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4 I MPLICAÇÕES DA FINANCEIRIZAÇÃO DO CAPITAL NO REPOSICIONAMENTO ECONÔMICO DE CIDADES NA RMR E G OIANA E NA REESTRUTURAÇÃO

4.1 Conjuntura política e econômica de formação da RMR e os incentivos ao desenvolvimento: breve contextualização.

4.1.1 A institucionalização da RMR e os primeiros grandes projetos urbanos por planos

Na época em que foi instituída, a RMR contava com a participação de nove municípios, a saber: Recife; ao Sul, Jaboatão dos Guararapes e Cabo de Santo Agostinho; ao Norte, Olinda,

Paulista, Igarassu e Itamaracá; a Oeste, Moreno e São Lourenço da Mata (Figura 3). Com a criação da região metropolitana ampliaram-se os incentivos a implantação de indústrias nessas cidades, por meio da busca por dotação de infraestruturas de comunicações e transportes, de modo que as tornassem, assim, mais atrativas para outros investimentos.

Figura 3 – Municípios integrantes da RMR na institucionalização em 1973.

Fonte: Elaboração própria, 2016. Baseado em mapas da década de 1970.

Na mesma Lei de institucionalização da RMR apontava-se, ainda, obrigatoriedade de se constituir um Conselho Deliberativo, presidido pelo Governador do Estado e um Conselho Consultivo com um representante de cada município integrante, criados por lei estadual. Ao Conselho Deliberativo cabia a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado da região metropolitana e a programação dos serviços comuns, assim como, coordenar a execução de programas e projetos de interesses da região metropolitana, objetivando-lhes, sempre que possível, a unificação quanto aos serviços comuns. Enquanto que ao Conselho Consultivo competia opinar sobre questões de interesse da região metropolitana, quando solicitado pelo Conselho Deliberativo, sugerir a elaboração de planos regionais e a adoção de providências relativas à execução de serviços comuns (BRASIL, 1973).

Em um contexto em que se observa claramente a demanda por um maior controle do Estado sobre o desenvolvimento das metrópoles recém-instituídas, os conselhos para a RMR foram criados por meio da Lei estadual nº 6.708, de 17 de julho de 1974. Seguida pela Lei estadual nº 6.890, de 03 de julho de 1975, que para a execução dos serviços administrativos

necessários ao funcionamento dos conselhos, criou a Fundação de Desenvolvimento Metropolitano (FIDEM), a qual, por sua vez, caberia promover o desenvolvimento municipal e metropolitano com vistas à regionalização do planejamento e à gestão das funções públicas de interesse comum, com execução de obras e serviços de interesse da RMR (PERNAMBUCO, 1975a). A FIDEM, no momento da sua criação, era vinculada ao órgão estadual, Instituto de Planejamento de Pernambuco (CONDEPE), originado desde 1956, passando a ficar responsável pelas demais áreas estratégicas de planejamento e desenvolvimento do Estado, sobretudo econômico.

Ainda em 1975, por meio da Lei estadual nº 7.003, foi criado o Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife (FUNDERM), destinado a financiar a execução das atividades da FIDEM, o planejamento integrado e atividades e projetos que envolvem programas de interesse metropolitano. A receita do FUNDERM seria então constituída de: parcela da quota do Fundo de Participação dos Estados (FPE); outros recursos de natureza orçamentária e extra orçamentária que lhe forem destinados pela União, pelo Estado e pelos municípios integrantes da RMR; produto de operações de crédito realizadas pelo Estado para financiamento de atividades e projetos integrantes de programas metropolitanos; parcela das quotas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM); transferências, a fundo perdido, provenientes de entidades públicas ou privadas, nacionais ou internacionais. Sendo os recursos depositados no Banco do Estado de Pernambuco S/A - BANDEPE39 (PERNAMBUCO,

1975b).

Além do FUNDERM, Souza et al. (2006) destaca que se poderia contar ainda como fontes de recursos para investimento metropolitano, gerenciados pela FIDEM, com: o Orçamento Geral da União (OGU), por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano (FNDU), gerido pelo Conselho Nacional de Política Urbana (CNPU), posteriormente Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU); a subconta de transporte urbano gerido pela Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU); o Orçamento da SUDENE, para financiamento de planos e estudos; os recursos de crédito do BNH e de empréstimos de agências internacionais, tais como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).

