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3 D INÂMICAS IMOBILIÁRIAS DE EXPANSÃO E DE VALORIZAÇÃO REESTRUTURANDO O ESPAÇO URBANO

3.2 Valorização imobiliária e reestruturação do espaço urbano no contexto da financeirização

3.2.2 Novas dinâmicas imobiliárias oriundas dos GPUs

Como vem sendo abordado, diante da financeirização da economia há uma reestruturação que se dá no âmbito político, social e, por conseguinte, na forma de se tratar as terras e imóveis urbanos, o que rebate na produção do espaço e nos demais elementos que a compõe. Além disso, Boltanski e Chiapello (2009), que identificam esse momento como o novo espírito do capitalismo, desde a renúncia do princípio fordista e a assumpção de uma nova organização em rede, sinalizam para a necessidade de conexão que se impõe para as cidades. Segundo os autores, o que importa na fase atual é estar sempre desenvolvendo atividades, nunca

34 A desabsolutização da propriedade se processa em busca da superação provisória da relação social de propriedade que é um entrave a acumulação do próprio capital, assim se divide a terra em várias frações ideais, sob a forma comumente de condomínio, possibilitando a venda ou aluguel a vários interessados (PEREIRA, 2006). Segundo Tone (2016) o processo de desabsolutização da propriedade com o objetivo de maximizar a renda capitalizada na venda ou locação de múltiplas propriedades, como fração ideal se dá a partir da década de 1930 com a emergência da produção imobiliária voltada para mercado, a própria verticalização simboliza a possibilidade de criar a maior quantidade possível de propriedades a partir de um mesmo terreno. Assim como, a criação do FII, CRI e a figura da alienação fiduciária deram força a esse processo, por meio da titularização imobiliária e a garantida da retomada da propriedade, no caso da última.

estar sem projetos, sem ideia, uma vez que aquele que não tem projeto, deixa de explorar as redes, e assim, está ameaçado de ficar de fora desse mundo conectado.

Para tanto, faz-se necessário se relacionar com os outros, estabelecer relações de confiança, saber engajar-se e ter a capacidade de engajar os demais, bem como é preciso estar atento para se antecipar à necessidade de tentar novas conexões, quando as atuais dão sinais de desfalecimento. De maneira tal, que se observa, que embora a produção do espaço seja um fenômeno antigo, contemporâneo às necessidades de grupos de se estabelecerem em um determinado local, no cenário atual de produção global, o espaço tem assumido papel de destaque nas estratégias do capital sob a lógica da financeirização, em que há o estabelecimento de conexões e novas conexões de maneira intensa e contínua. Ou seja, a cidade se atualiza conforme essas novas demandas.

De maneira que, no caso brasileiro, podem ser citadas as parcerias público-privadas que, por meio das Operações Urbanas Consorciadas (OUCs), funcionam como meios utilizados para alcançar tal processo de produção do espaço urbano, com importantes aportes iniciais do Estado para criar a pretendida expectativa de valorização (COSTA; MENDONÇA, 2011). Esses instrumentos apontados pela Lei Federal 10.257/2001 – Estatuto da Cidade, têm servido a expansão das condições de circulação do capital imobiliário, possibilitando a abertura de novas frentes urbanas a partir de determinadas âncoras, como o termo utilizado por Fix (2012), que podem ser uma nova avenida, shoppings centers ou outros empreendimentos significativos. Essas novas frentes serão objetos de disputa entre os incorporadores, primeiramente, e depois entre usuários.

As OUCs constituem um tipo de intervenção urbanística voltada para a transformação estrutural de um setor da cidade. Envolvem o redesenho do setor, a combinação de investimentos privados e públicos para sua execução e alteração, manejo e transação dos direitos de uso e edificabilidade do solo e obrigações de urbanização. Ou seja, trata-se da implementação de um projeto urbano para certa área da cidade, implantado por meio de PPPs (BRASIL, 2001). De tal modo, normalmente o poder público entra com a dotação de infraestruturas e o privado com a implementação dos projetos vultosos.

