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CAPÍTULO 2 A INSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA NACIONAL DE

2.6 O CONTEXTO INSTITUCIONAL DE GESTÃO A NÍVEL LOCAL

2.6.4 Instituições de apoio e controle e sua repercussão no PAE

Como dito anteriormente, os CECANE, estabelecidos desde os anos 2000, visam apoiar técnica e operacionalmente estados e municípios nas ações ligadas a AE, conforme definido ainda pela Portaria Interministerial 1.010/2006. O CECANE de São Paulo, até então responsável pelas atividades nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, firmou convênio com o Instituto de Nutrição da UERJ em 2008 com vistas a formar um núcleo regional que pudesse apoiar as atividades no estado do RJ (ANERJ, 2017). Assim, vinculado ao Instituto de Nutrição da UERJ, foi criado o Núcleo de Alimentação e Nutrição Escolar (NUCANE) composto por professores de nutrição da UERJ, alunos de graduação (bolsistas) e nutricionistas que desenvolvem ações de ensino, pesquisa e extensão no apoio as ações de AE nos municípios do estado do RJ. Visa apoiar a formação dos alunos da graduação em Nutrição, mas também de profissionais nutricionistas e outros atores envolvidos na execução do PAE, via cursos e formações e geração de conhecimento (UERJ, 2018).

No ano seguinte, em 2009, o NUCANE apoiou a instituição da Rede Estadual de Alimentação e Nutrição Escolar (REANE), com vistas a articular ações institucionais de apoio aos nutricionistas que atuavam no PNAE, tanto nos municípios como no estado. A REANE desenvolve atividades até os dias atuais tendo como representantes as

seguintes instituições: ANERJ, CRN 4, Secretária de Saúde/RJ, Secretaria de Educação/RJ, UNDIME/RJ e UERJ. Além disso, foram incluídos posteriormente o Instituto de Nutrição Annes Dias, o GEPASE da UFF e os institutos de nutrição da UFRJ Macaé e da UNIRIO (ANERJ, 2017). Em 208 instituiu-se na UNIRIO, o CECANE RJ que contratou dois agentes do PNAE, para atuarem em duas linhas de ação: “Formação de gestores e atores sociais envolvidos no PNAE” e “Apoio técnico ao FNDE para desenvolvimento de materiais de educação alimentar e nutricional para escolas” (UNIRIO, 2018).

O Comitê Executivo da REANE se reúne, mensalmente, com vistas a coordenar as ações da Rede, trocar informações e traçar ações conjuntas de apoio ao PAE, mas também às políticas de alimentação e nutrição. São realizadas também plenárias semestrais que funcionam como espaços de trocas entre os membros do Comitê e os gestores e outros atores ligados a execução do PNAE no estado e nos municípios do estado do RJ, principalmente junto aos RTs (REANE, 2018). O CAE foi em 2018 convidado a participar das reuniões da REANE visando traçar estratégias para o desenvolvimento de ações conjuntas.

Como dito anteriormente, a necessidade de existência dos CAEs foi instituída desde 1994 pela Lei 8.913 e, posteriormente, reforçada pela Lei 11.947/2009. Como definido pelo Capítulo VII da Resolução 26/2013, cabe ao CAE assessorar estados e municípios, devendo acompanhar e fiscalizar tanto o cumprimento das diretrizes do PNAE como a aplicação do recurso destinado a AE, mas também zelar pela qualidade da alimentação servida. Portanto o CAE tem atribuições específicas em relação a duas questões centrais na análise aqui desenvolvidas, quais sejam os processos de compra (incluindo a compra da AF) e a garantia de oferta de alimentação saudável. No estado do RJ, foi instituído em 1996 pelo Decreto 22.077 e, posteriormente, alterado pelos Decretos 27.038/2000 e 42.287/2010 que reforçaram a importância desse Conselho seguir as orientações da Resolução 38/2009 e elaborar o Regimento Interno.