39 O BANDEPE foi fundado em 1966, com o objetivo de criar condições de desenvolver ações ligadas ao polo industrial, agrícola e da pecuária. Na década de 1990, em meio a uma onda de privatizações, o banco passou seu controle acionário em 1998 ao ABN AMRO, através do Banco Real. E em 2008, o Banco Santander comprou a operação do ABN AMRO (MUSEU DO ESTADO DE PERNAMBUCO, 2016).

O mercado financeiro brasileiro ainda estava se estruturando, como sinalizado na seção 2.1.4, mas já conseguia atrair capital nacional e internacional com a política desenvolvimentista e como alternativa de absorção de poupança em dólares, em virtude da crise do petróleo no mundo, o que possibilitava os investimentos a nível nacional e com direcionamentos regionais. Observa-se, assim, que se conseguiu organizar toda uma estrutura que pudesse planejar, orientar e executar as ações para promover o desenvolvimento da RMR, e com isso, melhor aproveitar os investimentos oriundos da SUDENE e de agências internacionais para o Nordeste. De modo, que ainda em 1976, publicou-se o Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI) da RMR pela FIDEM40.O PDI, através de estudos e análises, identificou quatro nucleações na RMR e as linhas de fluxos e articulações entre os núcleos, a partir disso, traçou ações para as mesmas, em virtude de suas particularidades físicas e sociais organizadas em cinco eixos estratégicos (Figura 4).

Figura 4 – Esquema demonstrativo das estratégias do PDI/1976 para a RMR.

Fonte: CONDEPE/FIDEM, 2014.

Para as quatros nucleações identificadas como: 1) Núcleo Metropolitano do Recife; 2) Nucleação do II Polo Metropolitano; 3) Núcleo Metropolitano do Cabo; e 4) Nucleação de Paulista-Igarassu, foram listadas inúmeras ações nas 274 páginas do documento, das quais algumas são apresentadas a seguir, pelos eixos estratégicos (CONDEPE/FIDEM, 2014):

40 Houve dificuldade de acesso ao documento original, sendo utilizado material desenvolvido pela CONDEPE/FIDEM sobre os desafios metropolitanos em que houve uma retomada dos planos já elaborados para a região metropolitana.

1. Fortalecimento da base econômica: por meio da implantação do Complexo Industrial Portuário Suape (CIPS)41, que se concretizou no Núcleo

Metropolitano do Cabo; implantação e consolidação de distritos industriais, a exemplo do instalado no bairro do Curado, no Recife; e a recuperação e modernização de indústrias tradicionais.

2. Integração social: com a instalação de serviços sanitários e urbanização de áreas pobres; implantação de conjuntos habitacionais; capacitação de recursos humanos; implantação de melhorias nos sistemas educacionais; implantação de centros sociais urbanos, de áreas de lazer, um Centro de Convenções; e geração de emprego e renda.

3. Ocupação racional do espaço metropolitano: com a consolidação do núcleo central metropolitano; implantação do II Polo Metropolitano a Oeste, por meio da instalação do Terminal Integrado de Passageiros (TIP)42; legislação de proteção ambiental; melhorias e urbanização em áreas sujeitas a enchentes; elaboração do Plano de Preservação dos Sítios Históricos (PPSH) da RMR43.

4. Adequação da oferta de serviços urbanos: ampliação, melhoria e implantação do sistema de abastecimento de água (Reservatórios de Botafogo e Pirapama44); implantação de obras para contenção de enchentes (barragens de Tapacurá,

Carpina e Goitá45); melhoria do sistema de coleta e destino final do lixo urbano (aterro

sanitário da Muribeca); melhoria do sistema de transportes públicos de passageiros, por meio da criação da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU); e implantação do metrô Recife.

5. Consolidação do modelo de gestão político – institucional: ampliação da capacidade tecnológica da FIDEM; consolidação da criação dos Conselhos Metropolitanos; implantação de uma base de informações cartográficas – a unibase; regulamentação do FUNDERM, monitoramento do uso do solo metropolitano.

Dentre as ações assinaladas, observa-se uma busca por dotação de infraestrutura urbana e uma orientação de desenvolvimento da RMR por setores funcionais, em que os novos

41 A empresa SUAPE foi criada em 1978, através da Lei Estadual nº 7.763, com a finalidade de administrar a implantação do distrito industrial, o desenvolvimento das obras e a exploração das atividades portuárias. As operações foram iniciadas em 1983.

