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Cada vez mais se reconhece a importância que as atividades do setor de serviços adquiriram para as sociedades modernas. Além de contribuir em grande medida em relação aos indicadores de agregados econômicos, à geração de empregos e à absorção de mão de obra, o setor de serviços salienta a importância do conhecimento como insumo ou produto em grande parte de suas atividades. E cabe salientar que foram desenvolvidas pertinentes abordagens a respeito da inovação no setor de serviços embasados em perspectiva neo- schumpeteriana.

Por outro lado, uma parcela importante do setor de serviços satisfaz necessidades dos consumidores finais, entretanto, outra parcela considerável serve de insumo de outras atividades (industriais, primárias ou do próprio setor de serviços), seja diretamente ou por meio da incorporação dos recursos humanos que outras empresas utilizam (educação, saúde etc.). Consideradas de forma sistêmica, pode-se perceber a importância de tais inter-relações que caracterizam especificamente o setor de serviços (GALLOUJ, 1997; SUNDBO, 1997; GADREY, 2000).

Sundbo (1997, p.441), de modo análogo à compreensão da inovação como um processo de busca e seleção apontado por Nelson e Winter (1982), argumenta que há certo grau de organização sistemática do processo, mas em grande medida “é um processo de busca, ou de tentativa e erro”. Assim, Sundbo aborda a inovação como um processo de busca e de aprendizagem no setor de serviços, particularmente, e salienta que a gestão da inovação em serviços ainda é um campo a ser explorado e desenvolvido por parte da literatura pertinente ao tema.

Como argumenta Sundbo (1997), a inovação não precisa ser caracterizada por uma ruptura extremamente radical com as rotinas estabelecidas, de modo que o desenvolvimento de negócios de serviços geralmente pode ser considerado como um processo com uma série

de pequenas mudanças em situações individuais, envolvendo os clientes. Em suma, Sundbo afirma que o conceito de inovação é, sim, aplicável aos serviços, como um processo de busca e aprendizagem não-sistemático, que produz um ato que foi reproduzido.

Vargas e Zawislak (2004, p.1), por sua vez, ressaltam a importância acentuada da inovação no setor de serviços, afirmando que a dificuldade em proteger a inovação em relação aos competidores e a necessidade de estreita proximidade com os clientes fazem com que a inovação seja uma fonte de vantagem competitiva absolutamente essencial em serviços, onde o esforço contínuo da empresa para atingir, no mínimo, as características esperadas do serviço é o fundamento de suas ações. Adicionalmente, argumentam que:

Se, por um lado, o caráter predominantemente imaterial da produção de serviços, a forma intensiva como aplica os conhecimentos, tácitos e explícitos, e a dificuldade de uma padronização do produto do serviço, especialmente quando há um profundo envolvimento do cliente no processo produtivo, criam dificuldades adicionais para a identificação de inovações, por outro, estes mesmos fatores fazem com que a busca da inovação seja ainda mais premente (VARGAS, ZAWISLAK, 2004, p.1).

A distinção entre inovação no setor industrial e no setor de serviços é válida, pois, de acordo com os autores, o entendimento sobre o processo de inovação e seus efeitos é mais restrito ao setor industrial – enfocando produtos –, do que ao setor de serviços. Assim, inovações de serviços podem resultar da combinação de diferentes operações de serviço e de suas lógicas respectivas, de modo a contemplar “inovações que não resultam em um artefato ou em conhecimento incorporado ao mesmo” (VARGAS; ZAWISLAK, 2004, p.4).

De acordo com Gadrey (2000), o que distingue a produção de serviços, em relação à produção de bens, é o próprio produto do serviço, bem como o estabelecimento da relação de serviço nessa produção. A relação de serviço pode ser caracterizada por meio de interações de informação, interações verbais, contatos diretos e trocas interpessoais entre produtores e beneficiários do serviço.

Conforme Gallouj (2007), as economias modernas são tanto economias de serviços como economias de inovação. Contudo, há pouco reconhecimento acerca das relações entre ambos, e a abordagem predominante da inovação em serviços reflete conceitos antigos de serviços, mitos e controvérsias que costumam cercá-los, e a inércia do aparato analítico e conceitual.

O autor ressalta que muitos problemas analíticos decorrem de especificidades que caracterizam os serviços, tais como os apontados no Quadro 2, a seguir.

Problema analítico Descrição

Natureza intangível do produto gerado nos serviços

Refere-se ao caráter relativamente imaterial, vago e instável do produto do serviço (um ato, uma fórmula, um protocolo de tratamento), o qual dificulta a definição da fronteira da prestação em termos do grau de materiabilidade e do horizonte temporal da prestação.

Interatividade da prestação do serviço

Envolve certa participação do cliente na produção da prestação, o que produz consequências em relação à natureza e à organização da inovação em serviços. O serviço é consumido enquanto é produzido, e envolve certo grau de participação do consumidor, o que produz consequências sobre a natureza dos regimes de apropriação da inovação nos serviços, e explica, em particular, as facilidades e as dificuldades de proteção.

Natureza dos direitos de

propriedade Não há nos serviços, como há na indústria, o estabelecimento ou atroca de direitos de propriedade em relação ao produto (do serviço), uma vez que o cliente, muitas vezes, não é só o co-produtor, como também o co-inventor.

Heterogeneidade dos

serviços Denota a diversidade de atividades que caracterizam o setor deserviços, de modo que os tipos de produtos (do serviço) são extremamente variáveis de uma atividade de serviço para outra, o que culmina em dificuldade para aplicação de definições tradicionais de inovação.

