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CAPÍTULO 2 A INSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA NACIONAL DE

2.7 SÍNTESE DA CONFIGURAÇÃO DA INSTITUCIONALIDADE DO PNAE NO

Em síntese, esse capítulo, que aborda a institucionalidade do PNAE no Brasil, aporta elementos importantes para a análise que serão aqui destacados.

A estrutura institucional do programa é integrada por diferentes órgãos com diferentes atribuições e níveis decisórios, o que indica de certa forma uma complexidade da institucionalidade e da gestão que envolve técnicos e gestores em distintos níveis hierárquicos. A institucionalidade do programa caminha em uma vida de mão dupla com a ação política de segmentos da sociedade civil. Tal institucionalidade é simultaneamente fruto da ação política e condiciona essa ação, pois, ao ser instituída, passa também a ser apropriada pelos atores no curso da ação política e possibilita que novas conquistas sejam alcançadas. Evidencia-se no caso aqui analisado a articulação de ações de diferentes organizações da sociedade civil e espaços institucionais de controle social e direito público (CAE, CRN-4, Ministério Público) se apropriando da legislação e de normativas já instituídas e condicionando o PAE em âmbito local.Trata-se de uma estrutura complexa, que demanda recursos para sua existência, instrumentos e mecanismos institucionais, bem como qualificação dos atores e que possui uma série de desafios ainda para o funcionamento. Esses desafios foram indicados em relação ao CAE que exerce atribuições fundamentais enquanto controle social do PNAE em articulação com um conjunto de órgãos que tem atribuições voltadas para monitoramento do programa. Essa atuação recai sobre questões referentes tanto a dimensão das compras institucionais quando a promoção e garantia de oferta de alimentação adequada e saudável.

Boa parte da ação política das instituições da sociedade civil envolvidas é canalizada para os espaços institucionalizados de controle social, como o CAE (em âmbito municipal), ou para o CONSEA (em âmbito nacional). O CONSEA estadual e o municipal não se destacam com atuação específica no PNAE no caso aqui analisado. Cabe questionar a vitalidade de atuação da sociedade civil por meio de ações locais junto ao PNAE, ou seja, para além dos lócus institucionais de participação e controle social existentes.

Outro ponto relacionado à institucionalidade do PNAE diz respeito à rotatividade de gestão como um fator que condiciona o desenvolvimento das políticas e programas nesse contexto. Como exemplo disso destacam-se as ações desenvolvidas

por gestores pouco comprometidos com o programa que afetam as possibilidades de compra da AF.

São muitas também as normativas e legislações que condicionam o programa, formuladas por distintos órgãos e setores de governo, que afetam as especificações do tipo de alimento e da operacionalização da compra pela AF, como as legislações de alimentos especificadas pelo MAPA e pela ANVISA, além daquelas referentes às compras públicas. Além disso, as diretrizes presentes em várias políticas e instrumentos de governo como o Guia Alimentar, o Marco Regulatório de EAN, a PNSAN, a PNAN, indicam como as diferentes normativas – formuladas nos diferentes setores de governo – e os objetivos e princípios do conjunto de políticas públicas precisam dialogar para que um processo de compra aconteça e como também afetam as ações relacionadas com os âmbitos aqui analisados, quais sejam a compra da AF – e a PAAS.

Em relação à PAAS ação política dos órgãos profissionais envolvidos com a categoria de nutricionsitas, que foi identificada em âmbito nacional e também em âmbito local, articulada aos debates sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada no âmbito do CONSEA são relevantes nesse processo. No entanto, as diretrizes nutricionais do PNAE ainda apresentam fragilidades no sentido de ainda considerarem a presença de alimentos processados e pouca oferta de frutas e hortaliças diariamente. Apesar do avanço conquistado no cenário brasileiro com o Guia Alimentar para a População Brasileira, uma vez que foi inovador na orientação do consumo de alimentos com base no grau de processamento, as orientações do PNAE, que são ainda anteriores a publicação do Guia, não seguem essas diretrizes.