42 Inaugurado em 1986 no município de Camaragibe. 43 Concretizada em 1979.

44 O reservatório de Botafogo teve início na operação da primeira etapa em 1986, enquanto que o de Pirapama, apesar da apresentação do projeto executivo em 1988, só foi entregue à população em 2011 (OLIVEIRA, 2011). 45 Todas entraram em operação ainda na década de 1970.

investimentos industriais estiveram mais concentrados na nucleação Sul, enquanto que se apontava para o Oeste a expansão do núcleo urbanizado consolidado para além do Recife, Olinda e Jaboatão dos Guararapes.

Salienta-se que a RMR passou por uma grande dinamização na década de 1970, afirmando-se como metrópole industrial regional. Esse crescimento industrial foi acompanhado, segundo apontam Zancheti e Lacerda (1999), por um processo também de diversificação e de modernização do terciário, com a ampliação do comércio, propagação de bancos e serviços, especialmente, no núcleo metropolitano Recife.

Perante o exposto, ressalta-se a importância do PDI, o qual embora tenha enfrentado dificuldades de implementação, a exemplo do projeto de construção da Via Costeira46, do Reservatório de Pirapama, executado apenas em 2011, dentre outras obras de infraestrutura urbana, serviu por muito tempo como referência na elaboração de outros planos setoriais, dentre os quais: o Plano de Ordenamento Territorial (POT) e o Plano Diretor de Transportes (PDT), em 1982. Foi ainda considerado na elaboração do Plano de Desenvolvimento Metropolitano (PDM), em 1982-83 – que trouxe a revisão do mesmo, além de ter influenciado programas de investimentos e alguns projetos e ações que se sucederam, como o de controle de parcelamento do solo urbano (aplicação da Lei Federal nº 6.766 DE 1979) (SOUZA et al., 2006).

O PDM, como colocado, foi fundamentado no PDI e tinha como propósito dar continuidade ao processo de reestruturação da RMR, corrigindo diretrizes e atualizando-as conforme o contexto urbano que se apresentava com novos problemas oriundos do crescimento urbano. Na época da elaboração do plano, a RMR já contava como 12 municípios, em virtude dos seguintes desmembramentos: Abreu e Lima, do município de Paulista; Camaragibe, do município de São Lourenço da Mata; e Itapissuma, do município de Igarassu. Além disso, a população da RMR passa de 1.827,2 habitantes, na década 1970, para 2.386,5 habitantes nos anos 1980, um aumento significativo de 30% (Dados IBGE) (Figura 5).

46 O projeto que conectaria de Paulista, ao Norte, a Jaboatão dos Guararapes, ao Sul, ficou pronto em 1978 e previa três faixas de rolamento em cada sentido, com ruas transversais de acesso às praias a no máximo 1 (um) km do oceano. Terminou por não ter continuidade em função dos altos custos das desapropriações dos imóveis. O fato foi percebido após a compra de alguns imóveis costeiros, levando a uma improvisação do projeto adequando as vias, quanto ao número de faixas de rolamento, às condições físico-territoriais postas (O RECIFE QUE MOFOU NO PAPEL, 2011). Revisado inúmeras vezes e redesenhado, o projeto que saiu do papel foi um recorte do que seria a Via Costeira, tornando-se o Corredor Via Mangue em 2014, que será abordado na seção 4.2.2.3.

Figura 5 – Municípios integrantes da Região Metropolitana do Recife em 1982.

Fonte: Elaboração própria, 2016. Baseado no PDM, 1982-83.

Tendo como horizonte os anos 2000, o enfoque do PDM era na dotação e eficiência de infraestrutura e serviços públicos, bem como, ações voltadas às ocupações urbanas, sobretudo, em áreas pobres (FIDEM, 1983) (Figura 6).

Figura 6 -Esquema demonstrativo das estratégias do PDM – 1982/83 para a RMR.

Fonte: CONDEPE/FIDEM, 2014.

