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Inteligência coletiva, ciberespaço e cibercultura

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2 Métodos e Estratégias Pedagógicas

2.2 Principais Bases Teóricas que fundamentam a Educação a Distância

2.2.3 Inteligência coletiva, ciberespaço e cibercultura

Pierre Lévy (1998, p.29) define a Inteligência Coletiva como uma nova dimensão da comunicação, que permite o compartilhamento do conhecimento, o ir e vir de informações, promovendo que as sociedades sejam inteligentes coletivamente, em massa: “Ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo o

saber está na humanidade”.

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Palavra de origem grega: heuta (auto, próprio), agogus (guiar, conduzir, educar) . Os estudos desta teoria foram iniciados por Stewart Hase e Chris Kenyon. Em “From Andragogy to Heutagogy” [2000] .

Os saberes válidos oficialmente, presentes nos currículos escolares, não costumam ser os que estão ativos socialmente. Nesse sentido, faz-se necessário que a escola procure integrar o social com o oficial, valorizando a inteligência coletiva e trazendo a realidade do aluno para o contexto escolar.

A Inteligência Coletiva é aquela que está distribuída em toda a parte, em todas as áreas e que, sendo valorizada, poderá promover a mobilização das competências, o reconhecimento das identidades sociais e a conseqüente implantação de projetos coletivos.

A Inteligência Coletiva nasce com a cultura e cresce com ela, movimentando o pensamento da sociedade e promovendo transformações, ou seja, quando pensarmos coletivamente, existimos como comunidade.

O ciberespaço68 é o espaço de desenvolvimento da Inteligência Coletiva, propiciado pelos novos suportes de informação e comunicação, onde ocorre o contato entre as pessoas e sua relação com os conhecimentos, de maneira individual e também coletiva.

Ao contrário do que vemos em filmes de ficção científica, o ciberespaço não é um ambiente aterrador, inumano. Neste local de encontros e aventuras, de relacionamento social, criação e conhecimento, a Inteligência Coletiva irá manifestar sua cultura e beleza, seu espírito e saber.

Este espaço de aprendizagem deve contemplar o desenvolvimento de laços sociais pelas trocas e aprendizagens, comunicações e construções, que contribuem para a autonomia dos sujeitos que se relacionam e aprendem.

É extremamente importante que haja a união da técnica com a cultura, do contrário, teremos uma técnica vazia e uma cultura morta.

A existência pode ser organizada socialmente pelo pensamento coletivo, através das comunidades. O indivíduo autoriza-se na relação com o outro, é a construção do ser pelo conhecer.

68 Ciberespaço: palavra de origem americana, empregada pela primeira vez pelo autor de ficção científica

William Gibson, em 1984, no romance Neuromancien. O ciberespaço designa ali o universo das redes digitais como lugar de encontros e aventuras, terrenos de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural. Existe no mundo, hoje, um fervilhar de correntes literárias, musicais, artísticas, quando não políticas, que falam em nome da “cibercultura”. O ciberespaço designa menos os novos suportes de informação do que os modos originais de criação, de navegação no conhecimento e de relação social por eles propiciados. (LÉVY, 1998, p.104)

É importante salientar que as comunidades e os ambientes virtuais de aprendizagem constituem excelentes ferramentas educacionais, que podem promover a construção de conhecimentos e a Inteligência Coletiva.

O fato de ser um espaço virtual, não tira a sua eficiência educacional e construtiva, já que existem diferentes espaços, com diferentes proximidades, temporal, afetiva, lingüística, etc. A distância física não irá, necessariamente, determinar uma distância afetiva.

Minha vizinha, à qual digo apenas bom dia e boa noite, encontra-se bem perto de mim no espaço-tempo comum. Mas, lendo o livro de um autor morto há três séculos, posso estabelecer com ele no espaço dos signos e do

pensamento, uma conexão intelectual bem mais sólida. As pessoas de pé à minha volta, no metrô, estão mais distantes de mim, em um espaço afetivo, do que minha filha ou meu pai, que estão a quinhentos quilômetros daqui. (LÉVY, 1998. p.126)

Nesse sentido, podemos afirmar que os laços e significações vão depender da organização do espaço virtual, dos objetivos individuais e coletivos, das necessidades dos sujeitos envolvidos e da forma como os relacionamentos ocorrem no interior desta comunidade, independente de estarem ou não distantes, fisicamente ou temporalmente.