A adoção de especificações técnicas a serem observadas na aquisição de gêneros para o PNAE, demandada pelas próprias nutricionistas, também afetam as possibilidades de compra da AF. Essa institucionalidade afeta também a dimensão da equidade e nesse sentido a questão das normas sanitárias inclusivas vem sendo amplamente discutida no caso brasileiro, pois indica como o controle das condições higiênico-sanitárias, desde a compra até o consumo dos alimentos, precisam ser reconfiguradas para se adequarem aos processos de compra da AF (SCHOTZ, 2017).

Ainda em relação à equidade, a ampliação do atendimento do PNAE e a inclusão de novos sujeitos de direito contribuiu para alcançar aqueles grupos populacionais mais vulnerabilizados, como quilombolas e indígenas. A inflexão na direção de instituir a compra da AF teve como uma de suas justificativas a intenção de priorizar os segmentos de agricultores que enfrentam situações sociais e econômicas adversas.

Nesse sentido, o próprio estabelecimento da categoria da AF por meio das políticas públicas indica como as instituições governamentais afetaram o processo político ao formalizar uma dada definição de AF (que pode ou não ser a mais adequada segundo os parâmetros dos próprios agricultores) e aportar recursos específicos para esse grupo de agricultores. Ao estabelecer um percentual mínimo obrigatório de compra especificamente para esse seguimento, além de uma ordem de prioridade de atendimento a ser respeitada entre os participantes do processo de chamada pública, foram priorizados grupos considerados ainda mais vulneráveis no âmbito da categoria de AF, quais sejam os assentamentos de reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas.

Os critérios de oferta de refeições pelo PNAE também afetam o processo de compra em direção a AF, pois estabelecem que sejam contemplados os hábitos alimentares e a cultura alimentar local, inclusive de comunidades indígenas e quilombolas, e que a compra da AF respeite a variedade, a quantidade e a sazonalidade, além da vocação agrícola da localidade pautada ainda na sustentabilidade e na diversidade agrícola da região. Tais fatores favorecem a possibilidade de venda da AF para o PNAE, apesar de ainda serem questões frágeis no cotidiano de operacionalização do processo de compra.

Os recursos financeiros do PNAE são de uso exclusivo para compra de gêneros alimentícios e que está subordinada ao estabelecido no cardápio, elaborado por nutricionista e em conformidade com os parâmetros estabelecidos nas diretrizes do PNAE. Portanto, esses, assim como os demais elementos relacionados com a dimensão nutricional do programa (PAAS, EAN) também afetam os processos de compra da AF, por vezes potencializando-os e por outras criando barreiras para que ele se concretize.

Como desafios enfrentados pelos agricultores familiares na venda para o PNAE destaca-se o excesso de solicitações em relação às especificações dos gêneros da AF, o que contribui para dificuldades na entrega por parte dos agricultores, diante das impossibilidades em atender as especificações estabelecidas com os gêneros produzidos. Tal fato pode inclusive contribuir para não cumprimento do contrato, desperdício, perda de tempo e recursos em deslocamentos não produtivos e dificuldade em conquistar a confiança junto aos diretores das escolas. Ou seja, quanto mais especificação e detalhamento dos critérios, mais dificuldade dos AF em atender esses padrões. Em contraponto destaca-se a preferência dos agricultores por venderem para o PAA devido ao excesso de especificações para venda ao PNAE.

Além disso, outros critérios como preço, lista de produtos passíveis de serem adquiridos pelas escolas e, principalmente, o processo burocrático relacionado à construção do projeto de venda e a documentação necessária para a habilitação, podem contribuir para baixa participação dos agricultores na chamada pública.

Cabe destacar ainda como desafios questões relacionadas ao preço estabelecido na chamada pública recentemente que resultou em menor participação por parte dos grupos formais dos agricultores familiares. Em grande medida atribuiu-se tal fato a mudanças arbitrárias na compra limitando o preço de venda e também a tomada de preço para a AF. A não tomada de preço de mercado e a fixação do uso da Tabela FGV limita a venda e gera desmotivação por parte dos AF e descrédito no programa, sendo um fator que condiciona o processo local.

CAPÍTULO 3 A INSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA DE