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As parcerias público-privadas e os Grandes Projetos Urbanos: o grande marco da financeirização do capital imobiliário brasileiro

2 D A FINANCEIRIZAÇÃO DA ECONOMIA A RECONFIGURAÇÃO DO MERCADO IMOBILIÁRIO

2.2 O capital imobiliário financeirizado no Brasil

2.2.4 As parcerias público-privadas e os Grandes Projetos Urbanos: o grande marco da financeirização do capital imobiliário brasileiro

As parcerias público-privadas (PPPs) foram criadas através da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parcerias público- privada, no âmbito da administração pública. Referem-se, portanto, ao contrato administrativo de concessão, de modalidade patrocinada ou administrativa, desde que para a celebração do contrato, o valor do mesmo seja igual ou superior a R$ 20 milhões e o período de prestação superior a 5 anos e inferior a 35 anos.

Segundo Santana e Rodrigues (2006), as PPPs foram criadas baseando-se na percepção de que o Estado brasileiro não disporia de grandes recursos para investimentos em áreas públicas. Com isso, funcionariam para mobilizar a iniciativa privada a realizar investimentos

junto ao Estado na área de infraestrutura e de serviços públicos, e este ofereceria garantias especiais de rentabilidade.

De modo que, por PPP entende-se a concessão de serviço público, tendo o ente privado como o responsável por administrar um empreendimento público e garantir lucros, porém regulamentado pelo Estado. Ainda assim, de acordo com Santana e Rodrigues (2006), o Estado aparece como um parceiro menor, empenhado em garantir o sucesso do outro parceiro. No entanto, observa-se que o Estado, na verdade, tem um papel fundamental, mesmo que para garantir os ganhos privados, não se configurando como um parceiro menor.

Neste ponto é importante salientar, que modalidades de contratação e licitação envolvendo o público e privado são anteriores a essa era da financeirização. De acordo com Sundfeld (2011), o tema surge ainda nos anos 1990 com o programa de Reforma do Estado desenvolvido no Brasil e teve seu ápice no governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) com a privatização de grandes empresas federais e o estímulo ao Terceiro Setor, acompanhado da flexibilização de monopólios de serviços públicos.

Em um sentido amplo, Sundfeld (2011, p.20), aborda que as PPPs se referem a:

Múltiplos vínculos negociais de trato continuado estabelecidos entre a administração pública e particulares para viabilizar o desenvolvimento, sob a responsabilidade destes, de atividades com algum coeficiente de interesse geral. Neste sentido, as parcerias distinguem-se dos contratos que, embora também envolvendo Estado e particulares, ou não geram relação contínua, ou não criam interesses comuns juridicamente relevantes [...] Nos contratos que, ao contrário, criem tais interesses e cuja execução se prolongue no tempo, surge o desafio de disciplinar a convivência entre os contratantes e de definir como se partilham as contribuições e responsabilidades para o atingimento dos objetivos, bem assim os riscos decorrentes do empreendimento.

Pode-se mencionar ainda outros mecanismos, sejam contratuais ou não, que viabilizam o uso privado de bem público em atividade com interesse social, de forma onerosa ou gratuita. Mas a partir de 2002 o termo ganha novo fôlego, passando-se a defender a necessidade da criação de um programa de PPP, embasando-se, para tanto, em experiências positivas internacionais, o que levou a criação da referida Lei nº 11.079/2004 (Ibidem, 2011).

Com a lei, o sentido estrito de PPPs se refere aos “vínculos negociais que adotem a forma de concessão patrocinada e de concessão administrativa [...] apenas esses contratos sujeitam-se ao regime criado por essa lei” (SUNDFELD, 2011, p.24). O objetivo é gerar compromissos financeiros estatais firmes e de longo prazo, de modo a estabelecer confiança no sócio privado a investir e evitar o uso irresponsável do fundo público (Ibidem, 2011).

Ou seja, essa formalização teve como intuito conferir maior confiabilidade aos investidores, fazendo-os crer que todos os riscos, sejam eles: cambiais, políticos ou contratuais foram afastados. Bem como, ampliar as garantias de rentabilidade (SANTANA, RODRIGUES,

2006). O que é amplamente condizente com o momento atual da economia sob a lógica financeira, e de confluência com a produção imobiliária, que envolve dissipação de riscos, aumento da liquidez, dentre as demais características já expostas.

Para tanto, antes da celebração do contrato, a legislação exige no artigo 9º a criação de Sociedade de Propósito Específico (SPE) para a implantação e gerência do objeto da parceria. A SPE é usualmente constituída sob a forma de companhia aberta ou limitada, e caso seja formada sob a forma de companhia aberta, pode colocar valores mobiliários no mercado (BRASIL, 2004).