As principais diretrizes postas no PDM são listadas a seguir, com base nos respectivos eixos estratégicos (FIDEM, 1983):

1. Consolidação da ocupação/estruturação espacial: por meio da definição das áreas urbanizáveis das quatro nucleações, que passam a ser nomeadas como Centro, Sul, Norte e Oeste; foram identificadas as áreas intersticiais/periféricas, área rural/não urbanizáveis, áreas de preservação, áreas de reserva ecológica/estuarinas e de proteção de mananciais, bem como, áreas de interesse social, as quais receberam o Plano de Recuperação dos Assentamentos Sociais para a População de Baixa Renda; e identificação dos sítios históricos da RMR no contexto do PPSH.

2. Fortalecimento e dinamização da economia da RMR: através do CIPS, consolidação de distritos industriais, consolidação da prestação de serviços de porte regional, fortalecimento do sistema industrial tradicional, dinamização da construção civil, apoio à pequena e média empresa, dinamização da atividade agropecuária, expansão da atividade de turismo e, apoio a produção informal.

3. Eficiência da infraestrutura e serviços urbanos: implantação do metrô do Recife; Plano Diretor de Transporte da RMR subordinado ao modelo de ocupação espacial; Projeto Grande Recife, pelo programa MINTER/BIRD47; eixo de integração da nucleação Norte; Conjunto Industrial Multifabril em Jaboatão dos Guararapes; Centro de Convenções de Pernambuco; implantação dos conjuntos habitacionais: Caetés I, Caetés II, Maranguape I, Maranguape II, Arthur Lundgreen I, Arthur Lundgreen II Conjunto Habitacional Curado IV; Obras de Contenção de Enchentes: Barragem de Tapacurá, Barragem de Carpina, Barragem do Goitá.

4. Fortalecimento do processo de planejamento, coordenação e administração metropolitana: consolidação da criação do Conselho Metropolitano; Regulamentação do FUNDERM; implantação de uma base de informações – UNIBASE; legislações ambientais; monitoramento do Uso do Solo Metropolitano – CACI.

Conforme exposto, o PDM buscava dar continuidade às ações iniciadas nos anos 1970, já corrigindo dificuldades encontradas e, sobretudo, almejando melhorar as condições de infraestrutura urbana sobrecarregada com o contínuo crescimento urbano, para assim manter o poder de atração da RMR aos investimentos industriais e decisões de outras empresas de se

47 O Projeto Grande Recife teve ações voltadas a infraestrutura metropolitana, urbanização de favelas, desenvolvimento institucional, emprego e renda. (SOUZA, et al., 2006). BIRD também conhecido como Banco Mundial.

instalarem lá. A partir do mesmo, foram viabilizadas construções de moradias de baixa renda; implantação de infraestrutura urbana básica; iniciativas pioneiras de planos de urbanização de assentamentos precários, no lugar da remoção – por meio da criação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e Plano de Regulação de ZEIS (PREZEIS) – embora poucos casos tenham sido efetivados. Muitas dessas ações foram possíveis em virtude de empréstimos de agências como o BIRD, dentro do Banco Mundial, em um discurso americano de reconhecimento como viável à moradia do pobre e disseminado pelos países em que atuavam. Entretanto, ainda na década de 1980, o processo conduzido pelo Estado centralizado começou a dar sinais de esgotamento, a crise fiscal e financeira48 do Estado – e em seu bojo, o esvaziamento da política regional de desenvolvimento – era revelada pela escassez dos fundos de investimentos para a contínua viabilização da industrialização por meio da SUDENE (SOUZA et al., 2006). O país passava por uma estagnação econômica e beirava a hiperinflação, em que não se via condições de conferir continuidade às políticas desenvolvimentistas observadas nas décadas de 1960 e 1970. O que impactou na contínua implementação dos projetos previstos nos planos.

Anteriormente a essa diminuição dos investimentos, já havia um redirecionamento, iniciado nos anos 1970, em favor da industrialização dos demais estados da região Nordeste, como o Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia; do complexo cloro-químico de Alagoas e Sergipe; o Polo minero-metalúrgico de São Luís, no Maranhão; e a expansão de projetos em maior número no Ceará. Levando, assim, a própria redução da função de entreposto comercial que o Estado de Pernambuco exercia, e consequente, da sua região metropolitana (LIMA et al., 2007).

Com isso, assinalou-se naquele período uma fase de transição no cenário econômico pernambucano e em sua RMR, bem como, na cultura de planejamento urbano metropolitano, em virtude da diminuição de investimentos e das redefinições de responsabilidades entre as várias esferas governamentais, o que será melhor abordado na seção a seguir.