efectuada, conforme se pode encontrar no estudo de Sloan et al. (2003).

iii) Numa terceira etapa é necessário assegurar também uma nomenclatura comum dos

formulários terapêuticos utilizados. Nos trabalhos desenvolvidos por Von Korff, Wagner e Saunders (1992), Clark et al. (1995) ou Gilmer et al. (2001) estabeleceu-se uma correspondência entre os formulários próprios utilizados até então por cada unidade prestadora e o formulário geralmente aceite da American Hospital Formulary Service (AHFS). Também em Itália e na Holanda foi realizado procedimento semelhante (Maio et al., 2005; Lamers, 1999). Em ambos os estudos recorreu-se à utilização da classificação recomendada pela OMS, os códigos ATC (Anatomic Therapeutic Chemical Code), que prevê a classificação dos fármacos em diferentes grupos e subgrupos (níveis), de acordo com o órgão ou sistema sobre o qual actuam e segundo as suas propriedades químicas, farmacológicas e terapêuticas.

Quadro XVIII - Correspondência entre as Categorias Crónicas e os respectivos Medicamentos utilizados para a sua prevenção/tratamento

Categorias de condições crónicasprincipais (CPR

x) Descrição Medicamentos

1 Alzheimer Agentes anticolinesterasicos; Medicamentos utilizados no tratamento sintomático da demência de Alzheimer (despacho n.º 4250/2007, 7 Março)

2 Anemia Ferro; Vitamina B12; Ácido Fólico

3 Hiperplasia Benigna Próstata Antiandrogeneos; Analogos LHRH 4 Doenças Cardiovasculares

Cardiotonicos; Antirritmicos; Diuréticos; Depressores da actividade adrenérgica; Inibidores IECA´s; Antagonistas dos receptores da angiotensina; Bloqueadores dos canais de cálcio; Vasodilatadores antihipertensivos; Outros antihipertensivos 5 Hepatite Crónica Interferons; Outros medicamentos p/ tratamento de doença hepática 6 Doença Renal Crónica Agentes para hipercaliémia; Hiperfosfatémia; Soluções p/ Diálise

7 Doença Respiratória Crónica Agonistas Adrenérgicos Beta; Antagonistas colinérgicos; Glucocorticóides; Xantinas; Antiasmáticos de acção profiláctica; Outros Antiasmáticos e Broncodilatadores 8 Cirrose Substitutos Plasma; Fracções Proteicas do Plasma

9 Colite Ulcerosa e Crohn Anti-inflamatórios instestinais 10 Fibrose quistica Mucoliticos; Enzimas Pancreáticas

11 Diabetes Insulina; Biguanidas; Sulfonilureias; Inibidores da glucosidase alfa intestinal; Outros medicamentos antidiabéticos orais

12 Diabetes Incípida Vasopressina – Desmopressina 13 Epilepsia Antiepilépticos e anticonvulsivantes 14 Disfunção Eréctil Alprostadil; Outros medicamentos

15 Disfunção Ácida Gástrica Antagonistas dos receptores H2; Prostaglandinas; Protectores da mucosa gástrica; Inibidor bomba de protões; Outros Medicamentos

16 Glaucoma Simpaticomiméticos; Mióticos; Análogos Prostaglandinas; Bloqueadores Beta; Outros Medicamentos

17 Gota Inibidores de Ácidos Uricos; Colquicina

18 Crescimento Deficiente de Hormonas Hormona de crescimento humano

19 HIV/SIDA Inibidor Protease; Inibidor nucleosideo da transcriptase reversa; Inibidor nãonucleosideo da transcriptase reversa; Inibidores da fusão; Inibidores da Integrase 20 Hiperlipidemia Estatinas (inibidores da redutase da HMG CoA); Fibratos; Inibidores selectivos da

absorção de colesterol; Outros medicamentos 21 Tumores Malignos Antineoplásicos; Hormonas e anti-hormonas

22 Enxaquecas/Cefaleias Derivados ergotaminicos; Triptanos - Agonistas 5HT1 23 Doença Paget/ Osteoporose Bifosfonatos; Calcitonina; Vitamina D; Outros medicamentos