Para capturar os recursos necessários às intervenções, têm se recorrido a duas formas principais, por meio do instrumento de Outorga Onerosa do Direito de Construir ou a partir da emissão dos Certificados de Potencial Adicional Construtivo (CEPACs). O primeiro, reconhece a separação entre o direito de propriedade e o direito construtivo no que diz respeito aos terrenos, e significa uma transferência direta do certificado do poder público para os agentes possuidores de terrenos. O segundo, trata-se no contexto atual, em um aprimoramento do

anterior, pois na transferência do CEPAC existe um mercado secundário de certificados (SANTOS, 2015).

Ambos, servem como instrumento de captação de recursos para financiar obras públicas. O investidor compra do poder público, na esfera municipal, o direito de construir acima dos parâmetros permitidos na legislação, em áreas que receberão ampliação da infraestrutura urbana. Mas com a existência do mercado secundário, no caso dos CEPACs, Santos (2015) aponta que se cria não somente uma desvinculação entre a propriedade do potencial de construção adicional e a propriedade do lote, como também se cria a oportunidade de um tipo de especulação financeira, com um título de natureza imobiliária, que pode circular de maneira independente da propriedade do terreno. O que amplia o número de investidores e, por conseguinte, o volume de capital que se orienta para essa possibilidade de valorização.

Entretanto, a emissão dos CEPACs, para alcançar o seu propósito de atração de capitais para esfera municipal, precisa antes garantir os altos lucros aos investidores, dirigindo a garantia de valorização da área, por meio da dotação de melhorias e outras transformações que se julguem necessárias. Dito isto, cabe salientar que as produções imobiliárias decorrentes, também passam a repercutir na produção do espaço. De modo que Fix (2007) ressalta que o edifício (e seu adicional construtivo) precisa ter a rentabilidade compatível com as expectativas do investidor para não correr o risco de desvalorização, o que é ainda mais grave quando a finalidade da construção do edifício é a renda a longo prazo. Smolka (1979) afirma que ao comercializar um imóvel nessa lógica não se está vendendo apenas um ativo, mas negociando o direito que permite o novo proprietário a também especular e almejar ganhos reais com aquele bem, em razão de uma valorização esperada.

Essas exigências pela continua valorização têm infligido impactos sobre os modos de morar, impondo novos estilos de vida, de consumo, inclusive da própria moradia, provocando uma reestruturação imobiliária – que assume novas formas arquitetônicas a partir da introdução de novas tecnologias e materiais construtivos –, transformando o entendimento de valor de uso do proprietário por valor de troca. Ou o valor de troca se enche e se valoriza a partir dos signos do valor de uso pautados nos novos modos de morar.

Impactos esses que têm sido percebidos principalmente a partir da presença cada vez mais marcante dos grandes projetos urbanos, envolvendo empreendimentos de grande porte e intervenções para renovações, os quais segundo Sánchez (2010), têm gerado espaços cada vez mais cheios de significados, hábitos de consumo e valores culturais que se tornaram dominantes no mundo, sem necessariamente dialogar com os símbolos locais. São espaços, muitas vezes homogêneos, mas que não necessariamente se integram de maneira socioespacial à cidade que

se inserem, e assim, ampliam o número de fragmentos urbanos, e consequentemente as desigualdades socioespaciais.

Até as décadas de 1980/1990, os investimentos em projetos urbanos eram bem pontuais, conforme aponta Lungo (2004). Com a divulgação do planejamento estratégico, baseado no modelo de Barcelona a partir dos anos 1990, ampliaram-se as iniciativas e inclusive as demandas por intervenções vultosas no espaço urbano, com a expectativa de preparar a cidade para uma vocação futura e para a inserção no cenário competitivo.