O Regimento Interno do CAE foi elaborado em 2012 e continha as informações sobre sua constituição, funcionamento e finalidades. Desse modo, conforme previsto também pela Resolução 26/2013, o CAE, instância de caráter deliberativo, deve ser composto por maioria de representantes da sociedade civil e também por representantes do poder público. A constituição mínima do CAE RJ é de sete membros, mas pode ser até triplicada por se tratar de secretaria de educação com mais de cem escolas, desde que seja mantida a seguinte proporcionalidade:

I - 1 (um) representante indicado pelo Poder Executivo do respectivo ente federado;

II - 2 (dois) representantes das entidades de trabalhadores da educação e de discentes, indicados pelo respectivo órgão de representação, a serem escolhidos por meio de assembleia específica;

III - 2 (dois) representantes de pais de alunos, indicados pelos Conselhos Escolares, Associações de Pais e Mestres ou entidades similares, escolhidos por meio de assembleia específica;

IV - 2 (dois) representantes indicados por entidades civis organizadas, escolhidos em assembleia específica.

Como estabelecido nas legislações citadas, o CAE deve atuar junto à SEEDUC, dando apoio e fiscalizando o PAE e, esta, por sua vez, deve prestar assistência para o seu funcionamento, seja com suporte operacional, fornecendo instalações físicas, provendo transporte para os conselheiros, materiais de informática e recursos humanos, como também disponibilizando informações necessárias para a atuação do CAE (SEEDUC, 2010). No entanto, há registros em atas disponibilizadas peloo CAE de que principalmente até o ano de 2014 essas condições não foram plenamente garantidas, tais como: apoio administrativo; recursos humanos qualificados para secretariar as reuniões; e a estrutura necessária para o desempenho das atividades, sejam as atividades administrativas ou relacionadas as visitas realizadas pelos conselheiros do CAE, como transporte e materiais (SEEDUC, 2017a).

Destaca-se a importância desse fato uma vez que os conselheiros, muitas vezes não tinham habilidades para uso de tecnologias, além de falta de conhecimento em lavrar as atas, redigir memorandos e ofícios, responder e-mails formais e elaborar e redigir o relatório de visitas. Registram-se também a dificuldade de quórum e de diálogo entre os próprios conselheiros e entre os conselheiros e a SEEDUC, o volume de ofícios recebidos do MP solicitando verificação em determinadas escolas, podendo chegar a 10 ou 15 solicitações em um mês, com um prazo curto para resposta ou ainda deveriam contemplar visitas em municípios distantes da capital, o que dificultava o atendimento pelos conselheiros do CAE.

Ao longo do período 2010 a 2017, o CAE, aprovava a prestação de contas apresentada pela SEEDUC, porém com ressalvas relativas a dificuldade de análise do total repassado pelo FNDE, mas também pela contrapartida do Estado para o PAE. Destaca-se aqui as ressalvas referentes à compra da AF, que ainda se apresentava aquém do esperado, com pontos a serem esclarecidos e melhorados em relação a chamada pública e, ainda em relação às irregularidades observadas em visitas à algumas escolas pelo CAE (ALERJ, 2015; SEEDUC, 2017a).

Porém, por vezes o Ministério Público estadual (MP RJ) solicitou melhorias na atuação do CAE considerando suas competências e atuou por meio de Centros de Apoio Operacionais (CAO), especialmente o CAO Educação que fiscaliza a qualidade dos serviços ofertados pelo sistema educacional, incluindo o funcionamento da alimentação escolar, próximo ao CAE, além de promover encontros, cursos e levantamentos sobre a AE. Por meio de parceria entre o MP Federal e o MP dos estados foi instituído em 2013 o projeto intitulado Ministério Público pela Educação (MPEDUC) com o objetivo de coletar informações, realizar audiências públicas e visitas as escolas. Em 2014 o MP via MPEDUC iniciou o projeto de levantamento da situação da AE nas escolas municipais do Rio de Janeiro e, em 2017, nas escolas estaduais (MPRJ, 2017).

Ainda, por meio do projeto Controlando Educação do TCE RJ foram realizadas também uma série de auditorias nas escolas das diferentes DRA estaduais, totalizando nove no ano de 2014, para verificar as condições de organização e funcionamento das unidades escolares no que dizia respeito à AE e à infraestrutura, dentre outras questões. Os resultados dessa verificação apontavam irregularidades: na aquisição de gêneros alimentícios, na liquidação de despesas com a AE, no armazenamento, no local de preparo e de consumo e ainda nas condições de higiene dos manipuladores em diferentes níveis nas escolas auditadas (TCERJ, 2014).