Com isso, fundamentam-se e formalizam-se as condições para investir em infraestrutura, e mais especificamente, em projetos urbanos de grande porte, podendo, inclusive, as PPPs serem utilizadas por propostas selecionadas no âmbito do PAC. Se as parcerias em sentido amplo não são novas, certamente possuem uma atuação crescente desde os anos que se seguiram a criação daquela Lei, o que tem por sua vez acelerado as transformações urbanas. Nesse ponto, convém destacar o potencial aproveitamento do capital financeiro pelos Grandes Projetos Urbanos (GPUs).

Para melhor entender os GPUs recorre-se às conceituações trazidas por Lungo (2004) e Cuenya et al. (2012), em que se coloca que não se tratam tão somente de obras emblemáticas, mas intervenções públicas ou privadas de grande escala, construídas com desenhos e padrões tecnológicos vanguardistas, que por sua integração, produzem impactos no desenvolvimento de uma cidade. Podem envolver desde um conjunto residencial até a renovação urbana de um centro histórico, zonas industriais, portuárias, etc, construção de novas zonas turísticas ou recreativas, ou a construção de uma infraestrutura de transporte. Ou seja, possibilitam as condições ideais para a aplicação do capital financeiro.

Assim como o próprio processo de financeirização e as parcerias entre esfera pública e privada, intervenções urbanas de grande escala também não são realizações do período recente. De acordo com Vainer (2012), intervenções de grande porte conduzidas pelo Estado datam da própria origem do processo de urbanização capitalista, em que o crescimento demográfico acelerado e novas funções urbanas impuseram significativas alterações na malha urbana e na estruturação das cidades.

Lungo (2004) busca a raiz na noção de projeto urbano em si, e sugere que a mesma surge na Europa por volta dos anos 1970, permeada pelas contradições existentes entre os projetos arquitetônicos de grandes dimensões e os planos não estritamente espaciais. Passando a serem entendidos, os projetos urbanos, como atuações públicas sobre uma determinada área da cidade, mas que devem se articular a uma visão global da mesma, envolvendo os problemas

econômicos e sociais. Devido a isso, os projetos urbanos foram se adequando ao longo do tempo aos seus respectivos contextos políticos e econômicos, bem como as transformações nas necessidades e demandas. De modo que Ezquiaga (2001) faz uma classificação dos GPUs em três gerações. Na visão deste autor, na primeira geração os projetos se caracterizam por: ter como objeto de intervenção a construção de infraestruturas e serviços urbanos, recuperando e ampliando o conceito de obra pública; e por essa razão, estarem embasados no protagonismo público e intervenção direta do Governo Federal ou Municipal; serem concebidos como motores da transformação urbana e recuperação do meio ambiente e gerar atenção prioritária para o espaço público.

Os GPUs da segunda geração se diferenciam por: diversificar os objetos de intervenção – com a produção de novas centralidades, melhorias de áreas degradadas; romper os limites geográficos das intervenções urbanas tradicionais chegando à periferia; incorporar o setor privado na gestão, e com isso, por introduzir critérios de rentabilidade econômica.

Por fim, na terceira geração, os GPUs se caracterizam por serem, em sua maioria, metropolitanos e, por conseguinte, por serem concebidos como motores do desenvolvimento do espaço metropolitano; promover a recuperação integral dos centros históricos e não apenas do patrimônio histórico; e contribuir com a transformação da periferia interna criando novas centralidades.

Ou seja, embora essas intervenções de grande porte não sejam oriundas dos tempos recentes, adquiriram especificidades próprias desse contexto de financeirização da economia contemporânea, de modo que se tornaram, por meio de suas modificações, um dos principais meios de movimentar o capital financeiro, ampliando os atores responsáveis e reconfigurando seus papéis, sendo as parcerias público-privadas essenciais para a propagação dos GPUs contemporâneos, exatamente por permitir o envolvimento de variados atores e a criação de exceções.

Entretanto, coloca-se que um dos maiores desafios dos GPUs e das PPPs é tornar real as pretensões discursadas. Smolka (2004) assinala que os GPUs contemporâneos apresentam riscos igualmente novos, que os diferenciam das grandes intervenções de outrora. Por englobarem uma gama de diferentes atores e serem concebidos para transformar o espaço urbano, como também tendem a acentuar as desigualdades socioespaciais existentes. De acordo com Vainer (2012, p. 194) os GPUs “poderiam ser definidos como intervenções que instauram rupturas na cidade. Esta entendida como espaço social multidimensional”.