Ou seja, prepara a cidade para a pretendida reinvenção, para a reconstrução da sua imagem, como aborda Sánchez (2010), contando com o engajamento dos cidadãos, a partir da justificativa que as renovações das áreas proporcionam a inserção competitiva que por sua vez levariam a um grande desenvolvimento urbano. O que é possível também em virtude dessa era informacional, que segundo a autora ora citada encontra suporte na produção das imagens e do imaginário que contribuem fortemente para a imposição do pensamento único, evitando, desta forma, maiores conflitos de interesses declarados.

Sánchez (2010) destaca ainda, que nesse contexto os GPUs são capazes, portanto, de produzir novas centralidades, redimensionar o fluxo de pessoas e reordenar o consumo. De modo, que coaduna com o exposto por Lungo (2004) quando afirma que redefinem os usos de determinadas áreas e modificam as funções das cidades, ou ainda, conduzem para novos direcionamentos de expansão. Neste ponto, o referido autor cita como exemplo, o aumento da escala de programas habitacionais como elemento chave da estratégia do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), produzindo um novo tipo de GPUs em muitas cidades latino-americanas. O que no Brasil pode ser observado claramente com a larga produção do programa MCMV, estendendo a cidade para outros rumos.

Entretanto, salienta-se que ao mesmo tempo que criam centralidades, tendem esvaziar outras – quando Lungo (2004) afirma que modificam as funções das cidades – em virtude da raridade de espaço. No momento da instalação de determinadas atividades, como no caso de edifícios corporativos, com fins de atender ao crescimento e modernização do setor de serviços, entende-se, conforme coloca Carlos (2012), que essas atividades só podem se realizar próximas das áreas em que já se desenvolvem, mesmo que isso demande a dissolução de bairros residenciais ou outras atividades para outros lugares. O que pode se dar em virtude da escassez de terrenos ou pela imediata valorização do solo urbano.

Ou seja, ao mesmo tempo que os GPUs contemporâneos se apresentam como característicos do modelo econômico vigente, e das transformações geradas nos outros âmbitos por esse chamado novo espírito do capitalismo, eles próprios têm o poder de produzir outras

transformações no espaço e no processo produtivo, o que reitera que na produção do espaço, os elementos, concomitantemente, são fatores induzidos e motor indutor.

Em tempo, verifica-se que há ainda outra significativa alteração nas dinâmicas imobiliárias que parece vinculada ao processo de financeirização e a implantação dos GPUs, e se refere a cada vez mais recorrente desabsolutização da propriedade da terra. De modo que se volta a um mercado de locação, concessão, adesão, em uma estratégia que associa várias frações do capital, que conforme apontam Boltanski e Chiapello (2009, p.157), dão acesso ao gozo dos objetos sem imobilizar o capital, defende ainda que “a distância em relação à propriedade, nesse caso, não é resultado de desprezo ascético pelos bens materiais, dos quais é totalmente lícito dispor e gozar, mas simples resultado da necessidade de tornar-se leve para deslocar-se com mais facilidade”.

Assim, vê-se grandes equipamentos se instalando nas cidades, utilizando-se dessas formas de acesso à terra sem maiores imobilizações de capital, o que pode oferecer ganhos àquele que detém a propriedade da terra, uma vez que continua lucrando com ela, extraindo rendas mensais, geralmente, mas também oferece maior liberdade ao dono do empreendimento, podendo mais rapidamente se desligar daquela área e se conectar a uma outra que lhe possa parecer mais vantajosa, em situações de quebra de confiança financeira na área atual ou motivações outra.

Diante do exposto, revela-se a preocupação com os impactos dessa mobilidade no espaço produzido, fruto dos processos de acumulação e valorização imobiliária. Pois, como se pôde observar com as transformações recentes, depara-se com uma transição entre continuidades e descontinuidades, a partir da formação de novas centralidades e esvaziamento de outras, acentuando, inclusive, a mobilidade da população em função da sua renda e do seu poder de compra no espaço. Com isso, segue-se a discussão sobre os possíveis efeitos perversos do próprio processo de valorização.