Assim, tanto o TCE RJ quanto o MP RJ, além de cobrarem melhorias na atuação do CAE RJ, por meio de ofícios direcionados ao CAE solicitando visitas a determinadas escolas e posterior resposta com relatórios sobre as condições, também fiscalizavam diretamente a atuação da SEEDUC no cumprimento PAE. Outros órgãos atuaram da mesma forma cobrando melhorias tanto na atuação da SEEDUC como do CAE, como foi o caso do Conselho Regional de Nutrição da 4ª Região (CRN-4).

Em 2009, a partir de denúncias recebidas, o MP acionou o CRN-4 para que realizasse uma ação de fiscalização junto ao PAE e em 2010, sob nova gestão, o CRN-4 em parceria com a Associação de Nutricionistas do Estado do Rio de Janeiro (ANERJ), desenvolveu um modelo de Relatório de Visita para avaliação do funcionamento e diagnóstico da alimentação oferecida aos alunos das escolas estaduais. O foco da avaliação, inicialmente, era abordar aspectos ligados ao planejamento e qualidade nutricional dos cardápios, controle de qualidade e aspectos higiênico-sanitários, uniformização de manipuladores de alimentos e condições de área física das Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN). A metodologia proposta visava realizar uma

avaliação por amostragem do PAE, tornando-se um projeto mais amplo do que o solicitado pelo MP (CRN, 2013).

Ao longo do período de 2010 e 2012, a equipe de fiscalização do CRN-4, apesar de limitada, realizou visitas, por amostragem, a escolas dos 92 municípios do estado, contemplando a divisão por DRA e totalizando aproximadamente 300 escolas visitadas. Assim, em 2013, o relatório publicado pelo CRN-4 sobre a qualidade da alimentação oferecida por unidades escolares estaduais no Estado do Rio de Janeiro indicou que 62% dos alunos consumiam as refeições nas unidades escolares e, que também professores e funcionários se alimentavam na escola. A avaliação do documento Manual Operacional do PAE (MOPAE) de 2010, na época da fiscalização revelou que os aspectos relativos ao cardápio planejado atendiam os princípios dietéticos em relação a quantidade, qualidade, adequação e harmonia. Porém, segundo o relatório, os cardápios não eram seguidos e, muitas vezes, nem consultados ou disponibilizados. Foi frequente a oferta de itens proibidos e/ou restritos, assim como menor oferta de itens obrigatórios, como frutas e hortaliças. Quase a totalidade das unidades escolares não cumpria a obrigatoriedade de compra da AF, fato de extrema relevância para a análise aqui empreendida, pois indica, por um lado, os desafios do processo de compra e, por outro, as características da institucionalidade do programa. Nesse sentido, evidencia-se a articulação de ações de diferentes organizações da sociedade civil e espaços institucionais de controle social e direito público (CAE, CRN-4, Ministério Público) condicionando o PAE em âmbito local.

O Relatório também analisou as condições higiênico-sanitárias das unidades escolares, desde o preparo até a distribuição, incluindo as condições da área física e dos manipuladores indicando que os procedimentos adotados ofereciam riscos de consumo de alimentos impróprios e contaminados. Ou seja, de um modo geral, a execução do PAE não atendia aos princípios e diretrizes do FNDE e nem da legislação sanitária.

O Relatório destacou as atribuições do nutricionista no âmbito do PAE, a importância do cumprimento do número de profissionais nutricionistas necessário, (386 nutricionistas no estado do RJ, de acordo com a Resolução CFN 465/2010). Apesar de existirem 1.620 unidades escolares não havia o cargo de nutricionista na SEEDUC e à época, a Coordenação de Alimentação Escolar contava com três nutricionistas contratadas, sendo uma delas RT do programa. Ao término da pesquisa, em 2013, apesar de 270 unidades escolares terem sido municipalizadas, ou seja, o número total de

escolas ter reduzido, duas das nutricionistas pediram desligamento, tornando ainda mais crítico o número de nutricionistas atuando no PAE RJ.