Moore e Kearsley (2007) definem este novo relacionamento educacional como distância transacional, onde não interessa a distância física ou temporal, mas sim a estrutura do projeto, o grau de autonomia dos alunos e de interação entre todos os envolvidos. Assim, os sujeitos, poderão estar mais ou menos “próximos”, de acordo com essas variáveis.

Defendem como projeto ideal de Educação a Distância, aquele com maior interatividade, programas mais flexíveis e alunos mais autônomos, ou seja, com menor distância transacional.

Concordando com os autores, acredito que deve haver um equilíbro entre a autonomia e a interação, pois tanto a teoria behaviorista, quanto a construtivista tem seu papel dentro da Educação a Distância, na medida em que se defende o planejamento e a auto-aprendizagem (mecanismos autodidáticos), mas não se desconsidera as subjetividades (aprendizagem individualizada) e as relações (interação e aprendizagem colaborativa).

Temos alguns projetos, por exemplo, nos quais há a necessidade de programas auto-instrucionais, mas isso não elimina a importância da interatividade entre os sujeitos, pois a aprendizagem somente irá se efetivar na interação e na troca entre os pares.

Se pensarmos um pouco em Paulo Freire, a EAD também deve evitar os projetos baseados apenas na educação bancária (informação e conteúdo) e privilegiar uma educação mais humanista (dialógica e problematizadora).

Lévy (1999) afirma que a cibercultura69 não será a solução para todos os problemas sociais e culturais do planeta, mas reconhece dois fatos importantes:

Em primeiro lugar, que o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação e cabe a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano. (LÉVY, 1999, p.11)

Como exemplo, ele cita o Rock nos anos 70, que não resolveu todas as mazelas sociais, mas que promoveu envolvimento em uma causa e muita reflexão nos jovens da época. É importante reconhecer as potencialidades deste espaço e desenvolver projetos dentro de uma perspectiva humanista.

Não podemos ignorar que existe um lado comercial muito forte na internet, assim como na TV, telefone e outras mídias, entretanto isso não anula as potencialidades educativas e culturais destas ferramentas.

A cibercultura representa uma resposta ao acelerado crescimento demográfico, com a cultura interconectada desenvolvendo-se num crescer sem fim, portanto, os sujeitos precisam aprender a navegar neste mar sem fim de informações, comunicações e conhecimentos.

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Conjunto de técnicas, materiais e culturais, práticas e atitudes, pensamentos e valores, que crescem e se desenvolvem junto com o ciberespaço.

Quanto mais os processos de Inteligência Coletiva se desenvolvem, (...), melhor é a apropriação por indivíduos e grupos, das alterações técnicas e menores são os efeitos de exclusão ou de destruição humana resultantes da aceleração do movimento tecno-social. (LÉVY, 1999, p.29)

Assim, as tecnologias são o produto de uma sociedade e de uma cultura e não algo que apenas gera impacto sobre ela.

Dentro do ciberespaço podem se desenvolver problemas também, como o isolamento, a dependência, a difusão de conteúdos ruins e “bobagens virtuais”. Entretanto, também é um ambiente propício a favorecer a Inteligência Coletiva, e os resultados positivos podem ser bem maiores que os negativos. Nos dizeres de Lévy (1999), ele pode ser um remédio, favorecendo a cibercultura, ou o veneno para quem dela não participa.

Um mundo virtual, no sentido amplo é um universo de possíveis, calculáveis a partir de um modelo digital. Ao interagir com o mundo virtual, os usuários o exploram e o atualizam simultaneamente. Quando as interações podem enriquecer ou modificar o modelo, o mundo virtual torna-se um vetor de inteligência e criação coletivas.( LÉVY, 1999, p. 75)

Esta interatividade pode ter vários níveis, de acordo com as possibilidades oferecidas pela mídia utilizada. O indivíduo interage com o meio virtual, na medida em que age, escolhendo suas ações e este mundo virtual “reage” de acordo com estas ações.