24 Dor Opiácios e outros agentes selectivos

25 Parkinson Anticolinérgicos; Dopaminomiméticos

26 Psoriase Agentes antipsoriase de aplicação tópica; Agentes antipsoriase de acção sistémica 27 Doenças Psiquiátricas Antidepressivos; Agentes Antipsicóticos

28 Doenças Reumatológicas e artrites Antinflamatórios não esteróides; Sais de Ouro; Outros med. Doença reumastismal; Medicamentos p/ artroses

29 Disturbios Tiróide Agentes antitiróideos; Hormonas da Tiroide (substituição)

30 Transplantes Agentes Imunomoduladores

31 Tuberculose Antibióticos antituberculose

iv) Na quarta etapa identifica-se o desenvolvimento de um algoritmo informático que

de uma forma automática. O volume de dados habitualmente disponibilizados nos suportes de registo dos consumos com medicamentos, sobretudo de natureza individual, exige uma abordagem de automatismos de procedimentos que permita o seu tratamento e análise. Esta etapa foi desenvolvida em todos os estudos descritos no Quadro XVII. Após a estruturação do modelo, procede-se então à sua aplicação, que compreende genericamente as seguintes etapas:

i) Recolha da informação necessária: a primeira etapa necessária para aplicação do

modelo é a recolha de informação. Para além de ser fundamental a disponibilização efectiva das bases de dados, nesta etapa procede-se também à consolidação informática dos dados (quando existe mais do que uma fonte de informação).

ii) A escolha da população em estudo: esta etapa deverá encontrar-se devidamente

alinhada com a própria estruturação do modelo em si, isto porque a escolha da população a estudar pode influenciar as categorias a utilizar e vice-versa, isto é, para determinados escalões etários, certas doenças não são aplicáveis, como por exemplo acontece com a osteoporose nas crianças (Gilmer et al., 2001).

Para evitar a consideração de consumidores esporádicos de medicamentação crónica, seleccionam-se também nesta etapa os indivíduos que apresentam um conjunto mínimo de prescrições no período considerado para análise. Este procedimento pode ser encontrado nos estudos de Lamers (1999) e Maio et al. (2005), que apenas incluíram na população em estudo os utentes com um número mínimo de prescrições anuais em determinada condição crónica: quatro prescrições no caso holandês20 e três prescrições no estudo italiano.

iii) Após a selecção da população em estudo, o desenvolvimento destes modelos pode

passar por duas abordagens alternativas (não mutuamente exclusivas): a determinação da prevalência de condições crónicas numa certa área geográfica delimitada (Parker et

al., 2001; Maio et al., 2005) ou são estimados custos/ utilização futura dos utentes

incluídos nos estudos (Clark et al., 1995; Sloan et al., 2003; Sales et al., 2003).

Se o cálculo da taxa de prevalência se trata de uma abordagem clássica sem aparentes problemas metodológicos associados, já a estimação de outputs futuros apresenta uma maior variedade de abordagens que importa descrever.

Em termos práticos verifica-se que as variáveis dependentes utilizadas nos estudos Rx variam consoante os objectivos definidos para cada um deles, situando-se sobretudo em duas dimensões: a utilização e os custos. Especificamente, as variáveis mais frequentes foram o número de consultas externas, a taxa de internamento e o número de dias de 20 A justificação para utilização de um prazo de 90 dias prende-se com o facto das receitas médicas

internamento para medir a utilização e os custos totais, de internamento, de ambulatório e de produtos farmacêuticos como forma de reflectir a variável custos. O detalhe de cada estudo e a frequência de utilização destas variáveis pode ser observado no Quadro XVII.

Através da estimação pretendem-se obter os ponderadores que explicam os custos/utilização de um determinado período de tempo (habitualmente um ano) e utilizando-os para prever os valores do período seguinte. Para o efeito recorre-se a uma regressão linear simples onde se apresentam como variáveis independentes o sexo, idade e categorias do RxRisk e como variável dependente os custos/utilização desse mesmo ano. A regressão detém a seguinte forma:

Riscot= f (Idade, Sexo, Status de Beneficiário, Categorias RxRisk)t-1

Assume-se que o risco durante um determinado período t é uma função individual da idade, sexo, estatuto de beneficiário e o conjunto de condições crónicas medidas pelo RxRisk durante um período anterior t-1.