As recomendações do relatório para a SEEDUC incluíam: a criação do cargo de nutricionista entre os profissionais da SEEDUC; realização de concurso público e atendimento do número previsto de profissionais nutricionistas compatíveis com a execução do PAE RJ; adequação das instalações das escolas e capacitação permanente dos manipuladores de alimentos e parcerias com órgãos para auxílio na fiscalização, como Vigilância Sanitária e o próprio CRN-4 (CRN, 2013).

O Relatório foi amplamente divulgado, encaminhado ao MP RJ, à SEEDUC, ao FNDE e ao CAE RJ, que por meio de ofício 312/2014 do FNDE foi cobrado do CAE a fiscalização na execução do PAE-RJ, diante de suposta irregularidade no programa. Considerando as dificuldades de atuação do CAE, já apresentadas, ainda que o prazo para resposta indicado pelo MP tenha sido de 30 dias, o CAE levou três meses para enviar uma resposta ao FNDE, que foi superficial, sem pareceres conclusivos sobre as visitas, apenas informando o quantitativo de visitas realizadas no ano anterior, sinalizando que não tinham condições de cumprir com o solicitado, mesmo considerando visitas por amostragem às regiões do estado. A resposta do CAE ao CRN- 4 foi semelhante o que indica os desafios enfrentados para seu funcionamento e atuação.

Após dois mandatos da então presidente do CAE, de 2010 a 2017, em 2017 houve eleição para todos os novos conselheiros, apenas dois da gestão anterior permaneceram, os novos representantes passaram por treinamentos, incluindo orientações sobre o procedimento de chamada pública para compra da AF, fornecido pela ASPTA (Associação sem fins lucrativos que assessora a Agricultura Familiar e a Agroecologia desde 1983). Em 2017, ainda, foi realizada a revisão do Regimento Interno do CAE e elaboração do Plano de Ações para 2018, com agendamento prévio de datas para visitas as regiões do Estado, para além das visitas em atendimento as solicitações do MP. Tal organização foi encaminhada a SEEDUC, e uma vez aprovada possibilitou fornecimento de transporte para todos os conselheiros, seja para visitas ou para as plenárias. Foi elaborada ainda a metodologia de Seminários a serem realizados ao longo de 2018, nas diversas regiões do estado, para diálogo com as entidades locais e busca por divulgação e fortalecimento da atuação do CAE. A atual gestão do CAE RJ, iniciada em meados de 2017, passou a ter composição conforme apresentada no Quadro 10.

Quadro 10 – Composição do CAE RJ no ano de 2017

Em relação a SEEDUC, ainda em 2012, foi criado o cargo de Gestor de Segurança Alimentar vinculado a Superintendência de Infraestrutura, oferecido para servidores por mobilidade interna, preferencialmente para professores que desejassem atuar na Coordenação de Alimentação Escolar apoiando as ações do PAE nas regionais. (SEEDUC, 2012).

Em relação ao quadro de nutricionistas, a atual RT do PAE, foi contratada em 2014 e, ainda em 2018 é a única nutricionista do PAE RJ. Não houve a criação do cargo de nutricionista e nem contratação de nenhum outro profissional conforme recomendado tanto pelo CRN-4 como pelo MP RJ.

Em síntese, os dados aqui apresentados, sobre a estrutura institucional e de gestão do PAE em âmbito local indicam como potencialidade a existência de um conjunto de órgãos com atribuições voltadas para monitoramento do programa. Trata-se de uma estrutura complexa, que demanda recursos para sua existência, instrumentos e mecanismos institucionais, bem como qualificação dos atores. Destaca-se a necessidade de profissionais envolvidos diretamente com o tema, como os nutricionistas, e a ação política os órgãos profissionais envolvidos com a categoria, que foi identificada em âmbito nacional e também em âmbito local, como relevantes nesse processo. Por outro lado, os dados aqui apresentados sinalizam também os desafios de funcionamento das instâncias de Controle Social, como o CAE que afetam as possibilidades de ação política da sociedade civil ali representada. Boa parte dessa ação política é canalizada para os espaços institucionalizados de controle social, como o CAE. Cabe questionar sua vitalidade de atuação para além desse lócus institucional.

Porém, apesar da crise enfrentada no estado do RJ em relação a compra da AF, houve mudança ao longo dos anos recentes, conforme apresentado a seguir.