Quadro 2. Problemas analíticos decorrentes das especificidades dos serviços Fonte: Gallouj (2007, p.23-25).

Diante de tantas dificuldades que envolvem a subestimação da inovação em serviços, é demonstrada a pertinência de se buscar compreender o fenômeno da inovação segundo uma nova perspectiva, que integre a inovação no setor industrial e no setor de serviços, como a abordagem integradora desenvolvida por Gallouj (1997). O autor se opõe ao viés tecnológico como abordagem predominante da inovação em serviços, avançando rumo a um arcabouço interpretativo mais genérico que considere a inovação tecnológica assim como a inovação não-tecnológica, tanto em relação aos serviços como à indústria. Ou seja, o desenvolvimento de uma nova abordagem, integradora, uma teoria da inovação em serviços que leve em conta especificidades dos serviços sem excluir os produtos.

Assim, Gallouj (1997) descreve o produto como uma conjunção de características técnicas e de serviços. Tal abordagem é estendida por Gallouj (1997, 2002) de modo a levar em conta as possíveis aplicações aos serviços, considerando suas especificidades (intangibilidade, imediatismo, interatividade, heterogeneidade etc.) e do relacionamento de serviços, culminando na noção de serviços como uma combinação de características.

Gallouj (1997) ilustra essa abordagem por meio de vetores de características, os quais envolvem: características técnicas, competências diretas do provedor do serviço, competências do cliente, e características finais do produto (bem ou serviço), conforme indicado na Figura 6, a seguir:

Figura 6. Abordagem integradora da inovação Fonte: Gallouj (2007, p.21).

Para os pesquisadores da inovação, é particularmente interessante a forma como Gallouj (1997) esboça a dinâmica do fenômeno da inovação, apontada na Figura 6, de acordo com uma representação do produto genérica o bastante para englobar tanto um bem como um serviço, considerando, ainda, as configurações específicas aos serviços, tais como: a interação entre o cliente e o provedor na entrega do serviço, e a intangibilidade do serviço, uma vez que as características técnicas referem-se tanto a elementos materiais (equipamentos, instrumentos etc.) como a elementos imateriais (métodos, rotinas etc.).

Nesse contexto, Gallouj (2002) argumenta que a inovação é vista não como um resultado, mas como um processo, e a define como qualquer mudança que afeta um ou mais elementos de um ou mais vetores de características – técnicas, de serviço ou competências. Como o autor argumenta, a inovação pode ser desencadeada pela dinâmica positiva ou negativa dos vetores de características, ou qualquer combinação entre esses vetores.

Dessa forma, a abordagem desenvolvida por Gallouj (1997) denota sua originalidade e pertinência para a compreensão do fenômeno da inovação, seja no setor de serviços, seja no setor industrial. O autor defende a abordagem integradora, que considera como ponto de

C1 C2 . Ck . . Cp T1 T2 . Tj . . Tn Y1 Y2 . Yi . . Ym C’1 C’2 .. C’k ... C’q Competências do cliente Características técnicas materiais e imateriais Competências diretas do provedor Características finais ou do serviço

partida a tendência rumo à convergência e à superação das fronteiras entre bens e serviços, favorecendo uma abordagem analítica similar à inovação em ambos os casos.

A respeito da abordagem integradora, Vargas e Zawislak (2006, p.143) argumentam que este enfoque se propõe a:

(...) reconciliar bens e serviços, integrando-os definitivamente em uma única teoria da inovação. Mesmo ressaltando as especifidades dos serviços, a abordagem integradora considera que a inovação envolve características genéricas, em que a ênfase recairá sobre peculiaridades da manufatura ou dos serviços. (...) Como decorrência disto, estabelecem-se características funcionais que possam ser extensivas a produtos e serviços e, a partir delas, as tipologias das inovações que permitam abrigar indústria e serviços.

Tal abordagem é enriquecida por elementos da teoria das convenções, sob perspectiva sociológica, e da teoria neo-schumpeteriana, sob perspectiva econômica, corroborando a concepção de que a inovação remete à interatividade, bem como envolve romper com a rotina. Retomando argumentos de Schumpeter, que apontou a inovação como um desvio do comportamento rotineiro, destruindo continuamente o equilíbrio, Sundbo e Gallouj (2000), caracterizam a inovação em serviços como uma mudança a partir da adição de um novo elemento ou a recombinação de antigos elementos.

Gallouj (1997) demonstra que a abordagem integradora da inovação baseada em características e os modelos de inovação que dela derivam se encaixam dentro do escopo de uma abordagem neo-schumpeteriana da inovação. O autor compreende a inovação como:

qualquer mudança que afeta um ou mais elementos de um ou mais vetores de características – técnicas, de serviço ou competências –, de modo que a inovação pode ser desencadeada por meio da dinâmica positiva ou negativa dos vetores de características, ou qualquer combinação entre esses vetores (GALLOUJ, 1997, p.407).

Em suma, percebe-se que a concepção neo-schumpeteriana de inovação se alinha à concepção de inovação na abordagem integradora desenvolvida por Gallouj (1997, 2002), segundo a qual a inovação também é vista não como um resultado, mas como um processo. Assim, e considerando o enfoque do estudo, é oportuno caracterizar abordagens acerca da inovação organizacional, conforme uma concepção de processo no âmbito das organizações.