O recurso a estas metodologias foi habitualmente direccionado para a explicação dos valores do ano ou para previsão dos valores dos períodos seguintes, recorrendo para o efeito a valores de dois exercícios ou efectuando um split através da divisão de um ano em dois semestres.

Após a obtenção dos cálculos, a performance do modelo é aferida - na grande maioria dos estudos sobre modelos Rx - através do recurso ao nível de explicação medido pelo seu R2. O coeficiente de determinação é complementado também por algumas medidas estatísticas que permitem caracterizar sob o ponto de vista estatístico a distribuição alcançada por estes modelos. De entre estas medidas destacam-se o MPE (Mean

Prediction Error) o MAPE (Mean Absolute Prediction Error), o PR (Prediction Ratio)

e a Análise custo-quintil21.

Sendo um dos critérios com maior ênfase no domínio dos modelos Rx, a determinação do seu valor de R2 não deverá constituir o elemento monopolizador da discussão relativa a esta matéria. Segundo alerta Fishman et al. (2003), a análise estatística é apenas uma etapa na determinação da adequação de um instrumento de ajustamento pelo risco em certas circunstâncias. Outros critérios deverão ser tidos em consideração na decisão de escolha sobre qual o modelo de ajustamento pelo risco adoptar, nomeadamente a confiança dos seus utilizadores na qualidade e disponibilidade das fontes de informação de determinado instrumento.

21O MPE indica qual a capacidade do modelo em estimar a sua média (é obtido a partir da média da

diferença entre os valores estimados e reais), o MAPE consiste na diferença em valor absoluto entre valores estimados e observados, o PR é a média do quociente entre valores estimados e observados.

Sabendo à partida que qualquer modelo matemático nunca é totalmente representativo da realidade, e nestes casos os valores de R2 de uma forma global dificilmente se aproximam de um grau de explicação perfeito, importa analisar outros aspectos relevantes para os prestadores e financiadores de cuidados de saúde. Entre os mais importantes destaca-se a tentativa de “protecção” destes modelos, uma vez que a utilização de variáveis de ajustamento pelo risco para efeitos de pagamento por capitação pode provocar incentivos perversos. Para minimizar este risco, são propostas algumas estratégias que importa realçar (Lamers, 2003):

i. O recurso à DDD como unidade de medida em substituição do número de

prescrições efectuadas. Se o critério ponderado é o número de prescrições efectuadas, poder-se-á estar perante uma situação poderão ser efectuadas quatro prescrições semanais em vez de apenas uma mensal. A forma de ultrapassar este tipo de procedimento é o recurso às DDD;

ii. Não permitir a existência de comorbilidades, classificando cada indivíduo

apenas na condição crónica mais cara, ou seja, não é incentivada a prescrição de medicamentos adicionais a indivíduos que já se encontram classificados numa determinada categoria;

iii. A compensação financeira dos custos associados às condições crónicas

deverá ser apenas parcial, situação que reduz os ganhos marginais nas prescrições adicionais;

iv. Restrição de pagamento capitacional a utentes que apresentam

simultaneamente uma condição crónica e despesas em saúde acima de determinado limiar. Com este critério reduz-se o número de indivíduos - e a capacidade de sua identificação - aos quais pode ser lucrativo a prescrição adicional de medicamentos;

v. Exclusão de condições crónicas que dão origem a pequenos aumentos nos

pagamentos por capitação, reduzindo o número de medicamentos que poderão dar origem a prescrições adicionais lucrativas.

Desta correspondência resulta a estrutura base do modelo de ajustamento pelo risco baseado nas prescrições de medicamentos. Assim, verifica-se que cada estudo apresenta as suas adaptações, dando também origem a modelos que apesar de na sua base apresentar uma estrutura globalmente comum, concomitantemente também detêm algumas nuances específicas.

2.3.2. A informação sobre consumo de medicamentos em ambulatório para efeitos

No documento RUN Tese de Doutoramento Rui Santana (páginas 124-130)