Rupturas porque aparentemente interrompem organizações políticas, sociais e morfológicas ora em curso. Segundo Rolnik (2012b) e Mattos (2013), estudos apontam que os

ativos imobiliários são colocados de maneira dispersa, em função da atratividade e/ou competitividade de cada área do espaço de acumulação, de maneira que o crescimento desses lugares resulta nas suas respectivas posições em função de suas condições de rentabilidade, risco e liquidez oferecidas, podendo romper com traçados, planos e decisões anteriores. Tema este que é objeto de estudo desta tese e voltará a ser abordado nos capítulos seguintes com a análise em cidades da RMR, e em profundidade, São Lourenço da Mata e a cidade de Goiana (fora da RMR).

Outra questão que merece atenção, refere-se às diferentes necessidades e demandas inerentes ao público e ao privado, que não inviabiliza a parceria entre ambos na realização de GPUs, mas expõe conflitos de interesses. Bobbio (1987) discorre sobre especificidades de cada um, o que permite discutir seus rebatimentos na vida econômica e social.

Segundo Bobbio (1987) todas as teorias sobre o primado público compartilham da ideia comum que o todo vem antes das partes, ou seja, fundamenta-se sobre a necessária subordinação do interesse individual ao interesse coletivo. Complementa ainda que o primado público significa o aumento da intervenção estatal na regulação dos comportamentos dos indivíduos.

Enquanto o primado do privado tem como institutos principais a família, a propriedade, o contrato e os testamentos e evolui para a compreensão de todos os direitos individuais naturais (BOBBIO, 1987). Essa distinção entre público/privado, na visão do referido autor, duplica-se na distinção política/economia e, por conseguinte, o público sobre o privado significa o primado da política sobre a economia. Justifica apontando o processo de intervenção dos poderes públicos na regulação da economia que se designa “publicização do privado”, e explica que:

De fato, o processo de publicização do privado é apenas uma das faces do processo de transformação das sociedades industriais mais avançadas. Ele é acompanhado e complicado por um processo inverso que se pode chamar de “privatização do público” [...] Os dois processos não são de fato incompatíveis e compenetram-se um no outro. O primeiro reflete o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade representada pelo Estado, que invade e engloba progressivamente a sociedade civil; o segundo representa a revanche dos interesses privados através da formação dos grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos. (BOBBIO, 1987, p. 26-27)

Quando se está diante da generalização da supremacia do privado, como aponta Mattos (2013) e a consequente mercantilização da vida econômica e social, vê-se uma diminuição significativa da prioridade política, ou seja, dos benefícios sociais e ambientais, em detrimento do crescimento econômico. Acrescenta-se ainda um aparente abandono dos esforços para promoção do planejamento urbano centralizado pelo Estado, o que de acordo com Mattos

(2007) contribui para consolidar uma situação em que as decisões e ações privadas têm mais autonomia e liberdade que anteriormente.

Assim, tem-se uma disputa contraditória nas cidades contemporâneas: a disputa pelo uso do fundo público, entre aqueles que querem da cidade melhores condições de vida, ou seja, a aplicação do fundo público em setores sociais, de interesse público, e aqueles que visam extrair ganhos para alguns grupos a partir do fundo público, ou seja, visa expandir seu capital portador de juros (OLIVEIRA, 1998; MARICATO, 2013).

Assim, observa-se que qualquer parceria entre público e privado precisa estabelecer muito claramente seus objetivos, bem como, definir como se partilham as contribuições e responsabilidades, disciplinando a boa convivência entre os contratantes, conforme aborda Sundfeld (2011). Destarte, poderiam ser minimizados os desequilíbrios do todo em detrimento da parte.

2.3

Conclusões

Como se pode observar, ao se abordar a adoção do capital portador de juros, da implantação de projetos de grande porte e a atuação do Estado em vistas a facilitar a ação de mercado imobiliário, destaca-se que que nenhum desses pontos se refere a produtos da contemporaneidade, todos já podiam ser observados nas cidades anteriormente. Entretanto, a confluência de todos eles é que configura, ou reconfigura, a economia recente, e consequentemente demanda atualizações do papel do Estado e do mercado imobiliário para melhor aproveitar o que as possibilidades que o canal financeiro tem a oferecer em um contexto de globalização e neoliberalismo.

No Brasil, ressalta-se que a partir dessa confluência decorre uma intensificação de intervenções no espaço urbano, políticas habitacionais, e especialmente, de uma produção do espaço urbano por GPUs. Uma vez que se identifica a contradição inerente nesse processo entre a fluidez das finanças – e sua necessidade constante de se valorizar, retirando-se rapidamente ao menor sinal de fragilidade daquela economia – e a fixidez espacial – que mesmo sendo superada pela criação dos ativos, securitização, exige que ao menos uma fração se mobilize, entende-se que são necessárias análises mais aprofundadas acerca das correlações e impactos na produção do espaço urbano, o que será objeto de estudo do capítulo três, a seguir.

3 D

INÂMICAS IMOBILIÁRIAS DE EXPANSÃO E DE VALORIZAÇÃO