Vale lembrar que o virtual é real, por ser algo potencial, mesmo que não esteja no mesmo espaço temporal nem seja atual. Ele existe sem estar presente, sem a intenção de substituir o real (atual), tem como objetivo multiplicar as possibilidades de atualização deste “real”, complementando, reorganizando os sistemas e facilitando os processos educacionais. Ou seja, o recurso tecnológico deverá incitar outros processos, não abandonando os velhos processos, mas os reformulando e atualizando.

Assim como a fotografia não substituiu a pintura e o cinema não substituiu o teatro, o virtual não irá substituir a presença, o contato entre as pessoas, mesmo já tendo modificado a nossa realidade.

A abertura do ciberespaço e a universalização dos conteúdos presentes nele tem tido fortes repercussões em todas as áreas sociais, sejam econômicas, políticas ou culturais, o que tem transformado significativamente a vida em sociedade e não pode ser ignorado pelo sistema educacional.

A emergência do ciberespaço é fruto de um verdadeiro movimento social, com seu grupo líder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem (interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes. (LÉVY, 1999, p.123)

Neste espaço ocorrem relações sociais, dotadas de sentimentos e emoções, que podem vir a complementar os encontros físicos. Também serve para reunir virtualmente grupos potenciais que não encontravam locais de expressão anteriormente, o que contribui para as aprendizagens coletivas e o contato efetivo entre essas pessoas, independente de limitações geográficas.

Para pensarmos a educação neste contexto, é necessário levarmos em consideração a velocidade com que as informações são propagadas e os saberes construídos. Muitos dos saberes construídos há alguns anos, provavelmente já estarão obsoletos, o que demanda uma atualização constante, principalmente no campo das competências profissionais.

Nesse sentido, o ciberespaço tem um importante papel, na medida em que amplia as funções humanas de memória, estimulando a criatividade e o raciocínio e criando novas formas de conhecer, avaliar e aprender.

Podemos dizer que a Educação a Distância tem contribuído para uma reformulação do sistema educacional, dispondo de um novo estilo de ensinar, que favorece ao mesmo tempo as aprendizagens individuais e coletivas, valorizando as competências e experiências já adquiridas pelos sujeitos.

Se antes o saber era tido como o subir de uma escada, degrau por degrau, levando o indivíduo ao topo, hoje podemos dizer que aprender é navegar em diversas direções, passando por diversas intempéries, sem um local definido para chegar, acompanhando as mudanças das correntes, e aprendendo a qualquer hora e em qualquer lugar.

Ao passo que as necessidades individuais não são contempladas pela escola, a EAD se torna um campo viável e promissor, que irá flexibilizar o atendimento, diversificando e personalizando o processo educativo.

É possível que, no futuro, não mais exista uma distinção entre o ensino “presencial” e “a distância”, já que as mídias tem sido integradas pouco a pouco ao ensino tradicional, resultando em uma educação hibrida.

Educação será sempre educação, independente da modalidade e da forma como se ensina e se aprende.

Fazendo uso de todos estes recursos, em uma relação de cooperação e aprendizagem entre todos os envolvidos, a educação deixaria de ser apenas institucional, para vir a ser através da troca constante de saberes por diversos canais, uma prática social.

Neste contexto, Lévy (1999) considera a importância da validação de saberes socialmente adquiridos, afirmando que um diploma pode ser insuficiente para significar competência.

Entretanto, essa validação somente irá ocorrer quando a educação for reconhecida em todas as suas vertentes e possibilidades, através de uma intersecção das políticas públicas com o sistema educacional, dando sentido a todo esse movimento cultural, à cibercultura e ao ciberespaço como espaços de aprendizagem e construção social.

As universidades abertas em todo o mundo já fazem um movimento nesse sentido, mas ainda estamos muito longe do ideal.

O antigo está sendo reformulado. Algumas coisas deixarão de ser necessárias e outras passarão a sê-lo, abrindo novos planos de existência, alterando os modos de nos relacionarmos, aprendermos e criarmos. Por isso, é fundamental que a educação também acompanhe esta movimentação, reconhecendo os diferentes e dinâmicos espaços de aprendizagem da cibercultura.

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